Bolsonaro usa regra vetada para prejudicar indígenas

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro vetou medidas para combater a pandemia de covid-19, entre elas a garantia de água potável para comunidades indígenas e a distribuição de máscaras para pessoas pobres, usando uma regra derrubada pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os vetos ainda serão analisados pelos deputados federais e senadores.

Com isso, parlamentares se articulam para recuperar projetos aprovados na Câmara e no Senado que foram barrados pelo Palácio do Planalto. O governo argumenta que os vetos estão amparados por uma regra que exige o demonstrativo de impacto financeiro e orçamentário para ações como essas, ou seja, é preciso saber o custo. Técnicos do Congresso, por outro lado, afirmam que a obrigação não se aplica para medidas relacionadas ao novo coronavírus.

Na quarta-feira, 8, Bolsonaro vetou medidas da lei de proteção a indígenas durante a pandemia, retirando, na prática, a obrigação de o poder público garantir acesso à água potável, distribuir materiais de higiene e ofertar leitos hospitalares e de UTI em territórios indígenas. O argumento usado para barrar as ações foi o fato de o Congresso ter aprovado a proposta criando despesas para o Executivo sem demonstrar o impacto financeiro e orçamentário.

O mesmo argumento foi adotado em outros vetos que impactam diretamente no combate ao novo coronavírus. Na semana passada, Bolsonaro impediu a obrigação de o poder público fornecer máscaras de proteção individual para populações vulneráveis. Usando a mesma justificativa, vetou o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 para empregados demitidos sem justa causa durante a pandemia que ficam sem acesso ao seguro-desemprego.

O novo coronavírus provocou a morte de 67.113 pessoas até o início da tarde desta quarta-feira, 8, de acordo com levantamento conjunto feito pelos veículos de comunicação Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL. O número de contaminados chegou a 1.683.738, um deles é o presidente Jair Bolsonaro, que testou positivo para covid-19 e informou o resultado na terça-feira, 7.

O argumento empregado por Bolsonaro é questionado por técnicos do Congresso. Isso porque há uma série de regras excepcionais que autorizam o aumento de despesa sem a necessidade de estimativa do impacto no orçamento, a indicação da fonte de recursos ou a compensação do gasto quando as medidas estão relacionadas à doença.

O Orçamento de Guerra, por exemplo, aprovado em maio, libera o governo federal para ampliar gastos com ações contra a covid-19 sem a preocupação de cumprir os limites orçamentários durante o estado de calamidade pública – solicitado pelo Executivo e decretado pelo Congresso. Com isso, o orçamento diretamente relacionado à pandemia foi separado das demais despesas do governo com regras específicas.

Além disso, o Legislativo aproveitou o projeto de socorro financeiro aos Estados em maio e alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal para afastar a exigência do demonstrativo financeiro e orçamentário quando a medida é relacionada à pandemia do novo coronavírus.

“Não é um argumento correto (do governo) se a despesa está relacionada à calamidade. A justificativa do veto parece um pouco incoerente”, afirmou o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto. Nos bastidores, outros técnicos do Congresso também apontaram que houve incoerência na justificativa dos vetos.

A ampliação de gastos na pandemia está amparada ainda no decreto de calamidade pública aprovado pelo Congresso em março deste ano a pedido do próprio governo. Outro amparo foi a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no mesmo mês, liberando o governo a descumprir regras da Lei de Responsabilidade Fiscal durante a crise da covid-19.

Nos vetos, o Planalto citou o artigo 113 da Emenda do Teto de Gastos, medida transitória presente na Constituição Federal. O dispositivo exige que o projeto de lei que crie ou altere despesa obrigatória seja acompanhado da estimativa do impacto orçamentário e financeiro. Na interpretação de técnicos do Congresso, porém, as medidas emergenciais este ano afastam essa exigência para ações voltadas à doença.

“A própria emenda do teto excepcionaliza o crédito extraordinário e os artigos das leis deixam claro que essas despesas vão ser excepcionais e por óbvio não haverá fonte orçamentária para isso. A fonte é dívida, o governo vai ter de fazer dívida para financiar essas despesas adicionais”, comentou Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Em resposta ao Estadão/Broadcast, a Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que o Orçamento de Guerra e as alterações da LRF afastaram os requisitos legais durante o período da pandemia e o cumprimento da regra de ouro, mas não deixaram o governo e o Congresso livres para aprovar uma lei sem demonstrar o impacto financeiro.

“Contudo, nenhuma dessas normas afastou a necessidade de cumprimento das regras do Novo Regime Fiscal previsto pela EC 95, tais como o respeito ao teto de gastos (art. 107 do ADCT) e necessidade de cálculo das despesas e renúncias tributárias (art. 113, do ADCT)”, respondeu a pasta. Além disso, o governo argumentou que a decisão do Supremo Tribunal Federal não afastou nenhum dispositivo do teto de gastos.

Estadão