Viúva de miliciano morto acusa Witzel

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Foto: Reprodução

Viúva de Adriano Magalhães da Nóbrega, Júlia Mello Lotufo disse a promotores que investigam a morte do ex-capitão do Bope que ele foi executado, e não morto após uma troca de tiros com policiais, conforme a versão divulgada pela Secretaria de Segurança da Bahia. Júlia prestou depoimento na segunda-feira 27 por meio de videoconferência. Em quase duas horas de conversa, contou que Adriano recebeu recados reiterados enquanto estava foragido de que, caso se entregasse às autoridades, seria assassinado. De início, ele não teria levado a sério essa possibilidade. Com o decorrer do tempo, ao apurar a informação com suas fontes em órgãos oficiais do Rio, teria se convencido de que sua execução estava de fato planejada.

Os promotores perguntaram a Júlia quem teria interesse na morte de Adriano, acusado pelo Ministério Público do Rio de chefiar um grupo de extermínio que atuava a serviço de uma milícia. Ela respondeu ter ouvido de Adriano que as ordens para matá-lo vinham de cima, da cúpula do governo fluminense. Os promotores insistiram para que fosse mais específica. Julia, então, falou que as ordens, conforme ouviu de seu marido, partiam do “governador”. Em 2 de fevereiro, uma semana antes da ação policial que resultou na morte de Adriano, Julia fez a VEJA, em entrevista gravada, o seguinte alerta: “Meu marido foi envolvido numa conspiração armada pelo governador do Rio, Wilson Witzel, que queria matar o Adriano como queima de arquivo”. Em resposta, Witzel rechaçou a acusação e disse que iria processá-la.

No fim daquele mesmo mês de fevereiro, reportagem de VEJA revelou que Adriano confidenciou à esposa ter repassado 2 milhões de reais em dinheiro vivo à campanha de Witzel, que na época tinha como principal cabo eleitoral o senador Flávio Bolsonaro. Quando era deputado estadual, o Zero Um, hoje senador da República, concedeu a mais alta honraria da Assembleia Legislativo do Rio (Alerj) a Adriano, quando este estava preso sob a acusação de homicídio, da qual foi inocentado posteriormente. Além disso, Flávio Bolsonaro empregou em seu gabinete na Alerj a mãe e uma ex-mulher de Adriano, ambas agora investigadas no caso da rachadinha. O ex-capitão do Bope também recebeu a solidariedade do então deputado federal Jair Bolsonaro, que, depois de empossado presidente, reforçou o elogiou e o definiu como “herói” da Polícia Militar.

A declaração de Júlia a VEJA sobre a possibilidade de queima de arquivo foi dada depois de uma ação da polícia tentar prender Adriano num condomínio na Costa do Sauípe, no litoral da Bahia. Ele conseguiu fugir. Durante a operação, policiais chegaram a apontar um fuzil para a filha do casal, hoje com 8 anos de idade, conforme Júlia relatou aos promotores. Após a fuga, Adriano foi resgatado, a cerca de 30 quilômetros de distância, pelo fazendeiro Leandro Abreu Guimarães. Foi Guimarães quem levou o ex-capitão do Bope para o sítio no município de Esplanada (BA), onde ele foi morto. Em depoimento, o fazendeiro declarou que só ajudou Adriano porque foi ameaçado. Aos promotores, Júlia rechaçou essa versão.

Ela disse que Adriano e Guimarães se conheceram no circuito de vaquejadas anos antes e desenvolveram uma relação de amizade. Segundo Júlia, o fazendeiro mentiu em seu depoimento porque foi torturado pelos policiais. Sua casa teria sido metralhada, e os funcionários de sua fazenda, amarrados. Júlia afirmou ter recebido esse relato de familiares do próprio Guimarães. Ela também garantiu que Adriano não levou armas para o sítio, o que inviabilizaria qualquer confronto. Lembrou que ele também estava desarmado na Costa do Sauípe, onde houve a primeira batida policial. Com anos de experiência no Bope, seu marido sabia que não teria qualquer chance de resistir a uma operação de captura da qual participaram cerca de 70 homens.

Júlia disse aos promotores que a arma que teria sido usada por Adriano no suposto confronto foi plantada no local. Contou ter convicção disso porque que esteve pessoalmente com ele um dia antes da morte e viu, com os próprios olhos, que ele continuava desarmado. Os promotores chegaram a perguntar para ela de uma foto do casal em que Adriano aparece com um fuzil. Júlia esclareceu que a fotografia foi tirada anos atrás, em Teresópolis, no Rio de Janeiro.

Numa tentativa de esclarecer as circunstâncias da morte, a Justiça determinou uma nova perícia no corpo de Adriano. A Polícia Civil do Rio de Janeiro realizou a tarefa, mas não dirimiu a principal dúvida sobre o caso, como mostrou uma reportagem publicada no site de VEJA em abril. O laudo pericial registrou que Adriano foi atingido por dois disparos, um de carabina e outro de fuzil. Um deles entrou pelo tórax à esquerda e percorreu trajeto de baixo para cima, provocando uma lesão também no pescoço. O outro foi dado de cima para baixo, entrou pela clavícula direita e saiu pelas costas.

Segundo um perito consultado por VEJA, que pediu para não ser identificado, o trajeto do segundo disparo, de cima para baixo, é um indício de execução. “O segundo disparo foi dado com ele caindo ou já caído. É o tiro de misericórdia.” Já os peritos da Polícia Civil do Rio foram cautelosos e empurraram o problema para frente: “Importante ressaltar que as direções descritas nos trajetos de projetis de arma de fogo no interior de um corpo não constituem informação suficiente para compreender as posições da vítima e do atirador no momento do disparo, devendo sempre, obrigatoriamente, haver a devida correlação com o laudo da perícia criminal no local do fato, buscando assim, elucidar com precisão a dinâmica do evento”.

Por decisão da Justiça, um perito contratado pela família de Adriano fará o tal “laudo da perícia criminal no local do fato”, considerado fundamental para se definir as posições dos policiais e de Adriano na hora em que este foi morto e, claro, se houve confronto ou execução. Aos promotores, Júlia lembrou que o corpo de seu marido tinha sinais claros de agressão. Entre eles, uma coronhada e pelos menos duas escoriações na cabeça. “Meu marido foi torturado e assassinado”, declarou na videoconferência.

Adriano Magalhães da Nóbrega ficou um ano foragido depois de ter sua prisão decretada no âmbito da Operação Intocáveis, que investiga milicianos no Rio. Após ser expulso da Polícia Militar, dedicou-se ao submundo do crime e, ao longo do tempo, colheu informações preciosas sobre as relações de contraventores e criminosos com as autoridades públicas e o esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. A investigação sobre sua morte pode trazer à tona parte de seus segredos.

Responsável pela apuração da morte do ex-capitão do Bope, o promotor Dario José Kist disse que a conclusão do caso ainda depende de uma série de medidas: “O Ministério Público ainda não recebeu o inquérito policial, ainda aguarda o laudo da reprodução simulada, entre outras diligências ainda necessárias”. Perguntado se o fazendeiro Leandro Guimarães e Júlia Lotufo serão chamados a prestar novos depoimentos, diante da divergência de versões entre eles, respondeu que essa informação está sob sigilo. O advogado Paulo Emílio Catta Preta, que representa a família de Adriano, disse que o caso corre sob sigilo e que, por isso, não se manifestaria.

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