Receita suspeita de sonegação de líder do governo na Câmara
Foto: Mateus Bonomi
A Receita Federal acusa o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, de ter montado uma “engenharia” com empresas para simular operações financeiras e não ter comprovado a origem de depósitos bancários que somam R$ 2,2 milhões, de 2013 a 2015.
O fisco impôs ao parlamentar uma multa de 150% sobre o valor do imposto devido, índice que é aplicado em casos de sonegação, fraude ou conluio. A cobrança contra Barros, que inclui juros de mora, totaliza R$ 3,7 milhões.
A investigação da Receita levou à abertura de um inquérito pela Polícia Federal no qual se levantou a suspeita da prática de lavagem de dinheiro decorrente de corrupção, ante “o grande volume de valores não justificados, em sua maioria em espécie, depositados na conta corrente do investigado”.
Alvo da CPI da Covid em torno de compras de vacinas sob suspeitas, Barros nega ter cometido crimes e diz que é “mais uma vítima do ativismo político que imperou nos órgãos de fiscalização nesse período recente”, e afirma que a PF foi “induzida a erro pela Receita, que simulou uma situação contábil fictícia”.
O líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara passou a ser alvo da CPI após ter sido citado pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).
Em depoimento à comissão, Miranda e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo, afirmaram ter comunicado Bolsonaro sobre supostas irregularidades na compra da vacina Covaxin. Ao ouvir o alerta, o presidente teria atribuído o caso a Barros, segundo Miranda.
Posteriormente, também na CPI, o intermediário de vendas da empresa Davati Luiz Paulo Dominguetti confirmou relato feito em entrevista à Folha de que recebeu solicitação de propina de US$ 1 por dose de vacina do então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias.
Barros é apontado como um dos fiadores da nomeação de Dias ao cargo no ministério. O deputado federal nega.
Esse diretor, exonerado após a denúncia de propina, foi motivo de embate entre Bolsonaro e Pazuello em outubro de 2020. À época, Pazuello pediu a demissão de Dias da diretoria de logística do ministério, mas, por pressão política, o presidente barrou a exoneração.
A apuração da Receita sobre Barros começou em meados de 2018 e teve como base declarações de renda dele e informações fiscais de empresas das quais ele foi ou é sócio, relativas a 2013, 2014 e 2015.
Em 2013 e 2014, o deputado atuou como secretário de Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul do estado do Paraná, no governo Beto Richa (PSDB), e em 2015 estava no primeiro ano de seu quinto mandato como deputado federal.
Segundo a auditoria, na investigação foi constatada “a existência de empresas estruturadas e engendradas de tal forma a fugir da devida tributação de suas receitas, bem como mascarar e simular rendimentos para o contribuinte [Barros]”.
A fiscalização indicou que o deputado simulou empréstimos e recebimentos de valores a título de distribuição de lucros do caixa de empresas, mas essas companhias não tinham saldo para tais operações.
Também fez a acusação de que uma das firmas de Barros, a RC3, é de fachada, e foi constituída apenas para ter vantagens tributárias na compra de um imóvel.
De acordo com a apuração fiscal, foram identificados depósitos de origem não comprovada movimentados em contas bancárias de Barros e da RC3, que para a auditoria configuraram omissão de rendimentos.
Barros foi convocado a demonstrar a origem de cada recurso depositado ou creditado nas suas contas bancárias, mas segundo as autoridades fiscais o deputado “justificou apenas alguns depósitos, alegando serem provenientes de recursos existentes em caixa”, além de ter sugerido que a fiscalização requisitasse diretamente às instituições financeiras cópias dos documentos sobre as contas bancárias.
O fisco então pediu os dados oficiais das movimentações financeiras e, ao fim da investigação, indicou que a totalização dos depósitos de origem não comprovada atingiu R$ 2,2 milhões.
Foi lavrado então um auto de infração com imposição de multa de 150% sobre o imposto devido, taxa que é adotada em situações de sonegação, fraude ou conluio.
