MP quer manter multa a mulher de Wassef
Foto: André Coelho / Agência O Globo
O subprocurador-geral do Ministério Público da União, Lucas Rocha Furtado, encaminhou no fim da tarde de quarta-feira uma representação ao presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, solicitando que o tribunal suspenda o termo aditivo celebrado entre a Dataprev e o consórcio MG2I que permitiu a suspensão da multa de R$ 27,1 milhões às empresas que ainda não entregaram o serviço contratado em 2014. Além disso, Furtado quer que o caso seja comunicado ao Ministério Público Federal para investigação dos crimes de tráfico de influência e advocacia administrativa. Entre os membros do consórcio MG2I está a Globalweb Outsourcing, que possui como fundadora e presidente do conselho de administração a empresária Cristina Boner Leo, ex-mulher de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro.
O GLOBO revelou na quarta-feira que a Dataprev tinha multado o consórcio em abril de 2018. No entanto, o governo Bolsonaro suspendeu em 15 de março do ano passado a multa de R$ 27 milhões. Contratada por R$ 17 milhões para estruturar um sistema de tecnologia para a Dataprev até 2015, com prazo prorrogado primeiramente para 2016, o consórcio MG2I não havia entregue o serviço até abril de 2018, ainda no governo Michel Temer, conforme relatado em documento da Divisão de Gestão e Fiscalização Administrativa de Contratos do Dataprev, assinado pela servidora Luciana Lopes Bon no dia 6 daquele mês.
Na representação ao presidente do TCU, o subprocurador-geral do MPU solicitou que o tribunal, de acordo com o regimento Interno do TCU, adote “medida cautelar determinando à Dataprev que suspenda os efeitos do termo aditivo” publicado no Diário Oficial da União em 15 de março de 2019 até que o tribunal “decida sobre o mérito da questão”. Para o subprocurador-geral, “estão evidentemente presentes” neste caso indícios de “grave lesão ao interesse público e no risco de ineficácia de tardia decisão de mérito”.
Furtado também pediu ao presidente do TCU que comunique os fatos ao Ministério Público Federal para investigação porque avalia que o caso pode “envolver a prática dos crimes de tráfico de influência (artigo 332 do Código Penal) e advocacia administrativa (artigo 321 do Código Penal), entre outros”.
O subprocurador-geral escreveu que as medidas são necessárias porque a decisão da Dataprev pode ter “sido realizada não com base em critérios técnicos, mas, sim, com base em incontestável rede de influências, com vistas a simplesmente atender a interesses da empresa Global Outsourcing”. Desse modo, a situação poderia caracterizar “o desvio de finalidade, com flagrante e grave violação aos princípios administrativos da impessoalidade e da moralidade, previstos expressamente no caput do artigo 37 da Constituição”.
Em abril, de 2018, a Dataprev fez um relatório do atraso na entrega dos serviços pela MG2I e informou ao consórcio que, “devido aos constantes descumprimentos contratuais retratados”, o órgão havia decidido “rescindir o contrato unilateralmente, assim como suspender o direito de licitar e de contratar de todas as empresas participantes deste consórcio”. Além disso, decidiu aplicar uma multa de R$ 27,1 milhões pelo atraso na entrega.
O valor foi calculado levando em conta o valor do contrato, o não cumprimento dos prazos e o fato de o consórcio ter recebido até então R$ 1,7 milhão sem entregar os serviços.
No dia 15 de março do ano passado, já no governo Bolsonaro, o Diário Oficial da União registrou que a Dataprev e o consórcio MG2I “acordam pela suspensão de comunicação de rescisão e da aplicação de sanções contratuais previstas na CE/DGFC nº 428/2018”, e que o contrato foi prorrogado até outubro deste ano.
Quando o governo Bolsonaro publicou o acordo, Frederick Wassef já era advogado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na investigação sobre a suspeita de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Alerj. Wassef viveu em união estável com Cristina Boner Leo desde 2011 e diz estar separado dela há dois anos. No dia da prisão do ex-assessor de Flávio Fabrício Queiroz, na casa do advogado em Atibaia (SP), Wassef estava na casa de Cristina, em Brasília. Além de ter Cristina na diretoria, a Globalweb possui Bruna Boner Leo, sua filha, como sócia.
O texto do setor de Fiscalização de Contratos da Dataprev justifica a multa e rescisão ao dizer que havia um “percentual de conclusão extremamente baixo, mesmo passados 19 meses do prazo”. O consórcio venceu o pregão em 2014 e tinha como prazo para a entrega dos serviços 21 de julho de 2015. Três aditivos foram feitos para que o serviço fosse concluído até setembro de 2016, o que não tinha ocorrido em abril de 2018, quando a Dataprev optou pela rescisão.
Procurada para explicar como conseguiu o acordo publicado em março de 2019, a Globalweb informou, por nota do CEO Pedro Rondon, que o consórcio negociou o acordo durante o ano de 2018 e apenas “o processo burocrático de validação jurídica e assinatura do aditivo se estendeu até fevereiro de 2019, com publicação no Diário Oficial em março de 2019”. Segundo ele, não houve “qualquer interferência política do governo Bolsonaro, dado que a decisão foi tomada exclusivamente com base nos planos de ação e implantação apresentados pelo consórcio”. O GLOBO solicitou os documentos da negociação, mas eles não foram fornecidos.
A Globalweb alega que os atrasos ocorreram porque, após a contratação e início das atividades, houve mudanças nas especificações do sistema. De acordo com a empresa, o pedido de rescisão unilateral foi uma surpresa e que, após o acordo, “uma nova solução que atende totalmente o edital foi apresentada”, com um novo prazo para conclusão.
Procurada, a Dataprev informou inicialmente em nota que “sob nova gestão, em 14 de março de 2019, a Diretoria Executiva da Dataprev, em razão do histórico de sucessivos atrasos na execução contratual, desde a sua assinatura, decidiu por, novamente, suspender a execução do contrato”. E acrescentou que, caso a análise do caso encontre irregularidades, a multa será aplicada.
Alertada de que a data mencionada era a véspera da publicação no D.O. que suspendia a multa e retomava o contrato, a Dataprev se retificou e afirmou então que a nova suspensão do contrato se deu no dia 30 de abril de 2019. O GLOBO não encontro registro público, no Diário Oficial, dessa nova suspensão. Além disso, o portal da transparência no site da Dataprev indica o contrato como “vigente”.
A Dataprev afirma ainda que todas as decisões da atual diretoria baseiam-se em análises e critérios técnicos.
Procurado, o advogado Frederick Wassef não retornou. (Colaborou Victor Fraga)