Após 52 anos, direita volta a ocupar o poder sem mandato popular

Análise, Ativismo político

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O golpe que cassou o governo legítimo de João Goulart, em 1964, revestia-se de todos os atributos auto alardeados pelos golpistas contemporâneos, alguns destes os mesmos que, há 52 anos, trabalharam furiosamente pela interrupção da democracia no Brasil. Tal qual desta vez.

Em 1964, o Congresso encenou um processo legal, a OAB apoiou, o Supremo Tribunal Federal apoiou, a grande imprensa apoiou. Os golpistas alardearam ao mundo que “as instituições estavam funcionando”.

As desculpas mal-ajambradas para tirar Dilma Rousseff do cargo para o qual foi eleita legitimamente pela maioria inquestionável do povo brasileiro, e nele colocar um governo ilegítimo, sem voto, um fidedigno governo “de facto”, não enganam mais ninguém.

Nos últimos dias, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro, fez uma denúncia formal à Corte Interamericana de Direitos Humanos – à qual o Brasil se submeteu no âmbito do pacto de São José da Costa Rica – contra o processo ilegal que está interrompendo o mandato popular de Dilma Rousseff.

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A imprensa internacional foi tomada por artigos e reportagens que dão conta de que as razões alegadas para destituir Dilma são insuficientes para ato tão grave quanto revogar o voto popular. Em editoriais, esses veículos estrangeiros muitas vezes não usam a palavra golpe, mas, tal qual fez o diário espanhol El País nesta quarta-feira (11/5), afirmam que a presidente está sendo afastada sob uma farsa.

O Brasil já começa a se dar conta da enormidade que está sendo cometida. O jornal Valor Econômico registrou, com preocupação, editorial de um dos maiores jornais da Europa que acusa o Brasil de estar tirando Dilma do cargo em um processo fraudulento.

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Com efeito, o editorial em questão, ao lado de tantos outros de veículos como The New York Times, The Guardian etc., etc., trata de avisar ao mundo que a democracia brasileira está comprometida.

A leitura do editorial do El país preocupa porque faz prever as dificuldades que nosso país terá para atrair investimentos, pois países com democracias frágeis não são considerados seguros para investir. Aliás, uma das razões alegadas pelas agências de classificação de risco para rebaixarem a nota do Brasil é, justamente, a instabilidade política.

Um trecho do editorial do El País intitulado “Um processo irregular” mostra como a opinião da imprensa internacional sobre o impeachment de Dilma é arrasadora para os golpistas locais:

Enquanto o Brasil afunda na recessão, a oposição usou o Congresso para transformar uma acusação de caráter político –uma má gestão do orçamento– num processo previsto para casos penais. As sucessivas investigações não conseguiram provar a participação da presidenta na corrupção que afeta o seu partido, mas o abandono de vários de seus parceiros de Governo a colocaram numa situação muito difícil. Essa crise institucional coloca dúvidas mais do que razoáveis sobre a legitimidade que teria um novo presidente depois de um processo tão pouco habitual. O Brasil não pode se permitir semelhante espetáculo. O dano causado é incalculável

Junte-se a isso o efeito de uma fila de incontáveis personalidades que acusam o golpe contra a democracia, como o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, e podemos concluir que os golpistas estão nus.

Recentemente, a historiadora Juliette Dumont, do Instituto de Altos Estudos sobre a América Latina, da universidade parisiense Sorbonne Nouvelle, afirmou que o afastamento irregular de Dilma “vai fragilizar o Brasil e prejudicar, durante muitos anos, a credibilidade do país no cenário internacional”. Para ela, “O Brasil cometerá um suicídio político” se o Senado aprovar o pedido de impeachment.

Infelizmente, o que está acontecendo neste país não é novidade. A maioria dos presidentes civis eleitos pelo voto direto no Brasil não concluiu seus mandatos. Com efeito, o golpismo é uma característica das republicas latino-americanas que simulam democracia. O Brasil acaba de se reinserir nesse grupo de países.

