Alemanha faz lockdown meia-boca e 2a onda cresce
Foto: Reprodução/Alliance
A ideia era frear a “segunda onda”, trazendo os números de infecção por coronavírus, que haviam aumentado exponencialmente na Alemanha em outubro, de volta a um patamar aceitável. Para isso, no início de novembro foram fechados todos os restaurantes, cafés e bares do país. E também os teatros, cinemas, academias de musculação e muito mais. As lojas, no entanto, continuam abertas, e as escolas e jardins de infância funcionam normalmente. As restrições do lockdown parcial se baseiam na ideia de proibir tudo o que é divertido e ligado ao lazer, protegendo ao máximo a economia. As pessoas devem trabalhar e, de preferência, passar o restante do tempo em casa.
Nada de diversão e distração? Os mercados de Natal não acontecerão este ano, mas os donos de restaurantes, engenhosos, encontraram uma brecha nas leis de proteção contra infecções com as vendas para viagem. “Glühwein to go”, ou “quentão para viagem”, é um sucesso nas cidades alemãs. Seja em Stuttgart, Colônia, Hamburgo ou Berlim – muitos estabelecimentos gastronômicos oferecem em frente aos seus bares o vinho tinto aquecido misturado com canela, cravo, anis e açúcar junto com alguns petiscos, e assim ganham alguns euros extras. Dinheiro que, aliás, não é contabilizado para os pagamentos dos auxílios estatais.
Em algumas cidades, incluindo Berlim, barracas individuais foram montadas para substituir os mercados de Natal, e elas atraem multidões. Quando o álcool começa a fazer efeito, o mais tardar, o distanciamento nas filas, por vezes longas, já não é mais observado. Muitos clientes se recusam a seguir adiante, mesmo que seja proibido permanecer em frente ao local. Em muitos casos, o serviço de manutenção da ordem pública e a polícia têm que intervir. No estado da Baviera, onde os números da covid-19 estão em alta, servir bebidas alcoólicas ao ar livre fica proibido a partir de quarta-feira.
Mas nos esforços para conter o coronavírus, a Baviera não se limitar a puxar o freio somente no comércio de quentão, mas impõe também regras e restrições mais rígidas a seus cidadãos, incluindo toque de recolher. Algo semelhante já foi prescrito ou planejado nos estados de Baden-Württemberg e Saxônia.
Na Alemanha, a proteção contra infecções é uma questão para os 16 estados federais. Ou seja, os governos estaduais é que determinam individualmente o que é permitido ou proibido. O governo federal tem pouca influência. A chanceler federal, Angela Merkel, que é uma defensora de condições rígidas, já se reuniu várias vezes com os governadores de cada estado para discutir acaloradamente por horas e, no final, quase sempre teve que admitir a derrota.
Como resultado, as regras e restrições para conter o avanço da covid-19 são inconsistentes em todo o país e, em alguns casos, extremamente contraditórias. O exemplo mais recente está na perspectiva da chanceler federal e dos governadores de uma flexibilização nas restrições de contato. Em Berlim, tal possibilidade já foi suspensa devido ao elevado número de infecções. Mas, ao mesmo tempo, a capital alemã aprovou a abertura das lojas no último domingo, em comemoração ao Advento, atraindo milhares de berlinenses às principais ruas comerciais da cidade num ameno dia de sol em torno de 12 graus. Onde, é claro, também havia quentão.
Os números da infecção na Alemanha são “motivo de preocupação”, disse em Berlim nesta segunda-feira (07/12) o porta-voz do governo federal, Steffen Seibert. “Isso está longe de ser a reversão de tendência que esperávamos.” O lockdown já foi prorrogado duas vezes, mais recentemente até 10 de janeiro. Quase ninguém ainda acredita que esta será a última prorrogação.
Na atual pandemia de coronavírus, a Alemanha está longe de ser o modelo exemplar que foi na primeira onda. Embora o número de infecções tenha chegado a 6 mil por dia no primeiro semestre, hoje a cifra é quase quatro vezes maior. Mais de 4 mil pacientes com covid-19 estão sendo tratados atualmente em unidades de terapia intensiva alemãs. No início do ano, o pico foi em torno de 2,85 mil. Em toda a Alemanha, existem em média apenas três leitos de terapia intensiva disponíveis por clínica. De acordo com a associação médica de terapia intensiva DIVI, um em cada dois pacientes recebendo ventilação nas UTIs morre nas clínicas.
“Não podemos aceitar o elevado número de mortes na Alemanha”, apela enfaticamente o governador da Baviera, Markus Söder. Em novembro, ele afirmou corajosamente que todos os dias morrem na Alemanha tantas pessoas de covid-19 quanto num acidente de avião. Agora, nem mesmo essa comparação é suficiente.
Apesar disso, não há nenhum clamor público. Parece que o alto número de mortos não é mais alarmante. Os psicólogos conhecem esse efeito – eles o chamam de habituação. Até mesmo uma catástrofe constante leva à habituação em algum ponto. Se as pessoas são confrontadas com algo ruim por muito tempo, isso eventualmente acaba deixando de ser relevante.
Por outro lado, o ânimo geral da população piorou visivelmente. A estação escura e fria do ano, por si só, já afeta a maioria das pessoas. Tudo o que costuma trazer animação no inverno se foi. A falta de perspectivas de melhoria fez o resto. Neste contexto, não é de se estranhar que, de acordo com a pesquisa de opinião Deutschlandtrend, da emissora ARD, cerca de metade dos entrevistados aprova o afrouxamento das restrições de contato prometidas para o Natal. No entanto, isso também significa que quase a mesma quantidade, um pouco menos de 50%, é contra as determinações.
Não seria melhor, então, que a Alemanha adotasse um lockdown rígido? Com a perspectiva de ser capaz de voltar a levar uma vida parcialmente normal num futuro próximo? Alguns vizinhos europeus mostraram o caminho. O número de infecções caiu significativamente na Bélgica, assim como na França. O bloqueio também funcionou em Israel.
No entanto, isso teria consequências graves para o governo e para a política. Afinal, assim a economia provavelmente entraria em colapso maciço novamente e teria que receber o apoio de mais pacotes de ajuda. Isso seria difícil para o Estado administrar. A Alemanha está endividada com cerca de 160 bilhões de euros este ano; empréstimos de 180 bilhões de euros estão previstos para 2021.
Uma quantia que não seria suficiente caso o país entrasse num bloqueio rígido mais uma vez. Além disso, os políticos teriam então que admitir que calcularam mal, e até erraram em sua estratégia especial de lockdown parcial. Assim como com a ideia de manter escolas e jardins de infância abertos a todo custo. O ministro da Economia, Peter Altmaier, já deu um dos primeiros insights: “Poderemos e deveremos dizer que nossas medidas até aqui não são suficientes para realmente quebrar a segunda onda de infecções”.
Resta saber se a Alemanha manterá sua atitude de permanecer na corda bamba em meio à pandemia de coronavírus, e continuará tentando equilibrar o alto número de infecções com restrições moderadas. Seibert, o porta-voz do governo, disse que uma consulta dos governos federal e estadual sobre o aperto das restrições é possível a qualquer momento. A próxima reunião, porém, só está prevista para 4 de janeiro.
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