Obama entra na luta para livrar EUA de Trump
Foto: Bing Guan/Reuters
Durante os oito anos em que esteve na Casa Branca, Barack Obama costumava almoçar uma vez por semana com Joe Biden.
Confidenciou ao vice que admirava a postura discreta dos ex-presidentes dos EUA, que historicamente evitam fazer críticas públicas a sucessores em início de mandato.
O republicano George W. Bush, dizia Obama, deu espaço a seu governo nos três primeiros anos e só se tornou opositor de fato quando o democrata lançou sua campanha à reeleição.
Biden sabia que o primeiro negro a ocupar a Presidência americana não deixaria de seguir a tradição.
Desde o início do ano, Obama traça uma estratégia cuidadosa para entrar na corrida à Casa Branca como principal cabo eleitoral democrata sem deixar fraturas no partido.
Ciente de que somente uma sigla unida terá chances contra Donald Trump, anunciou seu apoio a Biden apenas em 14 de abril, seis dias depois de o progressista Bernie Sanders ter desistido da disputa, deixando o ex-vice-presidente sem adversário rumo à nomeação.
Diante do cenário incerto escancarado por uma pandemia que já matou mais de 95 mil pessoas nos EUA, Obama se apresenta a um desafio duplo: unir democratas em torno de Biden e tentar atrair eleitores que votaram nele em 2008 e 2012, mas, em 2016, cansados da política tradicional, preferiram Trump.
Entre os já convertidos, Obama vai atuar para que negros, jovens e latinos democratas compareçam às urnas em favor de Biden nas eleições gerais.
O ex-vice-presidente tem o apoio do primeiro grupo, que ressuscitou sua desacreditada candidatura em uma vitória esmagadora nas primárias da Carolina do Sul, mas ainda não conquistou jovens e latinos, que estavam com Sanders e resistem em apoiar um nome moderado.
Ter o apoio dos negros nas prévias, porém, não é suficiente. Como o voto não é obrigatório nos EUA, é preciso motivá-los a votar no dia da eleição geral.
Em 2016, Hillary Clinton venceu Sanders nas primárias com apoio dos negros, mas o baixo comparecimento deles na votação contra Trump foi determinante para a derrota da democrata.
Em comparação com 2012, quando Obama os levou em número recorde às urnas, a participação dos negros em 2016 caiu 4,7% em todo o país.
Em estados considerados chave para a disputa, como Michigan e Wisconsin, a queda foi ainda mais acentuada e chegou a 12%. Essas são justamente regiões em que Trump venceu por margem apertada, sobre o eleitorado que havia votado em Obama antes de escolher o republicano.
Favorito para novembro até o início da pandemia, Trump tem perdido popularidade diante de sua condução da crise, considerada lenta e pouco eficaz.
Enquanto isso, Biden passou a liderar as pesquisas nacionais e também nesses estados.
Obama entra em cena para tentar ampliar a vantagem e mostrar aos ex-apoiadores —e a republicanos mais tradicionais, que não gostam de Trump— que a normalidade que existia nos EUA durante o seu governo pode voltar sob Biden.
A mensagem de que é preciso restabelecer uma gestão séria, sem escândalos pessoais e com respeito às instituições será atrelada à retórica habitualmente assertiva do ex-presidente, reinaugurada com calibragem eleitoral na semana passada.
“A pandemia acabou com a ideia de que os políticos no comando sabem o que estão fazendo”, disse Obama em cerimônia virtual de formatura de estudantes universitários. “Muitos deles não estão nem mesmo fingindo que estão no comando.”
Sem citar o nome do atual presidente em quase dez minutos de discurso, Obama inflamou a campanha que estava soterrada pelo coronavírus desde março.
Com a máquina do governo e entrevistas coletivas até há pouco quase diárias na Casa Branca, Trump tem se preocupado com o avanço de Biden nas pesquisas e avalia que um nome moderado no campo democrata pode atrair o voto de independentes e dos republicanos que estão hoje desapontados com seu governo.
Além dos ataques a Biden, que tem aparecido pouco durante a pandemia devido às restrições aos eventos eleitorais, o presidente virou sua mira a Obama.
Trump inaugurou o que chama de “Obamagate”, uma suposta conspiração que o antecessor teria orquestrado contra ele. Como o presidente ainda não explicou concretamente o que seria o escândalo, analistas afirmam que essa é somente uma nova versão da tática diversionista que o republicano utiliza quando as notícias não são positivas para ele.
Obama tem dito a auxiliares que seu projeto único é vencer Trump e avisou que vai se dedicar a eventos de arrecadação, mesmo que online, e que quer viajar o país ao lado do ex-vice caso as regras de distanciamento social permitam isso no segundo semestre.
A relação de confiança entre os dois é um dos principais fios condutores da narrativa da campanha democrata.
Na época de Casa Branca, Obama chamava Biden para participar da maior parte das reuniões importantes. Depois que os outros convidados saíam, os dois conversavam a sós na tentativa de chegar a uma decisão.
Biden vai relembrar o histórico e apostar na popularidade do ex-chefe. A primeira pesquisa do Instituto Gallup que mediu a popularidade de Obama após o fim de seu governo é de 2018 e mostrou que 63% dos americanos o aprovavam.
Em 2019, um compilado do YouGov mostrou que 55% tinham opinião positiva sobre o ex-presidente —número maior do que os cerca de 45% que Biden tem hoje na média nacional das pesquisas e também acima dos quase 43% de aprovação de Trump.
Motivar os convertidos parece a tarefa mais fácil com Obama, mas o teste final de Biden é reconquistar eleitores que migraram do democrata para Trump, de maioria branca, nicho em que a aprovação do ex-presidente caiu 16% entre 2009 e 2017.