Bolsonaro prioriza compromissos com lideranças evangélicas
Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
A presença de Jair Bolsonaro em um megaevento evangélico, como ocorreu ontem no Rio, não é exceção na agenda do presidente. Levantamento feito pelo GLOBO aponta que, em 2019, Bolsonaro teve 40 compromissos oficiais com lideranças evangélicas, uma média de três por mês — foram 23 encontros com pastores no Planalto e 17 eventos públicos, incluindo cinco cultos e duas marchas para Jesus. O presidente foi aplaudido ontem ao discursar na comemoração dos 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus, do missionário R.R. Soares, que encheu a Praia de Botafogo, no Rio.
A frequência de eventos evangélicos observada na agenda presidencial, quatro vezes maior que a de compromissos ligados à Igreja Católica, é acompanhada de uma série de sinalizações nas políticas públicas para a base religiosa, que o próprio Bolsonaro aponta como responsável por sua vitória em 2018.
Dos encontros no Planalto, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, participou de cinco deles. Já seu sucessor, José Barroso Tostes Neto, esteve em uma reunião, em novembro passado. A presença do titular da Receita está relacionada ao principal pleito dos líderes evangélicos: a cobrança do que eles consideram “penalidades desproporcionais” por parte do órgão. A bancada evangélica no Congresso já levou à Receita um pedido para que as cobranças de obrigações tributárias sobre as organizações religiosas sejam reavaliadas.
De acordo com a Constituição, as igrejas têm imunidade tributária. Assim como entidades filantrópicas, partidos políticos e sindicatos, elas estão desobrigadas de pagamentos de impostos sobre seus patrimônio, renda ou serviços. Representantes evangélicos alegam que, apesar das garantias constitucionais, muitas organizações religiosas têm sido tratadas e fiscalizadas como empresas privadas. Somente as 20 igrejas e associações evangélicas com maiores dívidas ativas junto à União somam débito de R$ 888,4 milhões, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Em maio do ano passado, num encontro com Cintra, então à frente da Receita, os parlamentares evangélicos apresentaram, em detalhes, cada uma das demandas. Em julho, o governo atendeu parcialmente alguns dos itens, entre os quais o que solicitava a flexibilização das normas para a prestação de contas de igrejas. Ficou estabelecido que organizações religiosas que arrecadem menos de R$ 4,8 milhões sejam dispensadas de apresentar Escrituração Contábil Digital (ECD), um sistema de envio de dados à Receita. Antes, esse teto era de R$ 1,2 milhão.
O relatório com as demandas, a que O GLOBO teve acesso, foi atualizado em novembro com o status da negociação. Apesar da decisão da Receita nesse tópico, os evangélicos não se sentiram totalmente contemplados. O documento repassado a integrantes da bancada do Congresso registra a conquista, mas destaca que “tal procedimento atende as organizações de pequeno porte, mas não abarca as de médio e grande porte”.
Diante desse cenário, os evangélicos continuam as negociações com o Fisco. Um dos principais itens em discussão é a anistia de multas tributárias. Essa demanda ainda não foi atendida. Embora parte da bancada não tenha desistido do pleito e diga, nos bastidores, que o presidente Jair Bolsonaro tem a oportunidade de mostrar que seu governo cumpre direitos constitucionais, a ala mais pragmática entende que o perdão dos débitos terá que ser feito por meio de projeto no Congresso. Nesse cenário, hoje, uma das principais pautas dos religiosos é a reforma tributária.
Em paralelo, os evangélicos têm conseguido fazer avançar sua agenda nos ministérios. Importantes líderes do segmento participaram, por exemplo, da elaboração da campanha sobre prevenção à gravidez na adolescência, lançada pelos ministros da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Apesar de a abstinência sexual não aparecer de forma expressa na campanha, os evangélicos ficaram satisfeitos.
A expectativa da bancada evangélica é que a partir de agora, com Onyx Lorenzoni no comando da pasta da Cidadania, a pauta de costumes ganhe ainda mais celeridade. Está sob o guarda-chuva do ministro, evangélico da igreja Sara Nossa Terra, o debate sobre o combate às drogas.
Na última quarta-feira, ainda sob o comando de Osmar Terra, o ministério patrocinou o lançamento do Fórum Permanente de Mobilização Contra as Drogas. A iniciativa, segundo seu manifesto, tem como objetivo “colaborar na construção de um país protegido das drogas” e foi gestada com a participação de líderes do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp).
A ação evangélica extrapolou as portas do Palácio de Planalto e chegou ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, com quem o grupo conseguiu um acordo para tirar da pauta a discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O debate, previsto para novembro, ainda não foi incluído na agenda do tribunal.
Ao discursar diante da multidão evangélica em Botafogo, Bolsonaro repetiu ontem que segue os valores religiosos e disse que, embora a Constituição afirme que o Estado é laico, “o presidente é cristão”.
— O Brasil está mudando. Mais do que pelos números da economia, mas porque respeita a família — disse Bolsonaro.