Bic: Bolsonaro beneficia desmatador, armamentista e evangélicos

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Foto: BRUNO KELLY / REUTERS

A agenda conservadora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua se movendo em meio à pandemia do coronavírus, que já deixou milhares de mortos no Brasil. Ofuscadas pela grave crise sanitária, política e econômica que envolveu o país, uma série de escândalos do Governo nas áreas ambiental, de educação e segurança pública, entre outras, ocorreu nestes quase 70 dias desde que a covid-19 chegou ao país. O Planalto conseguiu colocar em movimento políticas que são claros acenos para suas principais bases eleitorais: igrejas evangélicas, ruralistas, madeireiras, mineradoras, desmatadores e armamentistas. Tudo feito em detrimento dos direitos indígenas e ambientais, da educação e da redução da violência.

A área ambiental foi uma das que mais sofreu durante a pandemia. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu sinais claros de que não irá tolerar repressão aos garimpos de ouro (atualmente ilegais) em terras indígenas. Exonerou, em 13 de abril, dois servidores de carreira do Ibama: Renê Luiz de Oliveira, que ocupava o cargo de coordenador-geral de fiscalização ambiental, e Hugo Ferreira Netto Loss, que coordenava operações de fiscalização. Os dois apareceram em uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, que mostrava o combate aos garimpeiros, inclusive com a destruição de seus equipamentos, prevista por lei —e criticada por Bolsonaro. O presidente encampou em 5 de fevereiro um projeto que autoriza a extração de ouro nas terras indígenas. A medida, considerada por ele como uma “lei áurea” para os povos nativos, é vista como uma tragédia pelos ambientalistas, e ainda precisa ser aprovada no Congresso.

Salles também acenou aos desmatadores. No final de abril o ministro recomendou aos órgãos sob sua batuta que desconsiderassem a Lei da Mata Atântica, uma legislação que determina a recuperação de áreas desmatadas de maneira irregular antes de 2008. Posteriormente, ele enviou ao presidente uma nova versão da lei, com o objetivo, segundo ele, de “afastar a instabilidade técnica e jurídica” da questão. No texto de sua lavra é permitido o desmate de áreas menores de 150 hectares sem autorização do Ibama, dentre outros retrocessos. O Ministério Público Federal reagiu, e pediu que o Ibama “desconsidere um ato administrativo do Ministério do Meio Ambiente e mantenha interdições, autos de infração e outras sanções aplicadas por ocupação ilegal e degradação da Mata Atlântica no Estado de São Paulo”.

Pior fim, após a crise política e ambiental provocada pelas queimadas na Amazônia Legal no final de 2019 —e sua péssima repercussão internacional—, Bolsonaro autorizou, em decreto publicado em 7 de maio, o uso das Forças Armadas em operação de Garantia da Lei e da Ordem para combater as queimadas e desmatamento na região. A notícia poderia ser um alento para ambientalistas, porém o decreto deixa uma brecha para que as equipes do Ibama se sujeitem às decisões das Forças Armadas, que terão o comando das ações de fato. Com isso, paira no ar a dúvida com relação à efetividade desta medida. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), houve um aumento no número de alertas para desmatamento na Amazônia no início de 2020 ante o mesmo período do ano passado.

O presidente Bolsonaro nunca escondeu seu desejo de armar a população com a finalidade de garantir o “direito à autodefesa”, ainda que 100% dos estudos sérios conduzidos sobre o tema apontam para o fato de que ter um revólver em casa é fator de risco para os moradores —principalmente para a mulher, e especialmente neste período de quarentena. Em 17 de abril, o mandatário revogou portarias do Comando Logístico do Exército adotadas em março com a finalidade de tornar mais rígido o rastreio e a marcação de munições e armas. Nas redes sociais, Bolsonaro anunciou que a medida foi tomada porque as portarias “não se adequaram às minhas diretrizes definidas em decretos”. Na prática, existe agora menos controle sobre o que é produzido e comercializado no setor, o que pode inclusive dificultar a elucidação de crimes. Em outra manobra para agradar seus eleitores armamentistas, em 23 de abril o presidente publicou uma portaria que amplia em 12 vezes a quantidade de munições que as pessoas podem comprar: de 50 para 600 por ano. Dependendo do tipo de arma, o limite foi para 6.000 munições.

O Ministério Público Federal determinou no final de abril que o Comando Logístico do Exército preste explicações sobre a revogação das portarias. “Essas providências, imprescindíveis para a fiscalização do uso de armas de fogo e para a investigação de ilícitos com o emprego de armas de fogo, eram reclamadas por especialistas em segurança pública e também pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão”, diz o pedido do MPF. Alguns procuradores acreditam que Bolsonaro pode ser investigado por ter usurpado a competência do Exército ao derrubar as portarias.

Já a educação sofreu seu mais recente retrocesso em 30 de abril, com a exclusão de cursos de ciências humanas do edital de 25.000 bolsas de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq, deixando de fora milhares de estudantes de filosofia, economia, ciências sociais, geografia entre outros. De acordo com o órgão, a nova diretriz busca priorizar áreas do conhecimento mais voltadas para tecnologia, um antigo desenho do presidente e de seus ministros da Educação e Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que sempre defenderam pesquisas mais “práticas” e com retorno e aplicação imediatos. A repercussão da medida fez com que o Governo recuasse parcialmente, e permitisse bolsas para ciências humanas desde que “para o desenvolvimento das áreas de tecnologias”. De quebra Bolsonaro demitiu em 17 de abril João Luiz Filgueiras de Azevedo, que comandava o CNPq e lutava contra o esvaziamento da entidade e pleiteava mais verbas.

Em nota conjunta, mais de 70 entidades ligadas ao ensino e à pesquisa —dentre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências— criticaram a decisão do Governo, alegando que ela fará com que “esses jovens sejam levados a desistir de certos temas de pesquisa porque eles não estão vinculados diretamente às áreas de tecnologias prioritárias ainda no início da carreira”.

O presidente Bolsonaro tem se escorado cada vez mais no apoio evangélico, seja no Congresso ou nas urnas. O mais recente aceno do mandatário às igrejas ocorreu em abril, quando, segundo o jornal O Estado de São Paulo, ele acionou a Receita Federal para que o fisco estude demandas feitas por lideranças evangélicas, que querem deixar de pagar dívidas com a União. O secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, chegou a participar de reunião com deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus. Segundo balanço feito no final do ano passado, apenas a congregação de Soares deve 127 milhões de reais, e o total da dívida das igrejas chega a 1 bilhão de reais.

El País