Associação de vítimas da covid vai à PGR contra Bolsonaro
Foto: Reprodução/ Internet
Em quarentena com Covid-19, a professora universitária Daniela Knauth, de 56 anos, não pôde acompanhar os últimos dias de vida de seu pai Nereu Luiz, 80, vítima da doença em março. Passados 11 dias, recém-recuperada da infecção, ela enfrentou novo luto pela morte da mãe Maristela Riva, 78, também em decorrência do coronavírus. O casal seria vacinado no mesmo mês em que foi hospitalizado. Agora, a acadêmica cobra a responsabilização de quem considera o principal culpado pela perda de seus pais: o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Integrante da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico), Daniela está entre as mais de 100 pessoas que endossaram uma representação criminal protocolada este mês na Procuradoria-Geral da República (PGR). No documento, em nome do presidente da associação, o grupo pede que o órgão ofereça denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Bolsonaro por sua gestão da pandemia.
Baseados em uma série de episódios protagonizados pelo presidente, os autores da representação requerem que o chefe do Executivo seja processado no âmbito criminal por crimes tipificados em cinco artigos do Código Penal. Eles citam o estímulo a aglomerações e ao tratamento precoce, a sabotagem à vacinação e a gestão autoritária do Ministério da Saúde. E afirmam que a postura de Bolsonaro “evidencia uma estratégia federal cruel e sangrenta de disseminação da Covid-19, perfazendo um ataque sem precedentes aos direitos humanos no Brasil”.
— O presidente é o responsável, tem que ser responsabilizado junto com o ministro da Saúde por esse genocídio. A gente não pode transferir essa culpa para os indivíduos quando a gente sabe que tem um responsável pela condução, pelas diretrizes e ações que devem ser feitas — afirmou Daniela em entrevista ao GLOBO.
Seus pais apresentaram os primeiros sintomas da Covid-19 no final de fevereiro. Em 3 de março, Nereu deu entrada em um hospital particular em Porto Alegre com quadro de pneumonia. Naquele dia, ele seria imunizado contra a doença. Portador de Parkinson e acometido por uma metástase, morreu no dia 19 daquele mês, longe das filhas e sem saber que sua esposa também estava internada na mesma unidade.
Em meio ao colapso do sistema de sáude na capital gaúcha, na ocasião com mais de 100% de ocupação das UTIs, Maristela conseguiu uma vaga em 8 de março, após desenvolver dores fortes no corpo e saturação baixa. Em andar diferente do marido, passou 22 dias internada — 16 deles intubada. Os médicos não conseguiram reverter o comprometimento pulmonar, e ela veio a óbito no dia 30.
Daniela, que testou positivo em 14 de março, passou duas semanas em isolamento. Lidou com calafrios, dor de garganta, febre e leve comprometimento pulmonar. O pior foi receber a notícia da morte do pai, sem poder estar ao seu lado ou se despedir. Nem velório houve. Recuperada, visitou sua mãe dois dias antes de ela também morrer.
— Não vi meu pai morto, mas eu vi minha mãe morta. Nossa vida mudou radicalmente no período de um mês. Éramos uma família muito unida, e de uma hora para outra perdi meus pais — dissse a professora. — É uma impotência muito grande. Eu estava com a saúde comprometida, não podia fazer nada. Não tem muito o que ser feito também. O pior é o isolamento, não poder abraçar ou estar com meus filhos, meu esposo, minha família. Fiquei sozinha enfrentando essa tristeza, sem poder me despedir.
No mês seguinte à perda dos pais, Daniela se deparou com uma notícia da criação de uma associação de familiares de vítimas da Covid-19 em Porto Alegre. De imediato, entrou em contato para fazer parte do grupo. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde pesquisa sobre a Aids, ela atribui o sucesso no enfrentamento à doença ao engajamento da sociedade civil organizada.
— A pandemia poderia ter sido controlada de maneira mais eficiente. A gente não teve nenhum estímulo, nenhuma campanha do governo federal para controle, uso de itens de proteção ou início precoce da vacinação. Meu pai internou no dia em que seria vacinado. Minha mãe já estava no hospital quando chegou a vez dela. Se a vacina tivesse chegado antes, eles com certeza não teriam morrido — disse Daniela. — Se eu tivesse perdido o meu pai para o câncer, seria uma coisa. Perdê-lo para a Covid dessa forma é desesperador.
Embora a ação tenha caráter coletivo, é o presidente da Avico, o advogado Gustavo Bernardes, quem assina o documento encaminhado à PGR. A associação, que já foi convidada para participar de audiência na Câmara dos Deputados, ainda conclui os trâmites para obter o CNPJ, imprescindível para representar junto ao órgão enquanto coletivo.
Fundada em 8 de abril, a Avico recebeu contato de centenas de familiares de vítimas da Covid-19 em busca de atendimento jurídico e psicológico. Segundo Bernardes, os parentes pediam providências para responsabilizar o presidente da República. A entidade já reúne mais de 100 associados e conta com uma lista de espera de quase 250 pessoas.
— Nós, familiares, desejamos que Bolsonaro seja exemplarmente punido por todas as sabotagens que ele fez, todas as fake news que passou, pelo incentivo para que pessoas tomassem medicamento sem eficácia — afirmou Bernardes. — Alguém é responsável por essas 500 mil mortes no país. E nós identificamos que essa pessoa é o presidente da República.
O advogado contraiu Covid-19 e foi internado em 23 de novembro do ano passado, depois de apresentar falta de ar e pressão no peito. Sem conseguir respirar, precisou ser intubado por 10 dias e só deixou o hospital em 20 de dezembro. Ainda desenvolveu o que os médicos chamam de “síndrome pós-Covid”, o que resultou em queda de cabelo, lapso de memória e palpitações. Algumas das sequelas persistem até hoje.
— Eu tive que me despedir da minha família por um tablet. Achei que ia morrer. Faria qualquer coisa para acabar com aquela falta de ar. Quando saí do hospital 27 dias depois, não reconhecia mais meu corpo, não reagia da mesma forma. Não sabia mais se estava sentindo mesmo ou se era psicológico.
Diante dos desdobramentos da CPI da Covid, que apura as ações e omissões do governo no combate à pandemia, Bernardes acredita que vai haver responsabilização do presidente. A representação protocolada na PGR, para ele, pode ser levada adiante. A Avico ainda pretende ingressar com outras ações para que a União indenize familiares de vítimas.
— Não acredito que qualquer autoridade queira ser conivente com o que está acontecendo. Talvez a maior tragédia que o Brasil já tenha passado. Os crimes são notórios e públicos. Qualquer autoridade que se silenciar sobre isso vai estar se somando ao presidente no banco dos réus.
A reportagem entrou em contato com o Planalto, mas não obteve retorno até esta publicação.
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