Procurador diz que, em Manaus, pessoas estão “sufocando”

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Foto: Sandro Pereira/Fotoarena

“As pessoas estão sufocando, estão morrendo asfixiadas”, afirmou o procurador do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas Igor da Silva Spindola, ao relatar ao Estadão, em prantos, a situação dos pacientes de covid-19 em Manaus. Ele ingressou com uma ação na Justiça Federal nesta quinta-feira, 14, em que cobra providências do governo federal para restabelecer ‘imediatamente’ o fornecimento de oxigênio na capital do Amazonas.

Com a nova explosão de casos de covid no Estado, o estoque de produto, essencial no tratamento de casos graves da doença, acabou em vários hospitais de Manaus, levando pacientes internados à morte por asfixia, segundo relatos de médicos que trabalham na capital amazonense. Spindola disse ter passado o dia recebendo relatos sobre pessoas que morreram por causa da falta de oxigênio, o que ele classificou como ‘desesperador’.

O procurador afirma que a União precisa coordenar a ação de entrega de oxigênio. “A gente tem oxigênio pelo País, a gente não tem uma logística estabelecida porque tem um vácuo no governo Federal. As pessoas são tiradas do oxigênio, elas sufocam e morrem. Elas são colocadas em máscaras e essas máscaras duram pouquíssimo tempo. Basicamente é isso.”

Spindola disse ainda que o Amazonas vive um um cenário de guerra. “A nossa preocupação nesse momento nem é responsabilizar ninguém, porque isso vai acontecer em algum momento. A gente precisa de oxigênio. Passei o dia trabalhando e chorando”.

Na ação, a Procuradoria da República vinculou problemas de funcionamento numa aeronave Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira, que fazia o transporte dos cilindros de oxigênio de outros Estados ao Amazonas, ao fim do estoque disponível para os hospitais de Manaus. Os procuradores destacaram que, em reunião com outros órgãos, a FAB ficou responsável pelo transporte dos cilindros de oxigênio líquido, ‘em razão das peculiaridades no transporte desse tipo de insumo, que é inflamável e volátil, demandando, quando por via aérea, que a aeronave utilizada seja do modelo do qual só a FAB dispõe no País’.

“Todavia, na manhã de hoje (14 de janeiro de 2020), a informação obtida pelos canais informais de controle foi de que a aeronave em questão apresentou problemas que necessitam de reparos, de modo que houve uma paralisação no fluxo emergencial de fornecimento do oxigênio, culminando na situação atual e notória da falta do insumo nas unidades de saúde de Manaus e do interior do Amazonas”, reportaram à Justiça Federal.

Os procuradores cobraram uma solução por parte do governo federal e disseram que as Forças Armadas têm ‘suficiente aparato logístico para tornar possível a imediata regularização da oferta medicinal, seja pelo reparo da aeronave em questão, seja pela utilização de outra’. Eles também sugeriram a “possibilidade de se socorrer às vias diplomáticas para apoio logístico”, o que seria feito junto à Embaixada dos EUA. A ação civil foi protocolada na 1ª Vara Federal, em Manaus, tendo sido assinada também pela Defensoria Pública da União, Ministério Público do Amazonas, Defensoria Pública do Amazonas e Tribunal de Contas do Estado.

Segundo os órgãos, a White Martins, principal fornecedora do oxigênio hospitalar, ‘informou não possuir logística suficiente para atender a demanda’. A empresa comunicou que buscaria o estoque disponível em suas operações na Venezuela e que tentaria viabilizar a importação para abastecer o Estado.

Na conversa com o Estadão, Spindola explicou que o Amazonas precisa de 70 mil metros cúbicos diários de oxigênio, mas a produção local é de menos da metade, 28 mil metros cúbicos. “Logo de manhã, já havia chegado ao nosso conhecimento mais de seis mortes. E durante o dia mais pessoas continuam morrendo por asfixia. Ainda não fizemos as contas, mas a situação é de desespero. Os pacientes são retirados do oxigênio e sufocam”, afirmou.

Responsável pelos processos judiciais relacionados à covid-19 no Amazonas, Spindola culpa o governo de Jair Bolsonaro pela falta de uma articulação para sanar o problema da falta de oxigênio. Segundo o procurador, o governo federal tinha conhecimento de que a situação no Estado estava próxima do colapso. “O ministro da Saúde (Eduardo Pazuello), inclusive, esteve aqui a semana inteira. Não tem desculpa”, disse.

“A procura por oxigênio na capital subiu seis vezes, então, já estamos ai em 75 mil metros cúbicos de demanda de ar na capital e 15 mil metros cúbicos no interior. Estamos já com a segunda aeronave entrando em circuito hoje, a C-130 Hércules, fazendo o deslocamento Guarulhos – Manaus e a partir de amanhã entra mais duas e chegaremos a seis aeronaves, totalizando ai algo em torno de 30 mil metros cúbicos por dia, a partir de Guarulhos. Nessa ponte aérea, existem também os deslocamentos terrestres”, afirmou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em live ao lado do presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira, 14.

A FAB informou que uma aeronave levou 8 toneladas de equipamentos hospitalares para a Manaus – incluindo cilindros de oxigênios – na quarta-feira, 13. Outros dois aviões de carga modelo Hercules C-130 partirão ainda nesta quinta-feira, 14, de Guarulhos (SP) em direção a Manaus com mais cilindros. Questionada sobre problemas nas aeronaves, o órgão disse apenas que eventuais serviços de manutenções são necessários.

Ação. A ação protocolada na Justiça solicita que a União adote uma série de medidas urgentes com objetivo de ‘salvar a vida’ da população local que depende dos hospitais.

Além da entrega de oxigênio, a Procuradoria requer a imediata transferência de pacientes ‘da rede desabastecida para outros Estados’, deixando no Amazonas apenas o quantitativo que possa ser atendido pelo sistema local. Segundo o governo local, no primeiro momento 235 pacientes serão enviados a hospitais do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal. Há estimativa de que até 750 pessoas tenham de deixar Manaus para serem atendidas em outros locais.

O MPF também quer que a União identifique, imediatamente, em outros Estados, cilindros de oxigênio gasoso em condições de serem transportados pela via aérea para Manaus. “Sucessivamente, que se determine sua requisição, transporte e instalação, para suprir a demanda no estado do Amazonas, inclusive do interior e do Hospital Nilton Lins”.

Por fim, os procuradores exigem que o governo reconheça, imediatamente, ‘a relevância das medidas de isolamento social e restrição de atividades determinada pelos governos locais no Amazonas, fornecendo o suporte necessário às autoridades locais para implementação de suas decisões, inclusive mediante o envio da força nacional.’

Estadão

 

 

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