O deputado federal apresentou defesa para contestar a auditoria, e o caso foi para uma instância superior da Receita, a Delegacia de Julgamento em Porto Alegre.
Em julho do ano passado, a 8ª turma de julgamento do órgão, formada por três auditores, porém, decidiu não promover mudanças significativas na penalidade.
Os julgadores consideraram válidos os argumentos de Barros apenas em relação a um critério incorreto utilizado pela fiscalização para avaliar o saldo da conta caixa de uma das empresas, além de reconhecerem um erro de cálculo relativo a um dos meses investigados.
De acordo com a decisão, “ficou evidente a elaboração de uma verdadeira engenharia societária e consequentes fluxos contábeis simulados para dificultar a apuração dos rendimentos advindos das operações de responsabilidade do contribuinte [Barros]”.
O procedimento fiscal também levou a Polícia Federal a abrir um inquérito que passou a tramitar na 23ª Vara Federal de Curitiba em novembro passado.
Documentos do caso mostram que de início a PF considerou três linhas de apuração: uma de sonegação, outra de lavagem de dinheiro precedida de fraude fiscal e a uma terceira de lavagem de dinheiro proveniente de atos de corrupção.
De acordo com a autoridade policial, essa última hipótese de investigação teria como fundamento “o grande volume de valores não justificados, em sua maioria em espécie, depositados na conta corrente do investigado, que indicaria possível crime de corrupção, gerando delito antecedente do qual as fraudes feitas nas declarações seriam tentativa de tornar lícitos valores espúrios”.
Essa possibilidade levou o caso a ser encaminhado ao STF (Supremo Tribunal Federal). O processo foi distribuído ao ministro Luís Roberto Barroso.
Segundo despacho nesses autos, “a partir da análise da documentação relativa ao imposto de renda do deputado investigado, restou evidenciada dissonância entre a movimentação bancária e os rendimentos efetivamente declarados”.
O magistrado, todavia, decidiu em fevereiro deste ano que a investigação deveria retornar para a vara de Curitiba. Barroso justificou a medida sob o argumento de que à época não havia elementos que indicassem “a prática de supostos delitos cometidos em conexão com atual função exercida pelo investigado”.
O inquérito então retornou à capital paranaense em maio e tramita sob sigilo.
Procurado pela Folha, o deputado federal Ricardo Barros enviou nota na qual afirma que ele é “mais uma vítima do ativismo político que imperou nos órgãos de fiscalização nesse período recente. Condenaram e, após, elaboraram um relato para justificar a condenação”.
Quanto ao fato de a Polícia Federal ter levantado a hipótese de prática de lavagem de dinheiro decorrente de corrupção, Barros afirmou que a “autoridade policial está induzida a erro pela Receita, que simulou uma situação contábil fictícia. Por isso a conclusão equivocada no inquérito”.
Em relação à menção nos autos do STF sobre sua movimentação bancária, o congressista diz que o magistrado “também foi enganado pelo ativismo político da fiscalização, que questionada em sua conduta por mim na Corregedoria, reagiu produzindo um auto de infração desprovido de fundamento”.
De acordo com Barros, todas as empresas nas quais participa têm “objeto social claro e foram criadas para o exercício de atividades legais. Obtiveram e distribuíram lucros aos sócios, de forma clara e contabilizada regularmente nas empresas e na declaração de pessoa física do deputado”.
“A engenharia tributária utilizada pelo contribuinte é legal e reconhecida pelo Conselho de Contribuintes e validada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, segundo a nota.
Para Barros, os auditores refizeram os livros caixas das empresas das quais o deputado participa elaborando um demonstrativo com o objetivo de simular saldos credores de caixa que, a critério dos auditores, inviabilizariam a distribuição de lucros.
Essa “má técnica aplicada vem sendo derrubada nos julgamentos que já ocorreram e que ainda ocorrerão ainda na fase administrativa dos processos”, afirma o congressista.
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