A overdose papal nas mídias e o declínio das religiões no Brasil
Nas últimas semanas, os meios de comunicação do Brasil devem ter produzido um dos maiores volumes do mundo em termos de cobertura da renúncia do líder de uma religião – e é disso que se trata o catolicismo, apenas uma religião – e da escolha de seu sucessor.
No último domingo, vários dias após aquela escolha, o noticiário internacional do jornal Folha de São Paulo, de 17 matérias que publicou, 9 delas foram referentes ao novo líder da Igreja Católica, o Papa “Francisco”.
Claro que boa parte dessa cobertura se deveu a denúncias contra ele feitas na Argentina, no sentido de ter sido cúmplice da ditadura militar que se abateu sobre o país nos anos 1970, mas, ainda assim, o volume do noticiário soou desproporcional.
Além disso, após a eclosão de uma onda de denúncias contra o jesuíta Jorge Bergoglio que começou minutos após o anúncio de seu nome como novo Papa – e que se tem a impressão de que não pôde ser evitada –, sobreveio um noticiário talhado para desmentir as acusações.
Mesmo as denúncias não justificam a overdose midiática papal. Antes de surgirem, houve coberturas intermináveis de cada rito do Vaticano no processo sucessório, com riqueza quase obsessiva de detalhes e em um tom literalmente religioso onde só cabia o tom jornalístico.
A maior franquia da fé do Ocidente teve (na maior parte do tempo) a seu favor uma cobertura das mais generosas que já se viu nas mídias impressas ou eletrônicas. E, supostamente, “de graça”.
É coisa que não se vê em relação a nenhuma outra religião, ao menos no Brasil. Os evangélicos, a segunda religião no país, costumam receber uma cobertura equidistante da mídia, quando não são criminalizados.
Não que certos líderes evangélicos não deem motivos de sobra para, no mínimo, serem criminalizados pelo noticiário. O que não se entende é por que os motivos que os líderes católicos dão para serem igualmente criminalizados são tratados de forma tão diferente.
Ou melhor: entende-se, sim.
Para entender, basta ver o que vem acontecendo com todas as religiões no Brasil. E, para tanto, nada melhor do que os censos do IBGE. Abaixo, portanto, reproduzo gráfico gentilmente enviado pela leitora Marcia Moreira.
Como se vê, enquanto o catolicismo perdeu 27,42% de seus fieis em 30 anos (entre 1980 e 2010), as outras religiões cresceram 198,9%. Todavia, mesmo com o crescimento de outras religiões, isso não compensou o contingente de brasileiros com religião, pois o que cresceu acima de todo o resto foi o contingente de pessoas sem religião, que aumentou 321,05% no período, tendo passado de 1,8% da população para expressivos 8%.
Ao lado do crescimento dos evangélicos, muito provavelmente alavancado pela midiatização da fé, com a aquisição de horários imensos nas televisões e rádios por essas igrejas, é digno de nota o contingente de brasileiros que declaram não seguir nenhuma religião.
Mas antes que se pense em atribuir a queda da religiosidade do brasileiro ao avanço da educação, um dado curioso apurado no Censo 2010: os espíritas formam o grupo que tem maior proporção de pessoas com nível superior completo, chegando a 31,5%, e as menores porcentagens de indivíduos sem instrução – apenas 1,8%.
Os católicos, os sem religião e os evangélicos pentecostais são os grupos com as maiores proporções de pessoas de 15 anos ou mais de idade sem instrução. Ainda assim, o contingente espírita é diminuto. E foi o que menos cresceu em 30 anos – apenas 53,85%.
Quanto ao desastre do catolicismo no Brasil, talvez se possa estabelecer uma relação com a perda de espaço político da direita ao longo das últimas décadas.
E não só no Brasil. Apesar de membros da Igreja Católica terem resistido às ditaduras sul-americanas, como instituição ela foi sustentáculo dos regimes ditatoriais que se espalharam pela região.
Não é por outra razão que o catolicismo é a religião preferida das elites latino-americanas, por sua confiabilidade garantida pelo Vaticano. Os últimos dois Papas tiveram uma intensa atuação política contra a esquerda. João Paulo II foi considerado vital para a derrocada da União Soviética.
Já os líderes evangélicos, esses não servem a elites latino-americanas que tentam por todos os meios impedir o processo irrefreável de redistribuição de renda que vai se espalhando pela América latina. São muito independentes e, ao contrário da Igreja Católica, têm uma relação muito mais direta com os fiéis.
Sobre o expressivo afastamento dos brasileiros das religiões, isso não significa que tenham perdido a fé. Este blogueiro, particularmente, integra esse contingente que mantém a fé em Deus, porém sem querer intermediários.
A percepção de que as religiões todas servem muito mais a interesses políticos e econômicos do que ao propósito que anunciam vai se tornando clara para a sociedade de uma forma que ultrapassa as fronteiras regionais e sociais.
Esse processo de declínio da religiosidade provavelmente é o que mais deverá avançar nos próximos anos.
Com o acesso crescente a novas mídias e, assim, a opiniões outrora sufocadas, as pessoas talvez comecem a entender que Deus não está em templos e que não fala ou negocia por meio desses homens que se autoproclamam intermediários entre nós e Ele.