Segunda Turma do STF preocupa lavajatistas
Foto: José Cruz / Agência Brasil
Com a licença médica do ministro Celso de Mello, a Segunda Turma ensaia voltar aos tempos em que era apelidada de “Jardim do Éden”, em referência a uma maioria de decisões favoráveis aos réus. O cenário ficou claro nesta semana com o placar de dois julgamentos. Em ambos, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram para beneficiar réus, enquanto Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram contra os investigados. Pela regra penal, diante do empate, adota-se a decisão mais favorável ao réu. Enquanto o decano não retornar da licença, esse cenário anima advogados com causas pendentes de julgamento na turma.
Em um dos casos julgados, foi anulada condenação imposta no caso Banestado por Sergio Moro, quando era juiz federal em Curitiba. Mendes e Lewandowski consideraram Moro como “parcial” na condução do processo. No outro caso, também com apenas dois votos, foi anulada uma delação premiada que acusava de fraude um grupo de auditores fiscais paranaenses. A decisão foi tomada a pedido de réus delatados, contrariando a orientação dada pelo plenário do Supremo em 2015 de que eventuais rescisões deveriam partir de questionamentos das partes signatárias do acordo (o Ministério Público ou os delatores).
As recentes decisões da Segunda Turma acendem a esperança de advogados que aguardam julgamento no colegiado. Entretanto, essa esperança não abarca processos da Lava-Jato de Curitiba. Como o relator é o ministro Edson Fachin, da ala que vem sendo derrotada, o mais provável é que ele não paute mais os processos durante a ausência de Celso de Mello.
A situação é diferente em relação aos processos da Lava-Jato do Rio, cujo relator é Gilmar Mendes. Adepto do garantismo, ele costuma decidir a favor de réus investigados também em outras operações. No último dia 8, por exemplo, Mendes libertou, em decisão monocrática, Alexandre Baldy, ex-secretário de João Doria, em São Paulo, suspeito de receber propina em troca da atuação em favor da Organização Social Pró-Saúde, de Goiânia.
Um advogado criminal com causas na Segunda Turma considera essa brecha importante em julgamentos de habeas corpus de réus, que podem ser libertados com o placar de dois a dois. Ele alerta, porém, que a situação envolve mais sorte do que oportunidade. Isso porque, para um processo ser pautado para julgamento, normalmente ele precisa estar tramitando há meses no tribunal. Portanto, não adianta entrar com a ação agora e esperar o benefício do empate. Até o caso ser julgado, o mais provável é que a formação da turma já esteja completa de novo.
O caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um capítulo à parte. A Segunda Turma vai julgar um recurso do petista que pede a anulação de condenações com base na suposta parcialidade de Moro para conduzir os processos. Fachin e Cármen Lúcia já votaram contra as pretensões de Lula. Mendes e Lewandowski ainda não votaram, mas deram a entender que condenam a postura de Moro.
O voto de Celso de Mello é uma incógnita. Sem ele no plenário temporariamente, se o caso for pautado, o mais provável é que Lula seja vitorioso. O processo está nas mãos de Mendes. No entanto, ele disse a interlocutores que tem a intenção de levar o caso para a Segunda Turma só em sessão presencial. E não quer pautar o processo com o colegiado incompleto. Como a previsão é de que o STF só volte a se reunir fisicamente em 2021, o julgamento deve ser empurrado para frente.
Até lá, uma estratégia é estudada entre os ministros chamados garantistas — que defendem o direito dos condenados responderem mais tempo em liberdade. Celso de Mello se aposenta em novembro, por completar 75 anos. Pela lógica, o substituto dele, o primeiro nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, iria para a Segunda Turma. A aposta é que o escolhido seja da linha punitivista. Por isso há ministros interessados na transferência de Dias Toffoli para a vaga que será aberta na Segunda Turma.
Toffoli deixa a presidência do STF em setembro e assumirá a vaga da Primeira Turma que será deixada pelo novo presidente, Luiz Fux. Depois, Toffoli poderia pedir a transferência para o colegiado vizinho. A interlocutores, ele disse não querer a vaga da Segunda Turma. Toffoli considera não haver justificativa para a dança das cadeiras. A ala garantista do tribunal, porém, se empenha em convencê-lo do contrário.
Um ministro garantista ouvido em caráter reservado explica que essa tática seria importante para evitar expor o novo ministro do Supremo às pressões da Lava-Jato, já que a Segunda Turma é a responsável pelos processos da operação. Na verdade, seria uma forma de garantir que os placares de causas penais fossem sempre 3 a 2, porque Toffoli também é um expoente do garantismo no Supremo.
Até 2018, quando Toffoli deixou a Segunda Turma, a realidade era essa. Na época, surgiu o apelido Jardim do Éden. Com Toffoli na Primeira Turma e o indicado de Bolsonaro na Segunda Turma, os dois colegiados seriam majoritariamente punitivistas — selando, assim, o fim do garantismo no tribunal.