Especialista prevê desastre ambiental na Amazônia

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Foto: André Cran/Folhapress

Segundo números do sistema DETER do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento na Floresta Amazônica no Brasil mais que dobrou em janeiro em comparação com o ano anterior. Foram desmatados mais de 280 quilômetros quadrados, um aumento de 108%.

Foi a maior área desmatada no mês de janeiro desde 2015, quando esses dados começaram a ser coletados. Em comparação, 136 quilômetros quadrados foram desmatados em janeiro de 2019, 183 quilômetros quadrados em 2018 e 58 quilômetros quadrados em 2017.

Os números seguem uma lógica de ampliação sem precedentes do desmatamento na Amazônia, com crescimento de 85% em 2019 em uma área de 9.166 quilômetros quadrados – o número mais alto em pelo menos cinco anos – contra 4.946 quilômetros quadrados desmatados em 2018.

Em entrevista à Sputnik Brasil, o pesquisador sênior Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), mostrou-se pouco surpreso com os dados do INPE. De acordo com ele, apesar dos esforços feitos pelo governo do presidente Jair Bolsonaro para debelar incêndios no ano passado, as ações pararam por aí.

“Não surpreende tanto por um fator muito simples. Embora o governo tenha feito esforços na época das queimadas no ano passado para a redução dos incêndios, a fonte desses incêndios não foi debelada que foi principalmente o desmatamento. O que nós vimos no ano passado é que grande parte do desmatamento continuou após o fim das chamas e isso se repete agora em janeiro também”, declarou.

Moutinho exaltou que o governo federal precisa montar e apresentar à sociedade um plano estratégico para o combate ao desmatamento ilegal, sob pena dos seguidos recordes registrados pelo INPE – e os seus consequentes impactos ambientais – prosseguirem nos estados da região.

Na análise do pesquisador ouvido pela Sputnik Brasil, possivelmente a falta desse plano estratégico ajuda a entender como o desmatamento possa estar em alta, mesmo em uma época considerada chuvosa na Floresta Amazônia. E é com isso que grileiros e madeireiros contam, prosseguiu ele.

“Se nós não temos uma decisão do governo sobre aquela grande região de florestas públicas não destinadas em dar um destino àquelas terras como manda a Lei de Gestão de Florestas Públicas de 2006, isso fica em um certo limbo de quem é o dono ali e é um prato cheio para a grilagem. Ou seja, quem está fazendo o ato criminoso de se apropriar do patrimônio dos brasileiros que são florestas públicas […] são aqueles que estão vendo que em algum momento, lá na frente, você vai ter a regularização”, explicou.

O governo Bolsonaro já anunciou a criação de um conselho para definir políticas públicas voltadas à defesa da Amazônia. Moutinho ponderou que é preciso combater essa especulação imobiliária na região, já que a grilagem hoje é, diferentemente do passado do Brasil, realizada de forma mais ampla em áreas públicas.

“A criação do conselho é bem-vinda porque é mais uma instância governamental para discussão do problema que deve ser também debatido com os governadores da região. Mas necessita-se ser mais do que um conselho, esse conselho poderia ter um papel fundamental na construção desse planejamento estratégico de combate ao desmatamento. Buscando as causas do desmatamento, principalmente o ilegal, que hoje nós sabemos que por volta de 40% da taxa nos últimos dois anos são relativas à grilagem de terra, ou seja, desmatamento em terra pública, em floresta pública, então é preciso que você estruture um plano de médio e longo prazo, e não de curto prazo, para que você dê conta desse desafio que é o combate à grilagem e o desmatamento ilegal”, afirmou.

Para Moutinho, o temor maior começa pela inércia do governo federal, que em mais de uma oportunidade mostrou-se pouco aberto a dialogar com políticos estaduais, ecologistas, cientistas e outros entes da sociedade civil. A ideia da gestão Bolsonaro para a Amazônia gera tanta controvérsia que Alemanha e Noruega congelaram suas participações no Fundo Amazônia.