Eis que, após 52 anos, a república brasileira vê de novo grupos políticos de direita ocuparem o poder sem ter sido eleitos. Nos próximos dias, veremos partidos derrotados na eleição presidencial de 2014 entrando triunfalmente nos prédios do governo afastado irregularmente.

Partidos como o PSDB e o DEM passam a ocupar o poder sem mandato popular. Pastas como Justiça, Relações Exteriores e Educação estão sendo entregues a partidos que PERDERAM a eleição presidencial de 2014 e que não obtiveram mandato popular para governar, assim como o presidente “de facto” Michel Temer.

Os setores da população que apoiaram a derrubada de Dilma a qualquer preço constituem a face mais violenta e antidemocrática da ruptura institucional em curso, com discursos virulentos característicos de torcidas organizadas de futebol.

Os brados de “chupa” ou “chora” vociferados pela torcida golpista contra adversários políticos dão a medida do rebaixamento da política e da institucionalidade brasileira. O Brasil virou um gigantesco estádio de futebol em que ocorre uma briga descontrolada entre torcidas.

Paralelamente a esse processo ilegal em curso, a curiosidade maior ficará por conta de a grande imprensa brasileira voltar aos tempos do oficialismo, ou seja, Globo, Folha, Estadão, Veja e congêneres voltarão a ser chapa-branca. Matérias como as que atribuem características à “primeira-dama” golpista que agradam a direita, tais como “Bela, Recatada e do Lar”, dão uma palhinha do que vem por aí.

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Contudo, em alguma medida o que vem por aí constituirá um aprendizado democrático importante pelo qual talvez o país precisasse passar. Os setores da esquerda que ajudaram os golpistas acusando os governos do PT de serem “de direita” terão a oportunidade de lembrar o que, de fato, é um governo de direita.

O maioria do nosso povo – que, segundo empresas privadas de pesquisa de opinião (ligadas a grupos de mídia de oposição ao governo petista), apoiou a derrubada do governo eleito em 2014 – descobrirá, nos próximos meses, que o governo que sucederá o de Dilma não irá devolver o que essas pessoas estão querendo, ou seja, o bem-estar social que os governos petistas geraram entre 2003 e 2013.

Pesquisa Datafolha publicada há não muito tempo revelou que o brasileiro é de direita nos costumes e valores “morais” – em questões como aborto etc. –, mas é de esquerda na economia, ao apoiar a maioria das políticas públicas que os governos petistas adotaram nos últimos 13 anos. Esse povo ficará surpreso com o que foi buscar com suas próprias mãos.

No início, as pessoas resistirão a dar o braço a torcer, mas, até 2018, veremos os defensores do impeachment sumirem assim como sumiram os eleitores do ex-presidente Fernando Collor de Mello pouco após ele chegar ao poder.

Tenho para mim que a volta da esquerda ao governo não irá demorar tanto. Até a eleição de Lula, a direita tinha o discurso de que se o PT chegasse ao poder iria tomar as casas das pessoas para dividir com os pobres e outras bobagens do gênero. Após 13 anos de governos petistas, essa história não vai colar mais.

Ainda que muitos finjam que esqueceram tudo que obtiveram de bom entre 2003 e 2013, a maioria esmagadora dos brasileiros sabe quanto melhorou de vida nessa década de governos petistas. E vai exigir isso de volta. Cedo ou tarde.

O dia 11 de maio será conhecido por muitos como o dia da infâmia, mais um dia em que a democracia brasileira foi conspurcada. Todavia, para este que escreve o 11 de maio é, apenas, o primeiro dia da luta pela redemocratização do Brasil. Mãos à obra, companheiros. A virada começa hoje.

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PS: Temer oferecerá ao empresariado a terceirização do trabalho assalariado como compensação pela volta da CPMF, que os mesmos que recusaram concedê-la a Dilma deverão aprovar em breve. A terceirização reduzirá fortemente os salários dos brasileiros.