Começa terceira onda de covid em Manaus
Foto: Reprodução/ Metrópoles
Enquanto o Brasil registra aumento exponencial no número de casos, óbitos e internações por Covid-19, Manaus se encontra em uma situação bem diferente do restante do país: as taxas diminuíram. O estado do Amazonas, entretanto, já começou a se preparar para a terceira onda da pandemia. Os manauaras e os governantes locais não querem rever as imagens do sistema de saúde colapsado e famílias desesperadas tentando encontrar oxigênio.
O sinal de alerta, segundo o monitoramento do governo do estado, é o momento da pandemia da Europa, em que parte dos países apontam crescimento de casos da infecção e óbitos decorrentes da doença. Nas duas primeiras ondas, os números de picos da crise sanitária no continente europeu coincidiram com os do Amazonas.
“A Europa acaba sendo um espelho: quando agrava lá, a situação piora em Manaus, e a gente acaba sendo referência para todo o Brasil. É como se fosse um guia do que virá acontecer depois”, afirmou o governador do Amazonas, Wilson Lima, em live.
O desafio de distribuir as vacinas em um estado que tem dimensões continentais e muitas dificuldades de acesso em diversos municípios e o ritmo lento de imunização, agravado pela entrega picada de doses, são situações que podem contribuir para uma piora nos índices da doença.
Somado a isso, a flexibilização das medidas restritivas e o descuido da população em relação às regras também ajudam no aumento de casos. Segundo o governo do Amazonas, um novo surto está previsto em 60 dias.
De acordo com o diretor-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), Cristiano Fernandes, para saber se vai haver nova onda, a “matemática” é simples. “O vírus está circulando, e a dinâmica da doença está ligada diretamente ao comportamento das pessoas. As pessoas ficam mais expostas a partir do momento em que ignoram as medidas necessárias de restrição: evitar locais de aglomeração, usar a máscara, fazer higienização nas mãos. Se há aumento de exposição, aumenta-se o risco e os casos”, explicou
O governo do Amazonas elaborou um plano de contingência que se baseia em cenários epidemiológicos para ser adotado se houver aumento de casos e internações por causa da Covid-19.
O plano contém 10 eixos, que vão desde medidas de enfrentamento; detalhamento da rede de urgência e emergência; projeção de leitos clínicos e de UTI; fortalecimento do sistema primário, abastecimento de oxigênio, até ações de transferências interestaduais e intermunicipais e de comunicação.
Na projeção de leitos, foram construídos cinco cenários para estruturar a rede de atendimento hospitalar. Atualmente, o Amazonas se encontra na fase 3, com capacidade de 300 leitos de unidade terapia intensiva em Manaus.
No momento mais crítico da pandemia na região até agora, em janeiro de 2021, a projeção de leitos foi até a fase 5, no limite da capacidade, e foram criados 426 leitos de UTI, todos eles na capital, e mais de 2 mil leitos clínicos em todo o estado do Amazonas.
Em janeiro de 2021, o Amazonas viveu a pior fase desde o início da pandemia, em março. O sistema colapsou, inclusive com falta de oxigênio nas unidades hospitalares, o que afetou os pacientes que estavam internados em Manaus e também no interior, levando muitos deles a óbito.
Em 5 de abril, o governo do Amazonas se reuniu com a principal fornecedora de oxigênio, a empresa White Martins, com o objetivo de planejar eventuais novas necessidades extraordinárias de abastecimento.
Atualmente, a capacidade de produção de oxigênio das duas plantas da White Martins em Manaus é de 36 mil metros cúbicos por dia. Um número bem inferior aos 80 mil metros cúbicos por dia demandados no pico da segunda onda, em janeiro de 2021. No entanto, a empresa informou ao governo que tem à disposição um tanque com capacidade de armazenamento de 250 mil metros cúbicos.
