Mortes no Rio cresceram 8 vezes em 30 dias
Foto: RICARDO MORAES
A dona de casa Elisabete P., 63, não faz parte da estatística das 3.237 mortes por coronavírus no estado do Rio. Apesar disso, a morte da moradora da Região dos Lagos tem todos os rastros da doença, dos sintomas compatíveis à covid-19 ao caixão fechado para evitar o contágio.
Se Elisabete não entrou na estatística, o que está nos números oficiais mostra um quadro de aceleração dramática da covid-19 no Rio: as mortes foram multiplicadas praticamente por oito em um período de um mês. Saltaram de 422 óbitos, em 20 de abril, para os 3.237 ontem (20). Há ainda um total de 30 mil casos confirmados, seis vezes o número de um mês atrás.
Era ainda final de março quando a dona de casa sentiu um resfriado forte e foi a um hospital em Araruama, no interior do Rio. Fez exames de raio-x e lhe recomendaram quarentena em casa. Após cinco dias, o mal-estar piorou e ela teve de se deslocar para um hospital na capital, o Getúlio Vargas, a 120 km de casa. Lá, ficou três dias, foi intubada e não resistiu, falecendo em 5 de abril.
A família se assustou com a evolução da doença até o falecimento. “Disseram que eu não poderia ver o corpo. O prontuário estava dentro de um saco plástico lacrado e grampeado”, contou a publicitária Deise Motta, 54, prima da vítima. A certidão de óbito foi registrada como “suspeita de covid”.
Em meados de abril, o Rio registrava em média 33 mortes por dia. Atualmente, essa média está em 166 óbitos por dia. O estado é o quinto com maior mortalidade por 100 mil pessoas no Brasil, com 18,7 óbitos, atrás apenas do Amazonas, Ceará, Pará e Pernambuco. Tem ainda letalidade acima de 10%, o que indica poucos testes para Covid realizados.
“A falta de teste dificulta a identificação de casos. Mas o óbito não vai mentir para a gente. O óbito é um dado mais confiável. É um indicador bem menos subnotificado. Se olhar os EUA, sobe muito a letalidade e depois baixa quando eles fazem muito testes. Taxa de letalidade muito alta mostra falta de testagem”
Diego Ricardo Xavier, epidemiologista da Fiocruz que trabalha nos gráficos de monitoramento da covid por estados
Não é por acaso o salto de mortes no Rio. O Rio tem uma série de condições que aumentam a disseminação e a letalidade da doença, conforme apontam especialistas.
Há um esgotamento de leitos para casos graves, falta de tratamento correto nos sintomas preliminares da covid, populações densamente concentradas em áreas pobres e uma baixa testagem que não permite dimensionar o real tamanho da epidemia no estado. Para piorar, a gestão da saúde atravessa uma crise por escândalos.
Confira a seguir os principais motivos da curva ascendente de contaminação e mortes no estado:
O infectologista Edmilson Migowiski, da UFRJ, diz que há um problema na comunicação do governo e na reação inicial à covid no Rio e no restante do Brasil. A orientação do governo é que as pessoas só procurem o hospital em caso de agravamento do quadro de clínico.
“Só vai para o hospital se tiver com doença grave. Tanto que 5% dos óbitos correm em casa no Rio. Outros 20% a 25% morrem na UPA. Não dá nem tempo de ir para o hospital. Não é uma educação do Rio”, disse.
O infectologista defende uma abordagem precoce e terapêutica feita por médicos, inclusive com remédios na fase inicial.
O Rio de Janeiro tem 86% dos seus leitos de UTIs para covid ocupados, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado do Rio. Até 18 de maio, eram 335 pessoas com suspeita da doença aguardando transferências para unidades de terapia intensiva.
Na capital, só há vagas para tratamento em UTI de covid nos hospitais de campanha do Maracanã, Lagoa-Barra e Parque dos Atletas. Esses hospitais são a aposta do governo do Rio que diz já ter entregue 1.159 leitos novos.
De resto, há rotação de acordo com óbitos ou cura de pacientes. Há ainda vagas no Zilda Arns, em Volta Redonda.
O estado teve troca de secretário de Saúde e equipe em meio à epidemia por conta de escândalos nas compras de equipamentos para tratamento do coronavírus. Há suspeita de superfaturamento e benefícios a alguns empresários nas montagens dessas estruturas.
Uma operação da Polícia Federal prendeu empresários supostamente envolvidos com organizações sociais que montaram os hospitais, segundo as investigações.
Com isso, há atrasos nos prazos previstos para disponibilizar leitos para população. Ao mesmo tempo, há denúncias de estruturas precárias para enfermeiros no Hospital do Maracanã, onde um vídeo revelou profissionais de enfermagem dormindo no chão.
Um dos pontos que facilita a disseminação do coronavírus no Rio são as favelas e outras comunidades pobres com grande concentração de pessoas em moradias pequenas, o que dificulta a prevenção do contágio.
“A transmissão em grandes comunidades onde tem dificuldade de prevenção é um fato. Ambientes pouco arejados, casas muito perto das outras. Comportamento nessas comunidades onde se usa pouca máscara, ficam batendo papo no bar”, explicou Migowiski.
O epidemiologista da Fiocruz Diego Ricardo Xavier ainda lembrou que o coronavírus chegou com mais força às comunidades mais pobres em fases posteriores da epidemia. Lembrou que, no início, a doença se concentrava em classes mais altas.
E explicou que a distribuição da geografia da cidade, com áreas mais pobres e ricas próximas pode ter influenciado na disseminação da doença.
O Rio só teve 30 mil testes de RT-PCR (mais precisos) realizados para coronavírus até a última segunda-feira (18), segundo a Secretaria de Saúde do Estado. Esse número deve ter subido para 32 mil no dia seguinte, já que a capacidade de processar diagnóstico era de 1.800 por dia.
Para se ter ideia, o Rio tem 30 mil casos de coronavírus confirmados. Ou seja, isso significaria que mais de 90% dos testes teriam sido positivos. Não é o caso, visto que há também exames realizados na rede privada —médicos que tratam de doentes para covid-19 têm que notificar o estado sobre esses casos.
De qualquer forma, a comparação entre o número de testes e casos confirmados mostra que o estado não faz exames em massa. Ou seja, não sabe a real dimensão da doença no Estado.