Bolsonaro promete insistir na nomeação de Ramagem
Foto: Pablo Jacob/ Agência O GLOBO
O presidente JairBolsonaro defendeu nesta quarta-feira a independência entre os Poderes, horas após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), barrar a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal (PF). Bolsonaro também indiciou que irá insistir na nomeação, mesmo após a Advocacia-Geral da União (AGU) ter anunciado que não irá recorrer da decisão de Moraes, e afirmou que ele é quem manda no governo.
— Quem manda sou eu — disse no Palácio da Alvorada, após cerimônia de posse de André Mendonça no Ministério da Justiça e de José Levi Mello na AGU. O presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Gilmar Mendes estavam presentes no evento.
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Na cerimônia, Bolsonaro leu o artigo da Constituição que diz que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário são “independentes e harmônicos entre si”, dando ênfase na palavra “independentes”, repetida duas vezes por eles.
— Não posso admitir que ninguém ouse desrespeitar ou tentar desbordar a nossa Constituição. Esse é o meu papel, esse é o papel não só dos demais Poderes, bem como de qualquer cidadão desse Brasil: harmonia, independência e respeito entre si.
Depois, disse que respeita as decisões do Judiciário, mas afirmou respeitar mais a Constituição:
— Respeito o Poder Judiciário, respeito as suas decisões, mas nós, com toda a certeza, antes de tudo, respeitamos a Constituição.
Bolsonaro classificou Ramagem como “homem honrado”, ressaltando que ele coordenou sua equipe de segurança entre a eleição de Bolsonaro e sua posse na Presidência.
— O senhor Ramagem, que tomaria posse hoje, foi impedido por uma decisão monocrática de um ministro do Supremo Tribunal Federal. É uma pessoa que eu conheci no primeiro dia após o fim do 2º turno, que foi escolhido pela Polícia Federal do governo anterior como homem de elite, um homem honrado, um homem com vasto conhecimento, um homem à altura de representar e de ser o chefe da segurança do chefe da Presidência da República.
O presidente disse que “brevemente” irá concretizar o “sonho” de ver Ramagem na direção da PF:
— E eu gostaria de honrá-lo no dia de hoje dando-lhe posse como diretor-geral da Polícia Federal. Eu tenho certeza que esse sonho meu, mais dele, brevemente se concretizará, para o bem da nossa Polícia Federal e do nosso Brasil.
Bolsonaro afirmou ter certeza de que Mendonça irá desempenhar “mutíssimo bem” seu papel no novo ministério. Disse que ele poderá formar sua equipe, mas ressaltou que cabe ao presidente indicar o diretor-geral da PF. O ex-ministro Sergio Moro pediu demissão justamente acusando Bolsonaro de interferir na corporação.
— Tenho certeza, assim como os demais, formará a sua equipe de acordo com o seu entendimento e levando-se em conta os méritos de cada um de seus integrantes. Uma das posições importante, que quem nomeia sou eu, é o do diretor-geral da Polícia Federal. A nossa Polícia Federal não persegue ninguém, a não ser bandidos.
O presidente se disse honrado com a presença de Toffoli e elogiou principalmente Gilmar, dizendo que ele “não se furtou de seu voto em prol do Brasil”:
— Prezado Dias Toffoli, também me me sinto muito honrado com a sua presença. Senhor Gilmar Mendes, integrante do nosso Supremo Tribunal Federal, é uma satisfação tê-lo aqui. Um homem que por vezes que o Executivo precisou não se furtou de dar seu voto em prol do Brasil. Muito obrigado ao senhor.
Mais cedo, o ministro do STF Alexandre de Moares determinou a suspensão imediata da nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. A decisão levou o governo a publicar uma edição extra do Diário Oficial da União (DOU), anulando a nomeação para a PF e, por consequência, a exoneração de Ramagem do cargo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Enquanto o novo diretor não é nomeado, a Polícia Federal segue sob o comando interino da equipe do ex-diretor-geral Maurício Valeixo, demitido pelo presidente.
Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro após a demissão do ministro da Justiça Sergio Moro, Ramagem é amigo dos filhos do presidente e foi coordenador da segurança de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018.
Em nota divulgada à tarde, a Advocacia-Geral da União afirmou que o governo não vai recorrer ao STF para anular a decisão do ministro Alexandre de Moraes. Apesar disso, Bolsonaro disse que o governo deve apresentar recurso para tentar reverter a decisão.
Segundo fontes do Supremo, Moraes avisou a interlocutores do governo que não pretendia levar o assunto para debate do plenário da corte a curto prazo, o que inviabilizaria a possibilidade de sucesso de um recurso.
Moraes determinou a suspensão da nomeação atendendo a um pedido do PDT. Em sua decisão, o ministro ressalta que o presidencialismo garante amplos poderes para o presidente, mas exige o cumprimento de princípios constitucionais e da legalidade dos atos. Ponderou que o Poder Judiciário não pode interferir “subjetivamente” na administração pública, mas permite impedir que o Executivo “molde a administração pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos”.
Em entrevistas nos últimos dias, Bolsonaro chegou a admitir que tinha relação de confiança com Ramagem, que antes de ser indicado para comandar a PF era diretor da Agência Brasileira de Inteligência.
Ao pedir demissão, o ex-ministro Sergio Moro afirmou que o presidente estava tentando fazer interferências políticas na PF, frear inquéritos contra seus aliados e obter informações de inteligência do órgão, atitudes que Moro considerou inadmissíveis.
O ministro também transcreveu trechos das declarações de Moro sobre a pressão de Bolsonaro para trocar a direção da PF. “Mas o grande problema é que não são tanto essa questão de quem colocar, mas sim porque trocar e permitir que seja feita a interferência política na PF. O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência, seja diretor-geral, superintendente e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas”, afirmou Moro ao anunciar seu pedido de demissão.
Bolsonaro, por sua vez, declarou: “Sempre falei para ele: ‘Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação'”. Esse pedido foi considerado indevido pelo ministro Alexandre de Moraes.
Em sua decisão, Moraes frisa que não é papel da Polícia Federal atuar como “órgão de inteligência da Presidência da República” e cita que a abertura de inquérito pelo ministro Celso de Mello para apurar as acusações de Sergio Moro demonstram que há indícios da prática de crimes no episódio.
No domingo, a Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ADPF) chegou a enviar carta aberta ao presidente alertando para clima de “instabilidade” e “crise de confiança” dentro da PF por causa das acusações e da possibilidade de indicação de um diretor-geral atendendo a critérios pessoais do presidente. O clima na corporação ainda é de desconfiança em relação a Ramagem.