Caso haja essa demanda maior, o governo conta ainda com o reforço de 38 usinas instaladas em toda a rede – capital e interior –, além de outras empresas menores, o que resulta em uma capacidade de produção diária de 60 mil metros cúbicos. Com a redução no número de internações, a necessidade atual é de 17 mil metros cúbicos diários.
Segundo o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, existe um sistema de monitoramento em fases que avalia passo a passo a quantidade de oxigênio existente nas unidades hospitalares.
“Quando verificarmos a tendência de crescimento, as fases do plano de contingência são acionadas. Quando falamos de falta de oxigênio, precisamos de pelo menos 30 dias para trazer a substância de fora do Brasil”, afirmou.
Em nota, a empresa White Martins enfatizou a obrigação do governo de comunicar formal e previamente as necessidades de acréscimo no fornecimento do produto, bem como a estimativa da demanda. “Isso porque compete às instituições de saúde públicas e privadas sinalizar qualquer incremento real ou potencial de volume de gases às empresas fornecedoras”, frisou o comunicado.
A maior esperança do Amazonas para vencer a pandemia é a vacinação. Até quarta-feira (14/4), foram imunizadas em Manaus 374.298 pessoas, o que equivale a 16% da população. Dados apontam que a cidade cumpriu a meta de vacinação, de 90%, em quase em todas as faixas etárias já abrangidas pela imunização. Somente a faixa de 60 a 64 anos ficou em 85%. Mesmo assim, um número considerado positivo e que dá muita esperança.
Em todo o Amazonas, conforme dados da Fundação de Vigilância em Saúde, 690.288 doses foram aplicadas, sendo 511.923 de primeira dose e 178.365 de segunda dose.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa), ampliar a cobertura é um grande desejo, no entanto, não depende somente da rede municipal, mas de disponibilidade de imunobiológicos enviados pelo Ministério da Saúde.
O diretor-presidente da FVS, Cristiano Fernandes, acredita que a nova onda não deve voltar com a mesma força, por causa da vacina. “Hoje, nós temos quase toda a população acima de 60 anos imunizada. Se eu falar que vai ser pior, estou desacreditando um dos maiores avanços desta pandemia: o desenvolvimento rápido de vacinas eficazes contra a Covid”, pontuou.
Segundo o médico infectologista Victor Hugo, uma ação intensa no sentido de imunizar os cidadãos pode reduzir a disseminação do vírus. “Em qualquer campanha de vacinação, o alvo é sempre 80% da população. Quando chegamos a esse patamar, conseguimos garantir aquilo que é conhecido como imunização de rebanho. A gente não consegue evitar 100% da doença, mas é possível diminuir muito a circulação e mutação do vírus”, afirmou.
O governo do estado informou que o Amazonas está na fase 4 da campanha de vacinação, que abrange as comunidades ribeirinhas. Essa etapa é a mais demorada, por causa do tempo de deslocamento para áreas de difícil acesso.
“Houve uma ‘desaceleração’, porque temos equipes vacinando nas áreas ribeirinhas, que são áreas mais remotas. Elas passam entre 15 e 20 dias nas calhas dos rios imunizando. A FVS só vai conseguir informação quando elas voltarem”, explicou o diretor-presidente da FVS-AM, Cristiano Fernandes.
Há dificuldades também com internet, o que atrasa a atualização do sistema, e com o método de distribuição fracionada do governo federal. Em razão do alto custo logístico, operacional e financeiro, alguns municípios preferem aguardar receber a totalidade de vacinas para a primeira e segunda doses antes de iniciarem a imunização em localidades mais distantes.
A Fundação de Vigilância em Saúde informou que já recebeu mais de 1,5 milhão de doses do imunizante – até o momento, a entidade já distribuiu 1 milhão e 70 mil doses para os municípios, e há mais de meio milhão de doses na fila para repasse.
De acordo com dados da FVS, os números atuais representam redução em relação ao pico da segunda onda. Em todo o mês de janeiro, foram confirmados 68.538 casos de Covid-19, enquanto março computou 34.123. A quantidade de óbitos também teve redução significativa. Em janeiro, o estado contabilizou 3.624; em março, despencou para 684 mortes, diminuição de 81,1% em relação ao primeiro mês de 2021.
