Médicos adotam escolha de quem vive e morre

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Foto: A. Bâeta/Prefeitura de São Luís

Associações médicas produziram um protocolo ético e técnico e o encaminharam para ajudar os profissionais de saúde sobre os critérios para internação de pacientes com covid-19 em leitos de UTI (Unidades de Terapia Intesiva) —e aliviar a pressão sobre eles.

O aumento acelerado no número de casos da covid-19 já faz com que cidades pelo país tenham fila de espera por leitos de UTI em hospitais. Estados como Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco já têm pacientes que precisam aguardar uma vaga e se internar.

Para auxiliar os médicos, a Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) e a Abramede (Associação Brasileira de Medicina de Emergência) lançaram o “Protocolo de alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia por covid-19”, com uma tabela de critérios que devem ser observados na tomada de decisão. Elas devem se nortear, basicamente, por três critérios: gravidade, maior grau de sobrevida e capacidade do paciente.

Na primeira versão do documento, lançada no fim de abril, em vez de capacidade funcional, era levado em conta a idade do paciente. Entretanto, uma revisão feita retirou o critério e resultou num relançamento do documento.

“Compreendeu-se que este critério poderia ser discriminatório (e, portanto, inconstitucional) e que sua presença poderia comprometer a base de solidariedade que é característica da atenção em saúde”
Protocolo da Amib e da Abramede sobre ocupação de leitos de UTI

O UOL teve acesso ao documento, que traz uma série de citações de estudos, do Código de Ética Médica e da Constituição e cita que as escolhas “não devem impor desvantagens de maneira desproporcional a nenhum grupo social”.

“É uma verdadeira escolha de sofia para decidir quem vai ou não”
Médico chefe de UTI.

O documento diz que deve predominar um consenso de que “o princípio mais sólido é o de priorização de pacientes com melhores chances de benefício e com maiores expectativas de sobrevida”.

“A recomendação é de que avaliações baseadas na subjetividade do julgamento clínico individual sejam evitadas, porque são mais sujeitas a vieses e ao uso inconsistente”, completa.

OS CRITÉRIOS
1) Salvar mais vidas

Como é feito? Usando o escore Sofa (Sequential Organ Failure Assessment), que avalia uma série de parâmetros de dados vitais. Quanto maior essa pontuação, menor a chance de sobreviver (vai de 1 a 4 pontos).

2) Salvar mais anos de vida

Como é feito? Avaliando a presença de comorbidade grave com probabilidade de sobrevida inferior a um ano (caso isso ocorra, soma-se 3 pontos à conta).

3- Capacidade do paciente

Como é feito? Por meio da escala de performance funcional Ecog (Eastern Cooperative Oncologic Group). Nesse caso, o paciente é avaliado em uma escala que vai de “completamente ativo” até “completamente incapaz de realizar auto-cuidados básico” (vai de 0 a 4 pontos).

Em caso de empate de pontos, diz o protocolo proposto, deve ser usada a seguinte ordem de escolha:

Menor pontuação do Sofa
Julgamento clínico da equipe de triagem
Mais detalhes
Segundo o protocolo, para fazer a triagem, o médico deve “manter medidas de estabilização clínica” dentro de um período de 90 minutos e manter uma “revisão regular dos critérios de triagem de cada paciente, incluindo a atualização das pontuações já que elas podem variar com a evolução do quadro”.

Já os pacientes que foram preteridos de um leito de UTI não devem ficar desassistidos.

“A não alocação de recursos escassos não pressupõe a não continuidade da assistência em saúde nas suas outras dimensões incluindo cuidados de final de vida se a morte for inevitável”, diz o texto.

Um dos pontos ressaltados é que deve haver uma boa comunicação a pacientes e familiares da existência do protocolo e da prioridade alocada e sempre que possível “incluir seus valores e desejos.”

Um dos estados que tem enfrentado fila de espera de leito de UTI é Pernambuco. Há uma fila de espera há pelo menos 10 dias, mas os dados não são informados pelo estado. No dia 29/4, o estado tinha 186 pacientes esperando um leito de terapia intensiva.

O médico Giovandro Targino chefe de plantão do Pronto Socorro Cardiológico da UPE (Universitário de Pernambuco), relata que o grande número de doentes graves pela covid-19 causou uma busca que ele nunca viu por serviços de UTI.

É fato que sou apenas o último na problemática que começa muito antes de o doente chegar ao hospital, essa escolha é feita pelo médico, mas não imposta pelo médico, embora seja nele que recai a responsabilidade. A carga emocional é gigantesca”

“Temos feito algumas discussões com o Cremepe [Conselho Regional de Medicina de Pernambuco] e outros especialistas, que estão se empenhando em fazer recomendações para o momento, mas já existem alguns protocolos de situação desastre. Como gestor sei que é fato que, eventualmente, pode-se enfrentar dilemas bioéticos, e é importante que tenha se discutido previamente”, diz o secretário estadual de Saúde, André Longo.

Uol