Ciência não tem respostas sobre duração da vacina
Foto: Guilherme Dionízio/Estadão Conteúdo (22.jun.2021)
Desde o início das campanhas de vacinação no mundo, a comunidade científica global busca responder quanto tempo dura a proteção das vacinas disponíveis contra a Covid-19. Segundo especialistas consultados pela CNN, o desenvolvimento da imunidade é influenciado por diversos fatores e pode variar de uma pessoa para outra.
Além disso, a ausência de um teste específico que indique se uma pessoa está protegida também torna difícil estimar com precisão a duração da imunidade. No entanto, alguns estudos recentes fornecem algumas pistas.
A Pfizer divulgou um comunicado em que afirma, com base nos resultados dos estudos de fase três, que a eficácia de sua vacina é de pelo menos seis meses após a vacinação com a segunda dose.
Em entrevista à CNN, o coordenador do teste clínico da vacina no Brasil, Cristiano Zerbini, adiantou resultados de um estudo que será publicado no periódico científico New England Journal of Medicine.
Os resultados apontam que sete dias após a 2ª dose da vacina da Pfizer houve proteção de 95% a 100% contra a Covid-19. Depois de seis meses, a proteção se manteve em 100% em um grupo de pessoas, mas chegou a reduzir para 86% em outras, principalmente na América Latina, incluindo Brasil e Argentina.
“Notamos que há uma diminuição de 6% da efetividade a cada 2 meses”, disse Zerbini à CNN. A imunidade robusta da vacina da Pfizer também foi verificada em um estudo publicado na revista científica Nature.
Segundo um estudo realizado pela Universidade de Oxford, os níveis de anticorpos induzidos por uma única dose da vacina da AstraZeneca diminuem gradualmente, mas permanecem elevados por pelo menos um ano. A pesquisa não avaliou a duração da proteção após a segunda dose.
A farmacêutica Janssen divulgou que seu imunizante de dose única gera uma forte resposta de anticorpos neutralizantes que não diminuem com o tempo. Os estudos consideram um prazo de oito meses e também avaliam a ação das células do sistema imunológico.
Um dos estudos mais recentes sobre a Coronavac, publicado no New England Journal of Medicine, destaca que a vacina alcançou uma efetividade de cerca de 86% no Chile. Apesar dos dados positivos, a pesquisa não indica a persistência de anticorpos ou da ação de células de defesa ao longo do tempo.
O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Fonseca, explica que há uma diferença entre dose de reforço e terceira dose. “A terceira dose acrescenta uma dose aos protocolos atuais. Para uma vacina funcionar, você tomaria a primeira, segunda e terceira doses. Isso é diferente de uma dose reforço, que é dada depois de algum tempo, como acontece por exemplo com a febre amarela ou a tríplice viral. Essa dose é dada depois de algum tempo para compensar a queda da resposta imune”, diz.
Segundo os especialistas, ainda são necessárias evidências científicas para determinar a necessidade de uma terceira dose das vacinas contra a Covid-19. “A resposta que temos com base nos estudos publicados é que os protocolos incluem duas doses, com exceção da vacina da Janssen, que é de dose única. Portanto, uma terceira dose não é necessária para que sejam conferidas as respostas protetoras garantidas em bula”, afirma Flávio.
A opinião também é compartilhada pelo presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), João Viola. “Não há nada concreto sobre a terceira dose ser importante ou não. Se isso realmente vai aumentar a imunidade e trazer uma eficácia maior do que a que já temos nesse momento e prolongar a resposta imune, ainda não está certo”, complementa.
O especialista defende a prioridade da imunização da população com as duas doses. “Nesse momento, eu diria que é muito mais necessário usar as doses que temos para completar mais rapidamente a imunização da população. Ainda temos uma baixa cobertura nacional”, diz.
Em relação à variante Delta, os especialistas afirmam que, apesar de uma certa resistência, a linhagem ainda é suficientemente sensível às duas doses dos imunizantes. “A variante Delta não é motivo para aplicação de uma terceira dose. São mais especulações do que conclusões baseadas em evidências”, diz Flávio.
Nesta segunda-feira (19), a Pfizer inicia um estudo com mais de 10 mil voluntários pelo mundo com a aplicação de uma dose de reforço. No Brasil, 885 pessoas participarão dos testes. Os voluntários serão acompanhados por um ano, e em até dois meses os pesquisadores devem ter uma análise preliminar que mostrará os efeitos da dose de reforço. “Vamos esperar os resultados da ciência antes de querer tomar a terceira dose e misturar vacinas”, disse o coordenador do teste clínico da vacina no Brasil, Cristiano Zerbini.
