Novo ministro do STF venceu gincana da bajulação
Foto: Reprodução/Uol
Bajular Jair Bolsonaro funciona? A questão ronda a cabeça dos pretendentes a ministro do Supremo Tribunal Federal desde o início do governo.
Apesar de nomes no Judiciário, Ministério Público e Poder Executivo terem se esfalfado para agradar o presidente da República na busca pelo Olimpo, paparicando-o à custa do interesse público, quem levou a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, no ano passado, foi J.Pinto Fernandes, transmutado na figura de Kassio Nunes Marques, que como bem disse Carlos Drummond de Andrade, não havia entrado na história.
Deve ter sido frustrante para outros candidatos – que tentaram cair nas graças de Jair Messias através de ações e declarações que protegiam os interesses dele, de sua família e de seus amigos – ver alguém que corria por fora levando a melhor.
Desta vez, Bolsonaro deve indicar à vaga o advogado-geral da União, André Mendonça, atendendo à sua promessa de escolher alguém “terrivelmente evangélico” para satisfazer sua base religiosa conservadora – uma das responsáveis por evitar que sua popularidade, em queda, desabe. Isso, claro, se não mudar de ideia na próxima semana e se o Senado Federal não rejeitar o nome.
Mendonça tem sido útil a Bolsonaro de uma forma torta. Acionou a Polícia Federal em diversas ocasiões para investigar críticos ao presidente com base na Lei de Segurança Nacional, um entulho da ditadura militar. Em sua breve passagem como ministro da Justiça, foi acusado de produzir um dossiê contra servidores públicos da segurança e professores universitários que eram contra o fascismo.
Os dois principais pretendentes à vaga que será aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, na semana que vem, aproveitaram o julgamento sobre a constitucionalidade dos decretos que fecharam templos e igrejas em meio à escalada da covid-19 para provar o seu valor a Jair no dia 7 de abril.
Não se importando com o constrangimento de transformar a tribuna do Supremo Tribunal Federal em púlpito de igreja, o advogado-geral da União, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, fizeram suas sustentações com a bíblia embaixo do braço.
“Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos, jamais, a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e culto. Que Deus nos abençoe e tenha piedade de nós”, disse André Mendonça.
Mendonça, que é pastor presbiteriano, ainda foi sommelier de fé ao usar a expressão “verdadeiros cristãos”. Séculos atrás, a Inquisição abraçou essa ideia e, bem, sabemos o que aconteceu. E a despeito de ele afirmar que as pessoas estão dispostas a morrer por sua fé, o problema é que, indo a essas aglomerações, fiéis se tornam vetores de transmissão. E acabaram, sim, matando por sua fé. Bolsonaro compartilhou a pregação de Mendonça nas redes sociais.
“A ciência salva vidas, a fé também. Fé e razão que estão em lados opostos no combate à pandemia nestes autos, caminham lado a lado, em defesa da vida e da dignidade humana”, afirmou o procurador-geral da República. “Não há oposição entre fé e razão. Onde a ciência não explica, a fé traz a justificativa que lhe é inerente. Inversamente, onde a ciência explica a fé também traz o seu contributo.”
O católico Augusto Aras trouxe a um debate constitucional o argumento de que a fé faz milagres e que o Estado é laico, mas as pessoas não.
A liberdade religiosa é um direito humano, tal como a saúde e a própria existência. Não são excludentes, mas possuem limites que precisam de acomodação caso a caso. E uma pandemia que matou mais de 525 mil é uma situação que leva à reacomodação desses limites. Tratar o culto presencial como direito absoluto foi retórica sem lastro.
Virou lugar comum afirmar que, em tempos como este, precisaríamos de um ministro do STF “terrivelmente democrático e republicano”. Mas é exatamente pelo fato de a escolha ter se transformado em uma “gincana da bajulação explícita”, em que a democracia e a República se dobram às necessidades de uma única família, é que vivemos tempos como este.
No fim, podemos sempre torcer por uma “traição” do indicado após chancelado pelo Senado, como aconteceu com outros ministros que ascenderam à corte. Muitos cruzam os dedos para que isso aconteça, inclusive ministros do Supremo.
A questão é que como Nunes Marques tem abraçado as necessidades do padrinho em votações de interesse dele, talvez o mais importante não seja a bajulação pregressa, mas a capacidade do postulante de convencer que não se tornará independente num futuro próximo.
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