The Guardian: especulação imobiliária causa incêndios em favelas de SP
O jornal inglês The Guardian acaba de publicar reportagem que afirma que a grande ocorrência de favelas incendiadas em São Paulo ocorre porque estão instaladas em terrenos com valores 76% acima da média do mercado.
Para o jornal inglês, há indícios de que a explicação do governo João Doria para incêndios em favelas, de que são acidentes, não corresponde à verdade.
Uma onda de incêndios nas favelas de São Paulo nos últimos anos parece estar concentrada em regiões mais caras da cidade, segundo o jornal, e isso pode revelar crimes.
O Guardian diz que uma CPI na Câmara de Vereadores em 2012 sobre o assunto terminou sem conclusões por interesses político-financeiros.
O jornal relata que descobriu que o valor dos terrenos em que estavam 80 favelas atingidas por incêndio era, em média, 76% maior do que a média dos valores dos imóveis na cidade. Os números vieram de registros da Defesa Civil entre 2008 e 2012.
A investigação também descobriu que os incêndios ocorreram mais frequentemente em regiões da cidade com valores de propriedade mais elevados.
Mais de 1,5 milhão de pessoas vivem em 1.700 favelas em São Paulo. A maioria são assentamentos precários, sem acesso formal a sistemas de esgoto, água, eletricidade ou coleta de lixo.
A investigação também mostrou que, à medida que o valor dos terrenos aumenta em São Paulo, construtoras fazem uma pressão crescente para a prefeitura acabar com favelas.
Na sexta-feira passada, pouco depois da meia-noite, um incêndio surgiu na favela de Levanta Saia, em Campo Belo, uma das regiões mais ricas de São Paulo. Treze caminhões de bombeiros lutaram contra o incêndio enquanto as famílias derramaram nas ruas os poucos pertences que poderiam recuperar.
Felipe Ramon, 23 anos, organizador de festas infantis, manteve um pequeno copo nas mãos com os pertences dele: uma escova de dentes e uma pasta de dente.
Ramon disse que é a sétima vez que ele e sua mãe perderam a casa em incêndios.
Ele já morava na Favela do Piolho, também em Campo Belo, que foi quase totalmente consumida pelo fogo em setembro de 2014, destruindo cerca de 80% das moradias e deixando 264 famílias desabrigadas. Foi o segundo incêndio lá em dois anos.
Uma curiosidade: dificilmente ocorrem incêndios em favelas instaladas em terrenos de baixo valor.
“Vivemos em um bairro onde a especulação [de propriedade] é fora do comum”, diz Rudnéia Arantes, líder da Favela do Piolho, observando que os moradores não querem sair. “Existem escolas, ONGs, lojas, creches e tudo mais. Por que você sairia daqui? Para onde irão as pessoas? ”
As autoridades geralmente atribuem a frequência de incêndios nas favelas a infraestrutura de baixa qualidade e densidade populacional e negam qualquer vínculo com o valor da terra.
Uma comissão parlamentar de inquérito criada em 2012 para analisar tais alegações concluiu: “Não podemos falar de incêndios criminosos motivados por interesses imobiliários, já que até agora não há evidências que levem a isso”.
Mas a análise do Guardian e da Agência Pública mostrou que o valor comercial médio das favelas atingidas pelo fogo em 2013 foi de R$ 291 / m² (usando as estimativas da associação imobiliária Secovi), enquanto uma amostra aleatória de 460 favelas no mesmo ano tinha um valor comercial médio de apenas R$ 166.
Além disso, a análise revelou que os incêndios são mais frequentes em áreas mais ricas.
Ao longo dos últimos cinco anos, 23 incêndios – cerca de 29% dos analisados - ocorreram nos 15 distritos com os maiores valores imobiliários da cidade, em menos de 10% (145) das favelas de São Paulo.
Nos distritos restantes, onde a maioria das favelas da cidade são encontradas, houve 52 incêndios: um incêndio por cada 29 comunidades, em comparação com um para cada seis nos distritos mais ricos.
O departamento de bombeiros registrou não menos de 1.648 incêndios favela entre 2001 e 2012; em 2016 havia 202, e dezenas mais após a posse de João Doria.
O Guardian afirma que os incêndios são deliberadamente causados por grupos ligados a investimentos imobiliários. Em 2012, foi criada uma comissão parlamentar de inquérito para analisar essas alegações, juntamente com as investigações dos órgãos policiais e municipais.
— favela incêndio
O relatório final foi ambíguo, no entanto, concluindo que os incêndios ocorreram devido a “uma soma de fatores”, incluindo clima, umidade, falta de chuva, materiais de construção inflamáveis e instalações elétricas de baixa qualidade.
A comissão foi amplamente criticada, no entanto, por apenas seis de suas 13 reuniões terem sido agendadas e o resto foi cancelado por falta de comparecimento dos vereadores paulistanos.
Além disso, o portal de notícias UOL revelou em 2012 que todos os membros da comissão receberam doações de campanha de empresas imobiliárias. O presidente da comissão, Ricardo Teixeira, recebeu R$ 464 mil de empresas imobiliárias.
A casa de Carla Aparecida foi incendiada primeiro em 2012 e novamente em 2014. “Levou mais de um ano para reconstruir … e quando apenas uma geladeira foi deixada para mim [para substituir], o [outro] incêndio veio”, diz o jogador de 34 anos. “Queimou tudo, tudo, tudo”.
Após o incêndio de 2014, Aparecida diz que lhe foi oferecida ajuda da Prefeitura condicionada à saída da região. Ela aceitou, mas eventualmente voltou para a Favela do Piolho e agora mora com seus cinco filhos em um barraco muito menor, de apenas 4 metros quadrados.
Outra maneira que o jornal inglês diz existir para obrigar os favelados a abandonarem seus barracos é a demora dos bombeiros para agir quando o incêndio é em favela e que a prefeitura paulistana, atualmente, prefere expulsar comunidades em lugar de lhes dar infraestrutura.
A análise do Guardian foi realizada com dados da Cidade de São Paulo e do Secovi.