O Governo de São Paulo anunciou, nesta segunda-feira, que vai iniciar uma nova campanha de vacinação contra a Covid-19 em 17 de janeiro de 2022. Segundo o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn, não há um estudo que comprove a necessidade de uma terceira dose. “Isto não é reforço, isto é uma necessidade que nós temos de estar sempre anualmente fazendo uma proteção”, afirmou, em entrevista coletiva.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou nesta segunda-feira a realização de um estudo clínico para avaliar a segurança, a eficácia e a imunogenicidade de uma terceira dose da vacina da AstraZeneca em participantes do estudo inicial que já haviam recebido as duas doses do imunizante, com um intervalo de quatro semanas entre as aplicações.
A indução da resposta imune pode ser feita por diferentes metodologias. As vacinas consideradas clássicas, como a Coronavac, utilizam o vírus inativado ou atenuado, incapaz de se replicar. Outro tipo de tecnologia é utilizado para as vacinas genéticas, como a da Pfizer, que utiliza o material genético do novo coronavírus, e da AstraZeneca e da Janssen, que utilizam um vírus enfraquecido para transportar os genes virais para dentro das células, desencadeando a resposta imune.
Segundo os especialistas, a geração da imunidade contra a Covid-19 é um processo complexo, que envolve diferentes estruturas do organismo. O principal alvo dos estudos de eficácia das vacinas são os anticorpos neutralizantes, capazes de bloquear a entrada do vírus nas células humanas.
No entanto, os especialistas afirmam que não é possível estimar a proteção de uma pessoa vacinada somente a partir da avaliação da presença de anticorpos neutralizantes. O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Fonseca, explica que a proteção contra a doença também envolve a resposta celular, que consiste na ativação de outras células do sistema imunológico.
Dessa forma, ainda que uma pessoa não tenha desenvolvido uma grande quantidade de anticorpos neutralizantes, é possível que ela esteja protegida pela ação das outras células de defesa do organismo.
Nível de imunidade pode ser influenciado por diversos fatores
Apesar das diferenças de tecnologia, todas as vacinas disponíveis no Brasil são seguras e eficazes. No entanto, uma série de fatores do organismo podem influenciar a potência e a duração da resposta imunológica.
O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia explica que a resposta imunológica pode ser menos eficaz em pessoas que fazem parte dos extremos de idade, como idosos e crianças abaixo de cinco anos. A resposta imunológica também pode ser mais baixa em pessoas que apresentam algum tipo de alteração na imunidade, como pacientes com câncer e doenças autoimunes.
Cientistas buscam teste que indique a proteção após a vacinação
O pesquisador Jorge Kalil Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), destaca que o conhecimento sobre a imunidade em relação à Covid-19 é dinâmico e tem sido ampliado ao longo da pandemia.
“No início da pandemia, eu dizia que quem teve a doença estava protegido. Como não havia variantes, as pessoas que já tinham tido a doença montavam uma resposta protetiva que se mantinha. As reinfecções surgiram com as variantes”, afirma.
Segundo Kalil, até o momento, não há um teste específico que permita confirmar o nível de proteção de uma pessoa vacinada contra a Covid-19.
Avaliação da duração da imunidade requer tempo
A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, explica que além dos testes laboratoriais, a eficácia e a duração da imunidade induzida pelas vacinas podem ser avaliadas em estudos de efetividade, que fazem o acompanhamento de grandes populações vacinadas.
Segundo Mônica, cada laboratório produtor de vacina desenvolve uma metodologia própria de quantificação de anticorpos e da ativação da resposta celular. Por isso, não é possível comparar os números de anticorpos dos estudos entre imunizantes diferentes. “O mais importante é comparar os vacinados com os não vacinados e ver os números de casos entre os que receberam ou não a vacina”, explica.
A especialista diz que o tempo de aplicação das vacinas contra a Covid-19 no mundo é relativamente curto, o que limita a resposta com base em evidências sobre a duração da imunidade.
As vacinas contra a Covid-19 são desenvolvidas a partir de diferentes tecnologias, mas todas têm o objetivo comum de induzir a resposta imunológica, que envolve a produção de anticorpos neutralizantes contra o SARS-CoV-2, vírus causador da doença, e a ativação de células de defesa do organismo. Os imunizantes oferecem proteção, porque previnem a doença, especialmente nas formas graves, reduzindo as chances de morte e internações.
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