ABI acusa Bolsonaro no STF de crimes contra a honra
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
A Associação Brasileira de Imprensa entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para que a corte declare inconstitucional o uso de crimes contra a honra para ‘coibir’ a publicação de informações relacionadas a servidores, pessoas públicas e candidatos. Entre os pedidos da entidade, está a suspensão do artigo 141 do Código Penal, que dispõe sobre o crime contra a honra do presidente da República – dispositivo usado pelo governo Jair Bolsonaro para embasar investigações contra críticos e opositores.
Segundo a petição inicial, o objetivo da ação é ‘promover a proteção da liberdade de expressão, da liberdade de informação jornalística, do direito à informação e de outros direitos dotados de máxima fundamentalidade, coibindo-se o emprego abusivo de procedimentos criminais para impedir o seu exercício pleno’.
No documento, a associação aponta que o contexto mundial atual é de ‘declínio da liberdade de expressão’, ressaltando que no Brasil há uma ‘erosão da democracia, em que autoridades estatais buscam silenciar a crítica pública’. A petição é assinada pelos advogados Luís Guilherme Vieira, Cláudio Pereira de Souza Neto, Antero Luiz Martins Cunha, Fernando Luís Coelho Antunes, Ana Carolina Soares e Luísa Capanema Vieira.
“Desde o início do atual governo, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública vem requisitando a abertura de inquéritos policiais para apurar publicações de jornalistas e outras manifestações públicas críticas. Em 2019 e 2020, já foram abertos 77 inquéritos, muitos com base na Lei de Segurança Nacional, mas muitos também com fundamento nos artigos 138 a 145 do Código Penal. Dispositivos oriundos de períodos de exceção voltam a servir de fundamento para a prática de atos lesivos aos preceitos fundamentais da liberdade de informação jornalística, da liberdade de expressão e da democracia”, registram.
A ABI ressalta que os inquéritos mencionados provavelmente serão arquivados, como aconteceu no caso do sociólogo e professor Tiago Costa Rodrigues, responsável por dois outdoors em Palmas (TO) que comparavam Bolsonaro a um ‘pequi roído’. No entanto, a entidade alerta que, tais investigações, ainda que sem viabilidade jurídica, ‘servem ao propósito ilícito de silenciar jornalistas e demais membros da sociedade civil, produzindo um efeito resfriador do debate público’.
“A instauração de inquéritos policiais, por si só, já desestimula gravemente o exercício da liberdade de expressão. É o que ora parecem esperar os governantes que, diante de críticas, contra-atacam com inquéritos policiais. Para jornalistas vinculados a grandes órgãos de imprensa, aptos a lhes prover defesa técnica eficaz, o ônus pode ser suportável. Para jornalistas independentes e vinculados a pequenos jornais eletrônicos, é insuportável, desproporcional”, registra a petição inicial.
A ABI ressalva, no entanto, que tal parâmetro não deve ser deve ser aplicado à hipótese de fabricação e propagação de fake news. “As fake news são concebidas com o propósito de ofender e atacar adversários. A propagação das notícias falsas é acelerada por meio do emprego de “robôs”, potencializando a tendência das próprias redes sociais de fomentar a transmissão exponencial de mensagens disruptivas. Tais condutas exibem a gravidade que legitima o acionamento do sistema de justiça criminal. O emprego do direito penal não viola, na hipótese, o princípio da proporcionalidade”, argumenta.
A entidade sustenta ainda que caso os pedidos sejam atendidos, os direitos da personalidade não ficarão desprotegidos, considerando que podem ser ajuizadas ações de direto de resposta ou de reparação de danos. Segundo a associação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos defende que quando há violação dos direitos da personalidade pelo exercício da liberdade de expressão, ‘a proteção deve ser cível, não criminal’.
“De acordo com o princípio da proporcionalidade, só é legítima restrição a direito fundamental quando não há outro meio menos gravoso para se alcançar a mesma finalidade. Na hipótese, não se justifica o acionamento do sistema de justiça criminal e a aplicação das sanções cominadas. A reparação de danos e o direito de resposta, institutos expressamente previstos no texto constitucional, são aptos a coibir o exercício abusivo da liberdade de expressão”, pondera a ABI na ação.
Confia a íntegra dos pedidos e artigos questionados pela ABI
Artigos 138 e 139 do Código Penal – calúnia e difamação – ‘estabelecer a interpretação segundo a qual, salvo na hipótese de fabricação e propagação sistemática de notícias falsas, é inconstitucional a incidência dos preceitos para coibir a publicação de informações quando o potencial ofendido for servidor público ou pessoa pública’;
Artigos 324 e 325 do Código Eleitoral – calúnia e difamação na propaganda eleitoral – ‘estabelecer a interpretação segundo a qual, salvo na hipótese de fabricação e propagação sistemática de notícias falsas, é inconstitucional a incidência dos preceitos para coibir a publicação de informações quando o potencial ofendido for candidato, servidor público ou pessoa pública’;
Artigo 138, §3º, II e III, do Código Penal – que dispõem sobre a não admissão de prova da verdade em casos envolvendo o presidente da República ou absolvição – suspensão de eficácia;
Artigo 139 do Código Penal – interpretação conforme a Constituição para admitir a exceção da verdade quando o ofendido for pessoa pública e a ofensa concernir a matéria de interesse público;
Artigo 141, I e II, do Código Penal – que tipifica crimes de honra contra o Presidente da República, chefe de governo estrangeiro ou funcionário público, em razão de suas funções – suspensão de eficácia;
Artigo 324 §2º, II e III, da Lei Eleitoral – que dispõem sobre a não admissão de prova da verdade em casos envolvendo o presidente da República ou absolvição – suspensão de eficácia;
Artigo 325 parágrafo único, da Lei Eleitoral – interpretação para admitir a exceção da verdade quando o ofendido for candidato ou pessoa pública e a ofensa concernir a matéria de interesse público;
Artigos 9º, III, 214, 215, 217, 218, 219 e 220 do Código Penal Militar – interpretação para declarar inconstitucional sua aplicação a condutas imputadas a civis, os quais devem ser julgados pela Justiça Comum, com base nas normas constantes do Código Penal, mesmo quando o ofendido é militar ou instituição militar
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