Pra entrar nos EUA, brasileiros têm que fazer quarentena no México

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Foto: Getty Images/iStockphoto

A volta às aulas de Isabella Guimarães di Domenico, 19 anos, foi especialmente conturbada esse ano. Desde agosto de 2019, a jovem de Campinas (SP) faz dupla graduação em Marketing e Supply Chain na Purdue University, no estado norte-americano de Indiana.

A estudante já tinha feito planos para o spring break, semana de recesso nos colégios e universidades dos Estados Unidos, quando começaram a surgir as primeiras notícias sobre a disseminação do coronavírus pelo mundo. Foi assim que, ao invés de viajar com os amigos para Costa Rica, Isabella fez as malas e voltou para o Brasil.

“A decisão de passar a quarentena no Brasil foi mais por não sabermos o que estava acontecendo. Na época, eu estava feliz em ver minha família de novo”, ela conta.

A gente não imaginava que a situação se tornaria tudo o que virou. Parece que, na semana em que eu deixei os Estados Unidos, tudo começou a evoluir muito rápido”.

E de fato evoluiu. Na mesma semana em que Isabella pisou em Campinas, as universidades dos Estados Unidos decretaram a suspensão das aulas presenciais.

Em 28 de maio, o presidente Donald Trump vetou a entrada de todos os estrangeiros que tenham estado no Brasil nos últimos 14 dias. Desde aquela data até agora, só estão isentos dessa regra os cidadãos norte-americanos e os seus parentes próximos, além de estrangeiros que já possuem o green card.

Diferente do que aconteceu em outros países, como o Canadá e a França, os estudantes ficaram de fora da lista de exceções dos Estados Unidos.

Conforme os meses foram passando, os brasileiros que fazem faculdade nos Estados Unidos começaram a ficar preocupados com a tal restrição. Tudo indicava que, na medida do possível, as aulas presenciais seriam retomadas junto com o início do ano letivo no Hemisfério Norte, que acontece entre o final de agosto e o início de setembro.

Para piorar a situação, o departamento que regula as imigrações nos Estados Unidos estava firme na posição de que, se os alunos estrangeiros não voltassem para as aulas presenciais, eles perderiam o visto de estudante e teriam que solicitar outro visto para poder voltar para faculdade no semestre seguinte.

Diante dessa ameaça, brasileiros que estudam em universidades espalhadas por todo os Estados Unidos começaram a buscar alternativas.

Para Arthur Soares Klein, de 19 anos, esse processo começou em junho, quando o estudante nascido em Vila Velha (ES) viu que o número de casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus não diminuía nem no Brasil e nem nos Estados Unidos.

Determinado a retomar o seu curso de engenharia bioquímica na Purdue University, ele começou a ler atenciosamente todos os documentos emitidos pelo governo norte-americano sobre a entrada de estrangeiros no país.

No fim, entendi que qualquer um poderia entrar nos Estados Unidos se não tivesse passado os últimos 14 dias em certos países, incluindo o Brasil. Então concluí que se fosse para um país que não estivesse nesta lista e passasse 14 dias lá, estaria liberado para entrar”

Em Recife (PE), Leonardo Walter de Freitas Silva, 21 anos, também estava fazendo essa mesma lição de casa. “Comecei a buscar diferentes lugares em que daria para cumprir a quarentena, considerando preço, acesso de voo e restrição de entrada para brasileiros. No fim, sobrou basicamente o México e a Sérvia”, relata o estudante de engenharia mecânica, também da Purdue University.

Cada país tinha os seus prós e contras. Assim como Leonardo, Isabella acabou escolhendo o México por ser um país da América Latina, próximo do Brasil e com uma língua parecida com o português.

“Além disso, como o México e os Estados Unidos tem muitas relações econômicas, imaginei que não existia o risco de fecharem as fronteiras”, ela acrescenta.

Arthur não estava tão seguro disso e preferiu seguir pela Sérvia, apesar de o país estar enfrentando um momento de instabilidade política.

“No México, o número de contágios ainda estava muito alto e eu tive medo do Trump fechar as fronteiras com o país. Já a Sérvia tinha apenas cerca de 150 casos de coronavírus por dia. A situação já estava num ponto que nem era mais tão comum as pessoas andarem de máscara na rua. Porém, quando cheguei na Sérvia estavam acontecendo protestos sérios contra o primeiro-ministro, acusado de autoritarismo. Acabou sendo mais um motivo para não sairmos na rua”, ele relata.

Independente de terem passado os 14 dias no México ou na Sérvia, todos os jovens conseguiram entrar nos Estados Unidos sem grandes problemas. Entre outras perguntas simples, as autoridades aeroportuárias do país apenas questionavam se os estudantes realmente tinham passado as últimas duas semanas fora do Brasil e pediam alguma comprovação disso, como um bilhete de avião ou uma reserva de hotel.

“No meu voo de Belgrado, capital da Sérvia, para Nova York, percebi que tinha bastante gente fazendo a mesma coisa que eu. Vi muitas pessoas com roupas de faculdades dos Estados Unidos e passaportes distintos”, afirma Arthur.

