Há que envergonhar defensores e agentes da ditadura militar
Em mais dois anos, completar-se-ão trinta anos desde o fim formal da ditadura militar (1964-1985). Já são quase três décadas de impunidade e até de deboche dessas pessoas que cometeram os mais hediondos crimes de lesa-humanidade.
Todavia, os que praticaram atos desumanos contra pessoas que apenas defendiam o país de um golpe ilegal e imoral contra a democracia não são os únicos responsáveis por aquele período trágico de nossa história.
Os que apoiaram e apoiam o que se fez neste país naquele período, mesmo sem participar diretamente dos crimes, também são criminosos.
Muitos se perguntam por que fazer uma Comissão da Verdade sobre o que de fato se passou naquele período se uma lei maldita, imoral e cínica como a Lei da Anistia impede que os psicopatas que torturaram, estupraram e assassinaram sejam presos.
A razão é muito simples: o espírito que rege a Comissão da Verdade pretende educar a sociedade para que não seja enganada sobre aquele momento vergonhoso da história deste país.
Afinal, há uma horda de degenerados – alguns travestidos de pessoas respeitáveis, pais de família, avós etc. – que, sob um discurso nojento e mentiroso, tenta vender às novas gerações que teria havido algum ideal nobre na “revolução de 64”.
A mentira sobre a ditadura é tão descarada e tão aceita em certos meios sociais que até um ministro do Supremo Tribunal Federal deu uma declaração estarrecedora.
Segundo esse ministro, “Foi melhor não esperar” que eclodisse um regime comunista no Brasil e dar logo aquele golpe “preventivo”. Assim, para esse indivíduo a ditadura teria sido “Um mal necessário”.
Veja, abaixo, a declaração que o ministro do STF Marco Aurélio Mello deu ao jornalista Kennedy Alencar.
Essa é a versão que encanta alguns setores da sociedade e que pretende justificar que um governo legitimamente eleito fosse deposto – jogando fora, assim, a vontade da maioria dos brasileiros – e que fossem praticados os horrores que logo virão à tona através da Comissão da Verdade.
É muito grave que um membro da cúpula do Poder Judiciário dê uma declaração a favor da ruptura da lei como foi o golpe de 1964, que, como todo golpe, foi dado por quem não tinha voto para vencer a eleição seguinte e, assim, optou por tomar o poder à força.
Mello entoa o mesmíssimo discurso do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, quem, na última sexta-feira (10 de abril de 2013), esbofeteou a Comissão Nacional da Verdade com seu cinismo, com suas mentiras e com sua arrogância.
Todos conhecemos alguém que diz as mesmas coisas. Aqui mesmo, neste blog, nos comentários de leitores colocados em posts que tratam da ditadura, vemos essa farsa sendo repetida.
Além da farsa sobre as “razões” dos golpistas de 1964, há outra imensa farsa que precisa ser desmascarada, a de que haveria um número equivalente ao de vítimas do regime militar, as supostas vítimas de “terroristas”.
Os que apoiaram e apoiam o estupro da democracia naqueles ditos “anos de chumbo” referem-se a pessoas que teriam sofrido nas mãos da resistência à ditadura o mesmo que ela praticou contra presos políticos que queriam libertar o país.
Essa mentira pode ser facilmente desmascarada.
Há centenas de pessoas que denunciam os crimes praticados pela ditadura. Há pouco, faleceu um homem que foi torturado quando era um bebê de colo e que carregou as sequelas daquilo até a morte. Mas onde estão as “vítimas” dos “terroristas” de esquerda?
Não há. Ninguém nunca viu uma manifestação dessas vítimas simplesmente porque quando a resistência à ditadura matou alguém foi sempre em combate. Nunca apareceu um agente da ditadura ou mesmo um civil que tivesse sido torturado ou morto após ser dominado.
A grande mídia, cúmplice da ditadura – o golpe de 1964 foi tramado na redação do jornal O Estado de São Paulo –, tenta ajudar a desinformar a sociedade ao dar o mesmo peso ao discurso das vítimas da ditadura e ao discurso dos agentes dela.
Isso ocorre porque veículos como O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, entre outros, poderão ser denunciados pelos crimes que cometeram entre 1964 e 1985 – a Folha chegou a emprestar veículos para o regime transportar presos políticos.
Aí a razão para a grande mídia tratar com equidistância “os dois lados”, como se tivesse ocorrido uma guerra civil no país quando o que de fato ocorreu foi uma ditadura que esmagou não só quem resistiu à bala, mas quem ousava pensar diferente.
Os que gostam de criticar o governo hoje e não sabem o que ocorreu durante a ditadura precisam saber que se criticassem publicamente o então presidente Emílio Garrastazu Médici (que governou entre 1969 e 1974), por exemplo, no dia seguinte teriam a polícia política do regime batendo-lhes à porta.
Essas pessoas não entendem que entre 1964 e 1985 não se podia criticar o governo ou ter uma opinião diferente da do governo, pois quem divergisse publicamente era preso, torturado e até assassinado.
Isso aconteceu com Vladimir Herzog em 1975, quando era diretor do departamento de telejornalismo da TV Cultura.
O jornalismo da emissora fazia críticas ao governo e, assim, Herzog foi preso, torturado e assassinado no mesmo lugar em que Brilhante Ustra comandou tantas sevícias, estupros e assassinatos contra quem cometera o crime de pensar diferente.
Detalhe: Herzog jamais pegou em armas. Seu “crime” foi dizer coisas que a ditadura não gostou.
Assim, grande parte dos que, apesar de não terem cometido crimes durante a ditadura, atuam a serviço dela até hoje desinformando as pessoas, sabem que estão mentindo. Outros (poucos), fazem isso por desinformação.
A Comissão da Verdade, portanto, tem como objetivo principal barrar o discurso dos defensores da ditadura – tanto dos mal-intencionados como dos desinformados.
Aliás, há um critério para diferenciar os defensores da ditadura que mentem daqueles que apenas não sabem o que dizem: a idade – qualquer um que tenha mais de cinquenta anos e que desminta os crimes da ditadura, é um mentiroso.
O que se espera da Comissão da Verdade e do governo Dilma Rousseff, portanto, é que no ano que vem provem ao país, usando grandes meios de comunicação, que o regime militar foi implantado e sustentado por criminosos.
Se tudo o que está sendo apurado for devidamente difundido, o efeito benfazejo será o de calar gente como o ministro do STF supracitado ou pessoas que põem comentários mentirosos na internet ou os fazem em seus meios sociais.
Envergonhar os defensores da ditadura perante suas famílias, filhos, netos, amigos, colegas de trabalho etc. será imprescindível para que este país nunca mais sofra um golpe igual.
Além disso, a exposição adequada da desumanidade dos crimes da ditadura deixará qualquer pessoa decente literalmente perplexa e, assim, poderá permitir que a Lei da Anistia seja revista e os criminosos sobreviventes paguem por seus crimes.