“Se o governo tomar as ações para a construção desse plano estratégico de longo prazo de combate ao desmatamento, eu acho que nós teremos um cenário um pouco melhor. Se houver ações esporádicas, espasmódicas, para esse controle, continuaremos assistindo ao desmatamento principalmente nas florestas e terras públicas na região. Portanto, é fundamental a estruturação de estratégias de longo prazo. Caso contrário, eu não vejo uma melhora, pelo contrário, vejo um agravamento da situação do fogo principalmente na próxima temporada de seca”, previu.

Mineração em terras indígenas
Além de uma atuação mais altiva de Brasília, a Amazônia e sua conservação também estão no centro de outra polêmica, e que pode ter sérios impactos. Bolsonaro quer permitir o avanço da mineração e do agronegócio em áreas indígenas, algo que classificou como um “sonho” que teria – a proposta ainda será analisada pelo Congresso.

Na opinião do analista ouvido pela Sputnik Brasil, a medida não pode ser implementada sem ouvir principalmente os indígenas, responsáveis pelo que o pesquisador chamou de menores taxas de desmatamento da região amazônica – áreas de conservação protegidas por lei e estruturas militares também contribuem, segundo ele, para o bem do meio ambiente.

O pesquisador do IPAM lembrou que as atividades previstas pelo governo para serem liberadas na Amazônia (mineração, agronegócio, a exploração de recursos hídricos para a geração de energia) tendem a trazer sérios problemas.

“Isso implica em uma infraestrutura de acesso que abre uma região, geralmente de maneira desordenada, cujo resultado dessa equação é o aumento do desmatamento e fogo florestal. Se isso não for feito de forma bastante ordenada, com uma decisão deixada a cargo dos indígenas de uma maneira em que eles possam tomar uma decisão soberana e bem formada, eu acho que nós iremos assistir ao desmatamento onde nós nunca tivemos antes que é nessas unidades protegidas da Amazônia”, alertou.

O especialista do IPAM ainda relembrou que a segurança alimentar do Brasil precisa ser considerada, sobretudo em tempos de aumentos crescentes do desmatamento na Amazônia.

“[Há] uma implicação como já vem sendo mostrada pela ciência para a produção do próprio agronegócio. Hoje, em grande parte do sistema de irrigação gigante que é a Floresta Amazônica, ele é conservado pelas populações indígenas. Isto tem um valor astronômico que temos que colocar na conta. Se há a possibilidade de expansão nas áreas já abertas do agronegócio e de expansão da sua produtividade, isto está intimamente ligado à proteção de recursos naturais pelos indígenas. É preciso que se entenda isso, explicou.”

“Nós não estamos falando de processos puramente de proteção do meio ambiente, ou de uma posição xiita como costuma-se colocar na relação com a Amazônia em termos de proteção, o que nós estamos falando é você não ter condições de produção para manter a produtividade nos próximos anos e nas próximas décadas, e pior, abrindo flancos de segurança alimentar que necessariamente está relacionada com segurança nacional. Então manter floresta em pé é bom para o agronegócio, é bom para o futuro do Brasil em termos de irrigação para fora da Amazônia, é certamente é a escolha de muitos indígenas, a grande maioria, de manter o seu modo de vida onde não há mineração, agronegócio ou qualquer outro tipo de atividade econômica mais contemporânea”, acrescentou.

A ampla necessidade de defesa da floresta, não para o benefício de nações estrangeiras como alardeado pelo governo Bolsonaro em mais de uma oportunidade, é o que faz Moutinho e o IPAM se manterem dispostos e abertos ao diálogo.

“Não adianta você adotar um posicionamento inflexível na questão ambiental porque isso não vai avançar para lugar nenhum. O que vale a pena é engajar em discussões construtivas e, principalmente, científicas que é o nosso DNA aqui no instituto, para que você possa com essa qualificação tomar decisões melhores. O que é fundamental e a sociedade brasileira precisa entender é que, sem informações qualificadas e técnicas, bem embasadas, sejam com experiências no chão, seja com uma ciência mais embasada na literatura e na academia, nós não vamos tomar decisões boas. A gente não pode na Amazônia tomar decisões no achismo, porque essa é a história da região”, concluiu.

Sputnik