Covas e Doria podem colher frutos amargos da volta às aulas
Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Apesar de o governador de SP estar cedendo na retomada das aulas na rede pública ainda neste ano, o prefeito Bruno Covas hesita devido à gigantesca rejeição da população paulistana em aglomerar seus filhos em ambientes fechados em plena pandemia
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Cinco meses após ter Covid-19, Zulmira Rosa de Sousa Silva, 43, ainda sofre as consequências. Engenheira de segurança do trabalho em um hospital privado de São Paulo, ela diz que sente dificuldades para se concentrar e para ler.
Seu filho, Jonas, 16, está no primeiro ano do ensino médio da rede estadual e ela já sabe: “Se tiver opção, não vou mandar de volta para a escola. Moramos com meus pais, que são idosos. Eu sei o que é esse vírus, não vou expô-los a isso”, afirma.
Assim como ela, três em cada quatro eleitores da capital paulista (75%) acham que as escolas deveriam permanecer fechadas nos próximos dois meses, de acordo com o Datafolha. Outros 24% afirmam que elas deveriam ser reabertas, e 1% não opinou. A margem de erro para essa pergunta é de 3 a 6 pontos percentuais, para mais e para menos.
A pesquisa foi realizada nos dias 21 e 22 de setembro. Foram entrevistados 1.092 eleitores com 16 anos ou mais na cidade de São Paulo.
De acordo com a renda familiar mensal há, contudo, diferenças na opinião quanto a reabrir ou não as escolas.
Entre as que ganham até dois salários mínimos (R$2.090), 77% afirmam que as escolas deveriam permanecer fechadas nos próximos dois meses. Entre os que têm renda mensal de mais de 10 salários mínimos (R$ 10.450) esse índice cai para 56%.
Entre os que têm em casa estudantes matriculados na rede privada e os que têm na rede pública, no entanto, o apoio à manutenção das escolas fechadas é semelhante.
Segundo a pesquisa, 75% dos eleitores na primeira situação apoiam que elas continuem sem aulas nos próximos dois meses. Esse índice é de 79% para os que têm em casa uma criança matriculada em creches da prefeitura, 80% na rede municipal e 77% na estadual.
Enquanto o governador João Doria (PSDB) definiu o cronograma de reabertura a partir de outubro —e já liberou parte das atividades escolares no estado desde 8 de setembro—, o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), que disputa a reeleição, adiou para novembro a decisão, mesmo mês da eleição municipal.
Covas vem sofrendo pressões de grupos opostos sobre a reabertura das escolas na cidade. Enquanto sindicatos de professores querem as aulas presenciais retomadas apenas em 2021. Donos de escolas pedem que a reabertura ocorra ainda neste ano.
O plano de Covas para o retorno das aulas presenciais terá como foco os alunos do 3º ano do ensino médio, atualmente em preparação para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que será aplicado em janeiro de 2021. Para tanto, esses estudantes podem ter aulas presenciais em dezembro e em janeiro.
Voltar às aulas presenciais com alunos mais velhos, avalia o poder municipal, seria mais seguro, uma vez que eles estariam aptos a seguir de forma mais rigorosa os protocolos de segurança sanitária, como uso de máscara e distanciamento social.
Esse plano é considerado também mais factível para o município de São Paulo, que tem cerca de 1.000 alunos no último ano do ensino médio. Nas escolas estaduais, por sua vez, são mais de 108 mil estudantes no terceiro ano.
Na sexta-feira (25), Covas anunciou que pretende realizar um censo sorológico em todos os professores e alunos da rede municipal de educação acima de 4 anos antes do retorno às aulas presenciais.
A primeira etapa do censo deve ser iniciada no próximo dia 1˚ de outubro, com 181 mil participantes. Ao todo, serão testadas 777 mil pessoas.
A pandemia do novo coronavírus já causou mais de 140 mil mortes e contaminou quase 4,7 milhões de pessoas no país. Neste mês, a cidade de São Paulo entrou pela primeira vez, desde março, no estágio desacelerado de novos casos, segundo o monitor da Folha de aceleração da Covid-19.
Segundo o Datafolha, as mulheres apoiam mais do que os homens manter as escolas fechadas nos próximos dois meses, 88% ante 62%. “Não faz sentido voltar no último bimestre. Não vejo como as escolas vão se preparar para receber os alunos”, diz Zulmira.
Além de não querer aumentar as chances de exposição do filho ao vírus, a engenheira tenta evitar que seus pais também tenham essa chance de contaminação aumentada. “Esse tempo todo o meu filho só saiu de casa uma vez, para cortar o cabelo e ainda tomei todas as precauções”, afirma.
Zulmira não sabe se mudaria de opinião caso seu filho fosse pequeno e não tivesse com quem deixá-lo quando sai para trabalhar, mas, em sua situação, ela não vê forma segura de Jonas retornar às aulas presenciais. “Meu problema é ter que deixar meu filho com quem estou preocupada [com a saúde]”, diz.
