SP ignora aumento de mortes e abre economia

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Foto: Governo do Estado de São Paulo

Eduardo Lazzari é doutorando em ciência política pela USP, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (Cem), da Rede de Políticas Públicas & Sociedade e Visiting Scholar em Harvard University.

Hellen Guicheney – é doutora em ciência política pela USP, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (Cem), do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.

Carolina Requena é doutora em ciência política pela USP, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.

Sérgio Simoni Jr. é doutor em ciência política pela USP, professor no curso de Ciência Política e Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e pesquisador da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.

Colaboradora:

Renata Bichir é doutora em ciência política, professora no curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH/USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo), pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.

Primeiro estado com registro da Covid-19 no país, São Paulo rapidamente adotou o distanciamento social ampliado, modalidade menos restritiva e eleitoralmente custosa que o lockdown. Apesar de precoce, a medida apresentou rigidez inferior ao observado em países como Argentina, Espanha e Itália[i].

O debate sobre a necessidade de adoção do lockdown em SP ganhou força a partir da queda da adesão ao distanciamento em abril. No mês seguinte, o próprio coordenador do comitê de contingência estadual afirmou a insuficiência da modalidade adotada[ii], mas o governador seguiu afastando a possibilidade de maior restrição, além de demandar corresponsabilidade da população[iii]. A adesão social, contudo, não pode ser considerada um processo que dependa unicamente de iniciativa individual, mas deve ser analisada como resposta a políticas adotadas pelo governo em diferentes níveis.

Os problemas de implementação da renda básica emergencial – principal política federal de proteção à renda durante a pandemia – são ilustrativos das dificuldades de obtenção de condições mínimas para se permanecer em casa[iv]. O distanciamento também se viu refreado pela postura do presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), em reiteradas declarações desqualificando a gravidade da doença, além de inúmeras aparições em manifestações de rua a seu favor. Políticas locais, como a ampliação do rodízio na capital e o adiantamento de feriados, foram implementadas para desestimular a circulação, mas nem sempre com os resultados pretendidos.

Plano de reabertura versus indicadores de combate ao Covid-19

Ao final de maio, mesmo com adesão ao distanciamento em queda e curva de casos e mortes ainda em ascensão, o governador João Dória (PSDB) estipula o fim da quarentena e o início de um plano de reabertura econômica, o Plano São Paulo, prevendo um desconfinamento gradual e controlado a partir do início de junho[v].

O grau de abertura é determinado para cada um dos 17 departamentos regionais de saúde (DRSs), além da própria capital, segundo dois grupos de critérios: capacidade do sistema de saúde (taxa de ocupação e n. de leitos UTI-Covid) e estágio da evolução da pandemia (n. de casos, internações e óbitos). De acordo com os resultados alcançados, uma região pode ser classificada numa escala de cinco pontos, sendo a Fase 1 a mais restritiva e 5, a menos.

Contudo, se considerada a orientação de abertura feita pela OMS aos países e autoridades subnacionais[vi], vê-se que duas de suas recomendações são desconsideradas pelo plano paulista: que a transmissão da Covid-19 esteja controlada; e que o sistema de saúde em questão esteja apto a detectar e testar os casos existentes.

Considerando o primeiro ponto, da transmissão, assusta o fato de que o próprio governo tenha divulgado, quando do lançamento do plano, uma projeção crescente do número de casos para junho, tal como reproduzido na figura 1.

Projeção do governo paulista para o número de casos em junho

Como se pode ver no gráfico, em 03 de junho o próprio governo projetou que o número de infectados subiria de 118.295 para algum valor entre 190 e 265 mil ao final do mesmo mês. Seja esta projeção mais ou menos acurada – notem, já em 18 de junho a cifra alcançada foi de 191.517 casos, além de 11.521 óbitos – o importante a notar é que ela difere inteiramente da recomendação da OMS e de inúmeros epidemiologistas: que haja uma trajetória decrescente da curva antes do processo de abertura.

Passando à observação da evolução da doença nas DRSs, mais especificamente, vê-se no gráfico 1 que estas apresentam, de modo geral, curvas ascendentes de novos casos/dia, ainda que com velocidades diferentes.

Novos casos diários por DRS

A preocupação com tais taxas ascendentes é justificada. O Boletim 11 da Rede de Políticas Públicas & Sociedade [vii], por exemplo, estimou que a manutenção de regras mais restritivas de isolamento social no estado, se tivesse sido mantida, levaria a um número de óbitos três vezes menor do que o de um cenário de relaxamento da quarentena até o dia 8 de julho.

A preocupação com o crescimento dos casos se torna evidente quando observamos que a taxa de ocupação média de respiradores no estado foi de 96,3% em maio. O mapa 1 mostra a distribuição desta informação entre as regiões de saúde.

% de Respiradores em uso por regiões de saúde

Agora, considerando a testagem, segundo ponto fundamental citado dentre as recomendações da OMS para reabertura, cabe notar o péssimo cenário apresentado pelo Brasil: segundo dados oficiais de ministérios de saúde de 93 países[viii], ocupamos a 83ª posição. E, embora o governo estadual afirme dispor de 2 milhões de testes rápidos e outros 2 milhões RT-PCR[ix], o fundamental a considerar é que o tema não se constitui como um critério para que uma DRS se desloque de uma fase de abertura para outra, menos restritiva. Ou seja, DRSs poderão ascender, sem testes (logo, com capacidade de gestão e planejamento da pandemia reduzida), de uma categoria mais restritiva para outra menos restritiva.

No âmbito federativo, o governo do estado se viu pressionado a promover ações de reabertura tanto por municípios, quanto pelo nível federal.

Vários prefeitos demandaram reabertura enquanto o estado prorrogava o isolamento. Alguns chegaram a editar decretos (depois barrados pelo Tribunal de Justiça) atenuando as restrições. O prefeito de Campinas exigiu mais “empatia” por parte do governador ante a população em dificuldade[x].

Apresentado o plano, lideranças de cidades litorâneas reclamaram do elevado grau de rigidez com que foram enquadradas. Integrantes da prefeitura da capital também não concordaram com as indicações de que toda a Grande São Paulo continuaria com nível máximo de isolamento. Modificações no Plano se seguiram: a capital foi alocada na Fase 2, enquanto os municípios adjacentes permaneceram na 1 (a despeito do fluxo diário de pessoas existente entre eles).

Pode-se interpretar o comportamento dos prefeitos tendo em vista as eleições municipais que se aproximam. Pressões de grupos econômicos locais criam custos políticos para prefeitos que defendem o confinamento, que podem ser acusados de “causar a crise econômica”, embora esta seja inevitável.

Na outra ponta, soma-se o comportamento do governo federal. Além do desincentivo ao distanciamento social, Bolsonaro esvaziou o Ministério da Saúde, inibindo seu papel de coordenação subnacional; postergou a ajuda financeira aos estados; e criticou governadores, em especial os postulantes à presidência em 2022.

Ainda assim, não é possível eximir o governo estadual de responsabilidade. O plano de reabertura está sendo implementado enquanto casos crescem, desconsiderando critérios da OMS e anteriores do próprio governo. Adotam-se divisões que parecem ceder a pressões políticas[xi], como a distinção de isolamento temporariamente instaurada entre RM e capital. Tal redirecionamento pode se revelar precipitado, resultando no agravamento da pandemia, sobrecarregamento da rede hospitalar, além de piora dos indicadores socioeconômicos.

Estadão