Juiz que julgará absolvição de Lula mandou fechar instituto Lula
Em 25 de novembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal mandou prender o senador (e ex-tucano) Delcídio do Amaral, então filiado ao PT de Mato Grosso do Sul e líder do governo Dilma no Senado, acusado de obstruir a investigações da Lava Jato. A prisão ocorreu em 18 de dezembro daquele ano.
Fora a primeira vez desde a redemocratização, em 1985, que um senador foi preso no exercício de seu mandato.
Relator da Lava Jato, o hoje falecido ministro Teori Zavascki, afirmou que o petista ofereceu mesada de R$ 50 mil para que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró não fechasse acordo de delação premiada.
O esquema, que envolveria a fuga de Cerveró para a Espanha, via Paraguai, foi revelado a partir de uma gravação feita às escondidas por Bernardo, filho de Cerveró. A gravação revelou diálogos com a participação de Delcídio.
Em 19 de fevereiro do ano passado, Delcídio deixou a prisão no Batalhão de Trânsito da Polícia Militar do Distrito Federal (BPTrans). Ao todo, cumpriu 87 dias de prisão preventiva.
Duas semanas após firmar com o Ministério Público um acordo de delação premiada e de ter sido libertado por conta disso, Delcídio do Amaral acusou Dilma Rousseff e Lula de envolvimento na Lava Jato. Trechos do depoimento foram publicados pela Revista IstoÉ, apesar de sigilosos.
Delcídio afirmou, na delação que lhe deu liberdade, que Lula “tinha conhecimento do ‘propinoduto’ instalado na Petrobras e agiu direta e pessoalmente para barrar as investigações”.
Na delação, segundo a revista, Delcídio disse que o mandante dos pagamentos à família de Cerveró foi o ex-presidente Lula. Segundo Delcídio, Lula também pediu “expressamente para que ele ajudasse o amigo e pecuarista José Carlos Bumlai porque ele estaria implicado nas delações de Fernando baiano e Nestor Cerveró”.
Em julho de 2016, quatro meses após a denúncia pública de Delcídio, a Justiça Federal no Distrito Federal transformou Lula em réu. Foi a primeira denúncia que a Justiça aceitou contra o ex-presidente.
A decisão foi tomada pelo juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília.
A Procuradoria Geral da República afirmou, à época, que Lula “impediu e/ou embaraçou investigação criminal que envolvia organização criminosa, ocupando papel central, determinando e dirigindo a atividade criminosa praticada por Delcídio do Amaral, André Santos Esteves, Edson de Siqueira Ribeiro, Diogo Ferreira Rodrigues, José Carlos Bumlai, e Maurício de Barros Bumlai”.
O MPF-DF (Ministério Público Federal no Distrito Federal), porém, pediu nesta sexta (1º de setembro de 2017) a absolvição do ex-presidente Lula. Os investigadores concluíram que não há provas de que ele tenha participado do esquema criminoso. A Procuradoria também recomendou a perda dos benefícios da delação premiada de Delcídio do Amaral.
Delcídio Amaral comentou, também nesta sexta-feira 1º, em entrevista à rádio Jovem Pan, o pedido do Ministério Público Federal para que seja anulado seu acordo de delação premiada, sob o argumento de que mentiu.
Delcídio reagiu. “Isso já era esperado“, afirmou. “Quem tomou essa medida é um procurador de Brasília, Ivan Claudio Marx, o mesmo que absolveu a Dilma das pedaladas. Ele está votando ideologicamente. Quem vai julgar é o juiz. O processo está muito bem construído e estamos tranquilos“, acrescentou.
Delcídio tenta apresentar o procurador Ivan Marx como “petista”, de modo que vale explicar que, sim, no dia 14 de julho do ano passado ele deu um parecer técnico dizendo que as pedaladas que justificariam o processo de impeachment de Dilma não configuravam crime comum.
O procurador analisou seis tipos de manobras do governo Dilma após ouvir integrantes da equipe econômica, analisar auditorias do TCU e os documentos das operações. Segundo ele, as manobras não se enquadram no conceito legal de operação de crédito ou empréstimo. Por isso, em seu entendimento, não seria necessário pedir autorização ao Congresso.
No despacho, ele conclui que houve inadimplência contratual, ou seja, o governo não fez os pagamentos nas datas pactuadas, descumprindo os contratos com os bancos. Marx pontua que, em alguns casos, os atrasos nos repasses tinham previsão legal e as autoridades não tinham a intenção de fazer empréstimos ilegais.
Por isso, Delcídio põe sob suspeição a absolvição de Lula pedida pelo MP-DF. Porém, o ex-tucano e ex-petista só não conta que, em agosto de 2016, o mesmo Ivan Marx afirmou que Lula foi “chefe de organização criminosa” para obstruir Justiça nesse mesmo caso.
Ao denunciar o ex-presidente Lula, por obstrução da Justiça, o procurador da República Ivan Cláudio Marx atribuiu ao petista papel de “chefe de organização criminosa”.
O procurador que Delcídio diz que teve motivação ideológica para pedir a absolvição de Lula, inicialmente comprou a versão Delcídio e atribuiu a Lula o papel de “chefe da empreitada” para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró.
Repito: ao denunciar o ex-presidente Lula por obstrução da Justiça, o procurador da República Ivan Cláudio Marx chegou a atribuir ao petista papel de “chefe de organização criminosa”.
Marx não viu crime comum nas pedaladas atribuídas a Dilma porque crime comum não havia, ora. Mas apostou forte nas acusações infundadas de Delcídio contra o ex-presidente. Desse modo, é pífia a tentativa de Delcídio de caracterizar como “petista” o procurador que caiu na sua lábia e agora descobriu que foi enganado.
Mas Delcídio tem boas razões para ficar tranquilo quanto à decisão do juiz que decidirá sobre o pedido do procurador Ivan Marx para absolver Lula das acusações assacadas contra si por Delcídio.
Quem vai julgar o pedido do MP de absolvição de Lula e anulação da delação premiada de Delcídio é o juiz Ricardo Augusto Leite Soares, da 10ª Vara Federal de Brasília, o mesmo que, em maio deste ano, determinou cautelarmente a suspensão das atividades do instituto que leva o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Poucos dias depois, porém, o desembargador Néviton Guedes, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, determinou que o Instituto Lula tivesse suas atividades integralmente restabelecidas imediatamente. O desembargador cassou a decisão do juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, que havia suspendido arbitrariamente o funcionamento do Instituto Lula.
Mas quem é o juiz Ricardo Augusto Leite Soraes, da 10ª Vara Federal de Brasília?
Leite é conhecidíssimo, mas não por sua eficiência. Bem ao contrário. Juiz da Operação Zelotes, que apura esquema de corrupção no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), Soares Leite foi denunciado pelo próprio Ministério Público Federal.
Reportagem publicada pela Folha, em 20 de junho de 2015, mostrava o Ministério Público reclamando de várias decisões judiciais de Ricardo Augusto Soares Leite que dificultaram a obtenção de provas contra os fraudadores da Receita.
O juiz Ricardo Leite negou todos os pedidos de prisão dos investigados, suspendeu escuta telefônica e não autorizou buscas e apreensões. A Procuradoria representou contra ele na Corregedoria do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, em abril.
Esse episódio complicado mostra que delações não servem como prova. São apenas possibilidade de prova. Se são possibilidade de prova, não podem ser usadas para condenar como fez Sergio Moro com Lula ao condená-lo com base em acusações de criminosos desacompanhadas de provas.