Diretor do Butantan acusa Bolsonaro de boicotar vacinas

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Foto: PABLO JACOB / Agência O Globo

Em depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que a vacinação poderia ter iniciado antes de 17 de janeiro e que há registros formais das ofertas de vacina ao governo federal. Para o médico, o Brasil poderia ter sido o primeiro país a vacinar sua população. O requerimento de convocação, assinado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), foi aprovado em sessão de quarta-feira.

— Poderíamos ter iniciado a vacinação antes do que começou? Já tínhamos as doses, já estavam disponíveis. E eu, muitas vezes, declarei em público que poderíamos ser o primeiro país a começar a vacinação — disse Dimas.

Randolfe perguntou quantas doses da CoronaVac o Brasil poderia ter caso o acordo de outubro com o Ministério da Saúde não tivesse sido desautorizado por Bolsonaro. Dimas disse que seria possível entregar 100 milhões de vacinas no primeiro semestre de 2021, suficiente para vacinar 50 milhões de pessoa com a primeira e a segundo dose.

— Mudou completamente o cronograma [a desautorização feita por Bolsonaro]. O cronograma seria outro. Poderia ser cumprido até maio, mas se tivesse a sinalização em outubro. Em janeiro havia escassez de insumos. E entramos em outra negociação. Se fosse firmado em outubro, teríamos 100 milhões de doses — disse Dimas.

Dimas afirmou que, em dezembro, havia 5,5 milhões de doses prontas e outras 4 milhões em processamento, mas ainda sem contrato com o ministério. A vacinação, porém, não poderia começar naquele momento, porque a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só viria em 17 de janeiro.

— Não houve mais progressos nessas tratativas até janeiro — disse Dimas, acrescentando:

— O contrato com a outra vacina, da AstraZeneca, foi feito em agosto. Esta só foi contratada em janeiro, seis meses depois da primeira oferta.Foram exibidos vídeos do presidente Jair Bolsonaro e do então secretário-executivo do Ministério da Saúde dizendo que não seriam compradas doses a CoronaVac.

— É simples assim, um manda e o outro obedece — ironizou o presidente da CPI, Omar Aziz.

Dimas avaliou que, para conter efetivamente a doença, não bastará a aplicação das duas doses, sendo necessário o reforço anual da vacina.

Ele voltou a citar a oferta de vacina que fez ao Ministério da Saúde em julho do ano passado que não foi respondida inicialmente: 60 milhões de doses para serem entregues no último trimestre do ano passado. No mês seguinte, solicitaram verbas do Ministério da Saúde para o estudo clínico e para reformar uma fábrica, o que foi negado. Só em outubro houve uma “sinalização positiva para que a vacina fosse incorporada”, e o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello anunciou a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac. Mas logo depois o presidente Jair Bolsonaro o desautorizou.

— Óbvio que isso causa uma frustração da nossa parte. Voltamos ao Butantan e continuamos o projeto. Mas aí já com algumas dificuldades. A inexistência de um contrato com o ministério, que é nosso único cliente, colocava uma incerteza em termos de financiamento. E já tínhamos contratado com a Sinovac uma parte importante do projeto — disse Dimas.

— Após o dia 20 de outubro, isso foi absolutamente interrompido. De fato, nunca recebi um ofício dizendo que a intenção de compra feita no dia 19 [de outubro] não era mais válida, mas na prática não houve consequência. A consequência foi no dia 7 de janeiro, e mesmo assim em detrimento de outras iniciativas que não eram certo. A houve a tentativa de trazer vacina da Índia, que não foi bem sucedida. Houve a dificuldade da própria AstraZeneca (que produz vacina em parceria com a Fiocruz). Naquele momento, a única vacina disponível era a do Butantan — disse Dimas.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), questionou com quem era feito os contatos entre o Butantan e o Ministério da Saúde.

— Era o secretário Arnaldo (Correia, titular da Secretaria de Vigilância em Saúde), que cuidava da parte de vacinas e quem o PNI está ligado. Nesse período, essas conversas ocorreram com muita frequência, inclusive com troca de mensagens com o secretário Arnaldo e isso foi feito até outubro — afirmou o diretor do Butantan.

Covas disse que há registros formais das respostas da pasta e que não sabe porque foram recusadas. Questionado pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se houve um questionamento formal do Ministério da Saúde sobre a eficácia ou qualidade da vacina, ele disse que não.

Ao responder pergunta do presidente da CPI, Dimas Covas diz que o governo federal não investiu nada no Butantan para o desenvolvimento a CoronaVac. Já a vacina da AstraZeneca, antes de ter registro na Anvisa, recebeu R$ 1,9 bilhão.

— Não colocou um real no Butantan? — questionou Omar.

— Não, senhor — respondeu Dimas.

— Quer dizer: coloca quase 2 bilhões numa vacina não aprovada pela Anvisa, e não coloca um real.

O senador Humberto Costa (PT-PE) classificou como “evidente má vontade, indiferença, omissão” os atrasos na compra de imunizantes e “o boicote e a sabotagem” do governo às medidas de prevenção, como o uso de máscara e o distanciamento social. Indagado se a imunidade de rebanho estaria por trás dessas ações, Covas respondeu:

— A tese da imunidade de rebanho já foi descartada há muito tempo. No começo da pandemia, alguns países da Europa chegaram a sugerir a questão da imunidade de rebanho, mas, naquele momento, ainda se sabia muito pouco sobre o custo da própria epidemia.

