Brasil não sabe quantos testes da covid19 fez
Foto: Edilson Dantas
Com 13.993 mortes e 202.918 casos confirmados de covid-19 até esta quinta-feira, o Brasil segue uma curva ascendente de transmissão do novo coronavírus sem ainda ter conseguido resolver o gargalo de testagem que enfrenta desde o início da epidemia. Embora tenha anunciado esforços para ampliar o número de testes disponíveis, o país só conseguiu distribuir até agora menos da metade (8,1 milhões) dos 17 milhões de exames que planeja entregar até o final de maio. E não sabe, sequer, qual o total de testes já realizados até hoje na população, já que não conseguiu, até agora, somar aos dados que compila (só com laboratórios públicos) os exames realizados na rede privada —apenas os resultados positivos feitos nos locais particulares entram no boletim diário divulgado pelo Ministério da Saúde. A experiência internacional mostra que países que testaram mais têm apresentado mais êxito no combate ao coronavírus, já que a informação ajuda a subsidiar o planejamento de estratégias a serem adotadas contra a doença, inclusive, para determinar quando é possível flexibilizar as medidas de isolamento social.
Desde o começo da epidemia e especialmente depois de detectar oficialmente o primeiro caso de coronavírus no país, há 78 dias, o Governo anuncia esforços para ampliar sua capacidade de testagem. Mas com escassez de insumos e a demora para processar os exames, segue olhando para uma fotografia do passado enquanto a epidemia avança por seu território. O Governo anunciou há semanas que faria uma espécie de inquérito para tentar estabelecer qual a fatia da população brasileira já contraiu o vírus. Com o auxílio de técnicos do IBGE, testaria a população por amostragem. Os exames deste estudo ―que terá três fases até o de junho― só começaram a ser aplicados de fato nesta quinta-feira (14). Nesta primeira fase, 33.250 pessoas serão testadas em 133 cidades. É o início de um trabalho que tenta medir o tamanho da epidemia em um país diverso e de proporções continentais.
Na semana passada, o Ministério da Saúde anunciou ainda um novo programa de testagem, em que casos leves passariam a ser testados nas chamadas unidades de saúde sentinelas, aquelas escolhidas para monitorar a evolução da doença por amostragem. Também afirmou que ampliaria nos laboratórios públicos a capacidade de testes moleculares (feitos quando a pessoa está doente e mais confiáveis que os testes rápidos, que precisam ser feitos mais tarde, quando a pessoa já possui anticorpos). E estimou que, em breve, zeraria a fila reprimida de exames. Atualmente, o país tem cerca de 150.000 amostras à espera de um resultado. Até hoje, foram feitos 350.000 diagnósticos nos laboratórios públicos, segundo o Ministério da Saúde.
Mas, até o momento, apenas um sexto dos testes moleculares ―realizados em laboratórios― que foram distribuídos para os Estados foi, de fato, utilizado. Ao todo, foram coletados 500.000 exames deste tipo, de um total de três milhões entregues pelo Governo Federal. Os outros 5 milhões já distribuídos pela pasta são testes rápidos, que não precisam ser processados em laboratórios. Fora das chamadas unidades sentinelas, apenas pacientes em estado grave seguem sendo testados com os exames moleculares. Eduardo Macário, secretário substituto da secretaria de Vigilância em Saúde do ministério, afirma que houve ampliação da capacidade dos laboratórios nas últimas semanas, mas ponderou que a testagem envolve uma cadeia que vai desde a disponibilidade dos kits de coleta até ter profissionais capacitados para manipular corretamente o material e transportá-lo. Os Estados vinham enfrentando dificuldade até mesmo para conseguir comprar o swab ―um equipamento de aparência semelhante a um cotonete, mas com características especiais, que coleta a secreção dos pacientes.
O Ministério da Saúde, segundo Macário, vem atuando para prover esses insumos. Ele também reforçou a dificuldade em garantir recursos humanos para transporte e recebimento das amostras respiratórias nos laboratórios diante da grande demanda de testes a serem realizados. “A manipulação desse material é feita manualmente. Um profissional de saúde o coloca no meio de transporte pra que chegue no laboratório de forma adequada. O laboratório tem que ter uma pessoa especializada pra receber. Esse processo leva tempo, é um trabalho bastante intensivo feito pelos laboratórios centrais. O volume que tem chegado é grande, mas a resposta varia de Estado pra Estado”, explica.
O ministro da Saúde Nelson Teich anunciou, há algumas semanas, que o país chegaria a um total de 46 milhões de testes para enfrentar a pandemia. Um cronograma divulgado pelo Ministério da Saúde nesta quinta-feira (14) prevê que a distribuição de todos eles ocorra até o final do ano, ainda que especialistas projetem que o pico da pandemia acontecerá até a metade deste ano. A quantidade que de fato chegará aos Estados mês a mês ainda depende da capacidade de entrega dos fornecedores num cenário de escassez global desses insumos. Até agora, somente 17,7% do montante de testes prometidos foram de fato entregues. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil está na segunda de um total de cinco fases para a distribuição dos exames. Para cumprir a meta prevista para até o fim de maio, terá que dobrar os 8 milhões de testes já enviados aos Estados. O país desenvolveu parcerias público-privadas com laboratórios para conseguir chegar a 17 milhões de testes nas próximas duas semanas.
“Estamos finalizando processos burocráticos para o início efetivo da testagem”, afirma Macário. O gestor do Ministério da Saúde defende que o enfrentamento da pandemia não se resume à testagem, mas exige um amplo trabalho de vigilância para controlar a disseminação da doença. “Não é simplesmente testar, mas precisa executar as ações de vigilância, com a identificação de quem teve contato para fazer o isolamento seletivo”, explica. Este é um desafio que seguirá para os próximos meses. Também nesta quinta, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou no Congresso que “a saída do distanciamento social dependerá de uma série de fatores, como a massificação dos testes”. A declaração foi feita durante uma audiência pública virtual para avaliar os impactos do coronavírus sobre a economia brasileira.
O Ministério da Saúde admite que o Brasil está numa curva crescente de disseminação do coronavírus e que ainda não é possível vislumbrar quando o país deverá apresentar uma estabilização ou desaceleração do contágio. A infecção cresce, em média, 7,3% diariamente no país. Segundo Macário, quatro Estados estão em maior alerta por apresentarem uma velocidade de transmissão da doença bem maior que a média nacional: Paraíba, Maranhão, Pará e Amazonas. Os critérios para este alerta são distintos dos que vinham sendo divulgados pela pasta anteriormente, que levava em conta o número total de casos de coronavírus.
Enquanto a epidemia avança, o país também enfrenta problemas com o adoecimento dos profissionais que atuam na linha de frente. O Brasil conta 31.798 trabalhadores da Saúde com covid-19 e outros 199.768 profissionais com suspeita de terem contraído a doença. Mais da metade deles (57,2%) tem seus testes ainda em investigação. Os dados, divulgados pelo Ministério da Saúde, incluem informações de todo o país, exceto Paraná e Espírito Santo. Esses dois Estados têm plataformas próprias que ainda estão sendo integradas ao sistema do Ministério da Saúde.