Diante disso, o governo do Amazonas flexibilizou as medidas. A restrição de circulação de pessoas nas ruas, que chegou a valer das 19h às 6h, agora é de 0h as 6h. Os restaurantes podem funcionar num horário mais estendido, das 6h às 23h, com ocupação máxima de 50%. Balneários e flutuantes, muito comuns na região, podem funcionar das 7h às 16h. As escolas do ensino médio e cursos livres da rede particular têm o funcionamento facultativo.
“O governo está fazendo uma ação de flexibilização considerando a necessidade máxima de a economia girar, gerar emprego, renda, e colocar comida na mesa da população, mas é muito importante que a população entenda que voltar à normalidade como era antes, neste momento, ainda não é possível, precisamos tomar as medidas de precaução”, declarou o secretário de Saúde Marcellus Campelo.
No ranking de mortalidade no Brasil, o Amazonas é líder, com o dobro da média nacional de óbitos para cada 100 mil habitantes. O índice de mortes pela Covid-19 no estado é 294, enquanto a média nacional é 125.
Especialistas são categóricos ao afirmarem que a possibilidade da terceira onda é real. E reforçam que é necessário olhar para “gatilhos” que desencadearam a segunda onda, como a volta às aulas.
O biólogo e doutorando em ecologia Lucas Ferrante esclarece que crianças possuem carga viral igual à dos adultos, e o retorno precoce tende a aumentar o risco de infecção, se não for em um ambiente de controle. “Três semanas depois da volta das aulas do ensino fundamental, o número de casos dobrou. Isso é muito importante de ser observado”, sustentou, em audiência virtual que discutiu a pandemia, na Assembleia Legislativa do Amazonas.
Ferrante disse ainda que as projeções do modelo de estudos epidemiológicos Seir (Susceptíveis-Expostos-Infectados-Recuperados) apontam que Manaus poderá conviver diariamente com até 75 mil infectados em junho. Por essa razão, o doutorando sugere lockdown de 21 dias e a suspensão do retorno híbrido ou presencial até a imunização de 70% da população.
O pesquisador em saúde pública da Fiocruz Felipe Naveca destaca que o vírus continua endêmico no estado, e isso pode aumentar a chance de surgir nova variante. “Sempre haverá possibilidade, enquanto o vírus circular em grande quantidade, seja no Brasil ou em qualquer país”, concluiu.
Da mesma forma que autoridades procuram se precaver para a terceira onda, a população encontra nas recomendações básicas a proteção contra o novo coronavírus. É o caso do servidor público Israel Pinheiro, que segue todas as orientações, como usar máscara, usar álcool em gel e manter o distanciamento social, inclusive de parentes.
Mais do que ninguém, ele sabe que esses cuidados são essenciais para salvar vidas. O servidor público perdeu a esposa, Priscila Pinheiro, para a Covid-19 no início do ano. “No fim de dezembro, estávamos indo para o hospital cuidar da minha avó, que havia sofrido um acidente caseiro, e acredito que a gente tenha pegado Covid por tabela. No dia 10 de janeiro, a saturação da minha esposa caiu, e os médicos a encaminharam para a semi-UTI. Cinco dias depois, a Priscila seguiu para a UTI. A gente estava na esperança de ela sair, mas no dia 29 de janeiro minha minha mulher faleceu”, contou.
Israel observa que as pessoas têm ignorado muito as recomendações na retomada gradual do comércio na cidade. Ele enfatiza que todos devem redobrar os cuidados para não serem surpreendidos.
“A gente passou pela primeira onda tendo muitos cuidados, não saindo de casa, não saíamos além de supermercado, até familiares não estávamos visitando, a gente fazia tudo pela internet. Apesar de ter perdido minha esposa, esses cuidados evitaram bastante a contaminação de outras pessoas”, afirmou.
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