Considerando os gastos com passagem, hospedagem e alimentação, Isabella estima ter gasto cerca de R$ 5 mil com a sua quarentena no México, que tinha como único objetivo poder entrar novamente nos Estados Unidos.

A despesa extra, porém, não é uma possibilidade para todos. Devido à pandemia de coronavírus e as restrições impostas pelo governo de Donald Trump, Bruna Pacheco, de 25 anos, perdeu uma rara oportunidade de fazer mestrado nos Estados Unidos com bolsa integral.

Além de estudar Global Business gratuitamente, a jovem de Niterói (RJ) teria as despesas com moradia e alimentação cobertos pela William Woods University, no estado do Missouri. Em contrapartida, Bruna trabalharia no setor de relações públicas das equipes esportivas da faculdade.

“Quando as fronteiras fecharam, eu ainda tinha esperanças de que pelo menos poderia retornar para iniciar os estudos de pós-graduação, mas me enganei”.

Bruna pediu que sua bolsa fosse transferida para o semestre seguinte ou que ela acompanhasse as primeiras aulas do mestrado online, mas não teve sucesso.

“Por mais que eu tenha tentado, infelizmente não me deram essas opções. O meu trabalho exigiria que eu estivesse presente. Eu não conseguiria ir para os Estados Unidos e também não tinha como ajudar eles daqui do Brasil” ela conta.

Foi muito decepcionante para mim, mas eu entendi perfeitamente a decisão tomada pela faculdade”

“A única possibilidade seria mesmo cumprir quarentena em um terceiro país. Foi isso que a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos me aconselhou a fazer. Porém, é um valor muito alto a ser gasto e não é todo mundo que tem condições de fazer isso”, explica a estudante.

Para Bruna, o governo norte-americano prejudicou os estrangeiros em situações semelhantes à dela.

Trump poderia estar sendo mais flexível com a liberação da entrada daqueles que possuem o visto de estudante. Porém, nós, estudantes, não estamos sendo muito favorecidos com as decisões dele”

A Purdue University, no estado de Indiana, é uma das universidades que mais recebe estudantes estrangeiros nos Estados Unidos. Por esse motivo, durante a pandemia de coronavírus houve uma grande concentração de alunos descontentes por lá.

Quando a faculdade decretou que as aulas presenciais seriam substituídas por aulas online, não houve uma redução na mensalidade.

“Acho que o preço que pagamos não valeu a pena. Eles só devolveram uma parte do valor semestral cobrado pela hospedagem nos dormitórios”, conta Isabella.

Além disso, a universidade demorou a posicionar os alunos estrangeiros sobre a volta às aulas.

“O período de junho, julho e início de agosto foi um período de muita frustração, ansiedade e angústia. Se a universidade faz tanta propaganda de ter uma grande diversidade de alunos, por que não estavam fazendo nada por nós? Nós, estudantes internacionais, pagamos muito mais que os norte-americanos para estudar nessas universidades”, questiona Isabella.

Arthur defende que a faculdade custou a dar um posicionamento porque estava à mercê do governo de Donald Trump:

A nossa faculdade deu informações precisas, mas elas demoravam um pouco para vir porque eles não tinham informação privilegiada do governo. O que a gente sabia era o que eles sabiam”

Arthur ressalta que acredita que os Estados Unidos poderiam ter incluído os estudantes na lista de exceções às restrições de viagens do Brasil. Leonardo concorda com esse posicionamento e afirma ter se decepcionado com o desenrolar da situação:

Eu entendo que o acesso aos Estados Unidos tenha que ser restrito. Mas, perante essa ameaça de perdermos os vistos, fica difícil entendermos qual o nosso papel no país”

“Por mais que a gente seja imigrante e saiba que não temos os mesmos direitos de um cidadão, esperamos ter condições de competir igualmente em termos de educação e empregos. É um pouco frustrante ver que não é bem assim. Mesmo dentro da faculdade, não estamos competindo de igual para igual”, desabafa Lernardo.

No final das contas, o departamento que regula as imigrações não foi adiante no seu plano de tirar o visto de estudantes que não voltassem para as aulas presenciais. Já os novos vistos de estudante, que seriam concedidos aos alunos que começariam seu curso universitário nesse semestre, não estão sendo emitidos.

Recentemente, a Purdue University deu a opção de os alunos fazerem o semestre letivo online, pagando uma mensalidade inferior, ou deixarem para fazer o semestre letivo no ano que vem por um custo adicional.

Quando tudo isso aconteceu, porém, muitos dos alunos estrangeiros já tinham passado a quarentena em um terceiro país e retornado aos Estados Unidos.

O recifense Luís Eduardo Satou Ferreira Pinheiro, de 20 anos, afirma que mesmo assim preferiu passar quarentena no México para voltar às aulas presenciais de engenharia industrial. Ele afirma se sentir mais seguro e confortável na Purdue University do que em sua terra-natal.

“Na universidade, a cada semana estão aplicando testes de covid-19 em 10% de todos os alunos do campus. Já a situação no Brasil não está boa, o sistema de saúde não é bom e eu não tinha uma boa conexão para estudar direito”, afirma.

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