Suicídio em massa na periferia de SP
Foto: Lalo de Almeida/Folhapress
Uma multidão se espreme em frente a um açougue em uma área periférica da zona sul, ao lado da faixa que oferece carne moída a R$ 7,98 ao quilo. A cena se repete na porta de mercados, lotéricas, bancos e até lojas de bijuterias e acessórios para celulares daquela região.
Na área da cidade onde as mortes que envolvem o novo coronavírus (confirmadas ou suspeitas) mais crescem, as filas nas portas dos comércios, alguns deles burlando a quarentena, ainda atraem um novo tipo de comércio, o dos ambulantes que vendem máscaras de pano.
Embora bairros da zona norte e leste liderem em número de casos, os maiores aumentos percentuais têm se dado no lado sul da capital paulista, conforme mostrou o jornal Agora, do grupo Folha. Em Parelheiros, as mortes por coronavírus subiram 142% na primeira quinzena de maio, passando de 24 para 58, o maior crescimento do período.
Os casos já chegaram até em bairros de clima interiorano, como Colônia, uma povoação afastada que surgiu com imigrantes alemães no século 19.
Do primeiro andar de seu sobrado onde vive e funciona um salão de cabeleireiro de sua família, José Antônio Magalhães de Castro, 53, conta que faz isolamento com mais três membros da família: a mulher, a filha e o genro.
A filha e o genro testaram positivo para a doença, enquanto ele e a mulher apresentaram sintomas. Agora, tudo que precisam é entregue na porta de casa por um amigo da família.
“Minha esposa fechou o salão em fevereiro. Sempre tomamos cuidado, e mesmo assim pegamos. O negócio é sério, tem que se resguardar”, diz.
A maioria não pensa da mesma maneira. A articuladora Cíntia Martins, 30, tem atuado em um projeto conscientização da população do bairro pela ONG Ibeac (Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário), que distribui um kit com máscaras de pano, álcool em spray e um livro infantil.
Ela diz que as ruas vivem lotadas, inclusive com jovens colocando som para dançar nas ruas nos finais de semana e feriados –que agora o poder público usa para tentar estimular isolamento social. Como há proibição de entrar em comércio sem máscara, muitos usam o equipamento de segurança apenas para este fim, retirando após sair dos estabelecimentos.
“As pessoas são bem leigas em relação ao problema. Agora, que estão vendo os rostos das pessoas infectadas, estão um pouco mais assustadas”, diz. “Mas as crianças acham que estão de férias”.
A dona de casa Isabel Beraldo de Moura, 34, tem dificuldade para manter os cinco filhos em casa. Ainda mais agora, que está acontecendo um festival de pipa no bairro.
“Tem gente que, mesmo vendo tanta gente morrendo, não está levando a sério. Mas eu não saio sem a minha máscara”, diz.
A situação dos bairros periféricos é um desafio para a prefeitura, que pretende instalar áreas para quarentena voluntária nos CEUs (Centros Educacionais Unificados). Uma das tentativas de diminuir circulação nas ruas foi a criação de bloqueios em corredores importantes dos bairros, mas a medida não surtiu efeito.
Enquanto isso, como a Folha mostrou, o cemitério São Luiz, que atende à região, cava milhares de covas à espera dos mortos pelo novo coronavírus.
No bairro vizinho, Vargem Grande, onde muita gente se conhece, muitos mantéêm em sigilo quando estão infectados. Ali, já há três mortes pelo vírus, segundo agentes de saúde no bairro. Um deles era um motorista de ônibus de 31 anos.
Motoristas que fazem a linha que liga o bairro a Santo Amaro temem ter destino semelhante. “Ainda mais que estão colocando carros menores. O ônibus já sai do ponto lotado”, disse um dos profissionais à Folha.
A reportagem foi até a casa do rapaz que morreu da doença, mas a família não aparece ali há uma semana, segundo vizinhos.
“Fiquei sabendo que ele teve pneumonia, aí complicou. Essa doença está matando muito aqui”, diz José de Jesus, 72, dono de um pequeno armazém do lado da casa do rapaz. O estabelecimento estava aberto, como muitos no bairro, mas Jesus diz que foi até ali “só pegar um dinheiro”.
A reportagem encontrou todo tipo de comércio aberto em Vargem Grande. No centro de Parelheiros, a situação é pior por causa das filas.
Os comércios —essenciais ou não— têm limitado a entrada e, por isso, a fila se forma do lado de fora. Já salões de cabeleireiros e bares funcionam como sempre, com a clientela da porta para dentro.
A cozinheira Lindalva Alves Barbosa, 51, diz que só sai de casa para pagar as conta. Para isso, era uma das dezenas de pessoas que se enfileiravam na calçada para esperar a sua vez em uma lotérica no centro de Parelheiros.
“Aqui é o único lugar que tem para pagar as contas. Os bancos também estão lotados”, diz ela, uma das poucas que guardava, espaço entre a pessoa da frente e de trás na fila. “Se pudesse, eu nem saía de casa. Mas a maioria das pessoas não respeita a quarentena.”