Indagado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) se promover aglomerações e não usar máscaras ajuda a aumentar o número de casos e mortes, Dimas disse que sim. Tasso então fez uma acusação a Bolsonaro, citando como exemplo o evento político no fim de semana no Rio de Janeiro que contou com a presença do presidente.

— Ele não disse isso. Eu que estou dizendo: o presidente da República está promovendo deliberadamente, com o acontecimento por exemplo do último domingo, o aumento do número de casos e consequentemente de óbitos — disse Tasso.

Dimas disse que o embaixador chinês já demonstrou descontentamento em relação a críticas feitas pelo governo brasileiro. Questionado se o laboratório Sinovac atrasou a entrega de insumos para a produção da CoronaVac pelo Instituto Butantan, ele afirmou:

— A Sinovac faz os pedidos de exportação, que são autorizadas pelo governo chinês. Pode chegar à produção de 200 milhões de doses ao mês. Não produz tudo isso, mas tem essa capacidade. Mas depende das autorizações.

O médico desmente a versão de Pazuello em relação ao posicionamento de Bolsonaro contra a compra da CoronaVac só ser “fala de internet” e que o presidente não interferiu na compra de imunizantes.

— Óbvio que isso causa uma frustração da nossa parte. Voltamos ao Butantan e continuamos o projeto. Mas aí já com algumas dificuldades. A inexistência de um contrato com o ministério, que é nosso único cliente, colocava uma incerteza em termos de financiamento. E já tínhamos contratado com a Sinovac uma parte importante do projeto — disse Dimas.

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) perguntou então se Dimas estava acusando o governo chinês de boicotar a entrega do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da vacina.

— Não diria boicotando. Diria, usando as palavras do embaixador chinês: olha, as manifestação que não são tão favoráveis à China causam problema no fornecimento. Quem solicitou um melhor relacionamento com a China foi o embaixador brasileiro, que foi pessoalmente tentar melhorar o relacionamento, e isso parece ter tido efeito, porque houve liberação do IFA, tanto da Butantan como da Fiocruz. Os dois estavam sendo morosamente tratados. Outros países não tiveram essa morosidade. Não digo que o governo chinês esteja boicotando — afirmou Dimas.

Com base no depoimento de Dimas, o senador de oposição Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou um requerimento para que o Ministério da Saúde e a Casa Civil da Presidência da Repúbica prestem todas as informações sobre a proposta de elaboração de uma medida provisória em 2020 para permitir a compra da CoronaVac. Também pediu dados sobre as duas solicitações de apoio técnico e financeiro feitas pelo Butantan ao Ministério da Saúde no ano passado. Uma delas para adaptar e ampliar a fábrica onde são produzidas as vacinas, e a outra para desenvolver os estudos clínicos da CoronaVac.

No requerimento, Randolfe destacou que Dimas “relatou que após reiteradas ofertas de vacinas contra Covid, em outubro de 2020 os interlocutores do Ministério da Saúde finalmente sinalizaram que poderia ser editada uma Medida Provisória para viabilizar a compra de doses da vacina Coronavac já em 2020. Entretanto, as negociações não prosperaram e a compra somente foi viabilizada em janeiro de 2021. O Sr. Dimas Covas também relatou que o Instituto solicitou apoio financeiro ao Ministério da Saúde para arcar com os custos dos testes e reformar uma fábrica. Além das negociações não prosperarem, a reiterada campanha do presidente da República contra a vacina Coronavac acabou por prejudicar a celeridade do desenvolvimento da fábrica e dos estudos clínicos.”

Em 21 outubro do ano passado, o presidente da República Jair Bolsonaro disse que mandou cancelar o protocolo de intenções de compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, anunciado no dia anterior pelo então ministro Eduardo Pazuello em uma reunião com governadores. No dia seguinte, Pazuello apareceu ao lado de Bolsonaro em uma transmissão ao vivo e disse que “um manda e o outro obedece”.

Em depoimento à CPI, Pazuello afirmou, no entanto, que o presidente nunca havia interferido na compra da Coronavac.

“Nunca o presidente da República me mandou desfazer qualquer contrato, qualquer acordo com o Butantan, em nenhuma vez. Eu gostaria de colocar aqui uma coisa aqui diretamente, ou por documento ou por qualquer um”, disse o ex-ministro.

Dimas disse que não recebeu ofício cancelando as negociações após as declarações de Bolsonaro em outubro, mas avaliou que, mesmo assim, houve prejuízo para a entrega de vacinas.

— Nunca recebi um ofício dizendo que a intenção de compra feita no dia 19 [de outubro] não era mais válida, mas na prática não houve consequência. A consequência foi no dia 7 de janeiro, e mesmo assim em detrimento de outras iniciativas que não eram certo. A houve a tentativa de trazer vacina da Índia, que não foi bem sucedida. Houve a dificuldade da própria AstraZeneca [que produz a vacina de Oxford em parceria com a Fiocruz]. Naquele momento, a única vacina disponível era do Butantan — disse o diretor do instituto.

O Globo