O medo dessa mãe é refletido em uma das respostas à pesquisa. Quando indagada sobre se a volta às aulas presenciais agravaria a pandemia, a maior parte dos eleitores (55%) diz que sim, muito. Para 19% , a reabertura agravaria pouco a pandemia, 24% dizem que a situação não pioraria e 2% não opinaram.
Mais uma vez, as mulheres superam os homens entre os que acham que a volta às aulas presenciais agravaria a pandemia, 60% ante 48%, e entre os que são contra a reabertura das escolas (71%).
O trabalho da Prefeitura de São Paulo com os alunos da rede municipal é avaliado mais positivamente do que negativamente pelos eleitores ouvidos. Entre os que têm em casa estudantes matriculados na rede municipal, 30% dizem que esse trabalho é bom ou ótimo, 44% avaliam como regular, 22% como ruim ou péssimo e 4% não opinaram.
Entre os eleitores que declaram voto em Celso Russomanno (Republicanos), 73% dizem as escolas devem ficar fechadas nos próximos dois anos. Entre os que pretendem votar em Bruno Covas (PSDB), 79% afirmam o mesmo. Esse índice chega a 89% entre os eleitores de Guilherme Boulos (PSOL) e cai para 69% entre os que pretendem votar em Márcio França (PSB).
Assim como na capital, prefeitos de outras cidades do estado têm recorrido a pesquisas de opinião para fazer os cálculos políticos e decidir quando devem reabrir as escolas. O resultado é que muitos deles postergaram a decisão.
Para Zulmira, a discussão sobre a volta às aulas presenciais agora ou no ano que vem é prematura e seguro mesmo, diz ela, seria a retomada apenas depois da chegada da vacina contra o novo coronavírus, mesmo que isso signifique a perda de um ano para seu filho e outros alunos.
“A Covid-19 veio para forçar a gente a usar a tecnologia que já estava disponível. Passou da hora de discutir esse sistema de educação, com um professor, uma lousa e os alunos sentados em uma sala de aula”, afirma.
Enquanto a decisão sobre o retorno das aulas presenciais foi adiada para novembro pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) e bares e restaurantes, por exemplo, funcionam até as 22h, desde o início de agosto, o sentimento de segurança para realizar essas atividades é ainda baixo na cidade de São Paulo.
A pesquisa Datafolha apresentou aos eleitores entrevistados cinco atividades para serem feitas fora de casa durante a pandemia do novo coronavírus e mediu suas reações. Apenas ir para o trabalho foi considerado seguro pelas pessoas ouvidas.
Para 20% essa atividade é muito segura; 46% se sentem pouco seguros ao ir para o trabalho; e 31% se dizem nada seguros.
As outras atividades apresentadas para os entrevistados foram: ir ao shopping, escola ou faculdade, frequentar bares e restaurantes e ir ao cinema.
Essa última atividade —apesar de já terem sido definidas as regras para a reabertura das salas de exibição—ainda não tem data para que volte a ser uma opção na capital paulista. A expectativa do setor é que isso possa ocorrer no início de outubro, se os casos na cidade continuarem a cair.
Fora ir para o trabalho, nenhuma dessas outras quatro atividades teve resultado positivo quanto ao sentimento de segurança entre os eleitores ouvidos.
Parcelas importantes dos entrevistados pelo Datafolha se declararam nada seguros, com significativo aumento dessa sensação entre as mulheres.
Para ir ao shopping, 50% se disseram nada seguros, índice que sobe para 52%se o destino for a escola ou a faculdade, atingindo os patamares de 59% se o local for um bar ou restaurante e 63% se for o cinema.
Entre as mulheres, esses índices sobem para 56% (ir ao shopping), 60% (ir a escola ou faculdade), 70% (ir a bares ou restaurantes) e 70% (ir ao cinema).
O sentimento de segurança se mostrou maior entre os mais escolarizados e com renda maior.
Exceção da exceção é a gerente de posto de combustíveis Maria Adrielly deAndrade Cavalcanti, 20.
Ela diz que evitou suas atividades normais por cerca de dois meses, mas depois disso resolveu retomar sua vida de forma quase normal. “Quando percebi que isso iria durar muito tempo, resolvi que não iria perder um ano da minha vida por causa desse vírus.”
Dos seis meses em que a pandemia dura no Brasil, em quatro ela diz que se protegeu com máscara e álcool em gel, mas sem deixar de fazer o que queria. “Fui para a praia, para a balada e até para o motel”, diz. “Se tiver uma festa, não vou dizer que não fico preocupada, mas não vou deixar de ir.”
Para ela, procedimentos como lavar as mãos e usar máscara e álcool em gel já foram absorvidos e não causam mais estranhamento. “Faz tanto tempo que nem lembro mais como era antes”, diz.