Militares se desentendem por mais vantagens
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Na visão dos dirigentes de várias associações de militares graduados da reserva, a Reforma da Previdência impôs grandes prejuízos a essa parcela das Forças Armadas, enquanto os oficiais superiores tiveram seus proventos aumentados.
Na época da aprovação do texto, em outubro de 2019, representantes dessas entidades foram em vão ao Congresso tentar evitar o que consideravam prejuízos. Agora, dois anos depois da mobilização, a AGU (Advocacia-Geral da União) recorre à Justiça Militar para que algumas dessas associações sejam punidas, inclusive com fechamento.
“Bolsonaro sempre se elegeu defendendo o direito dos militares de baixa patente e, agora que é presidente, seu governo quer punir as associações que representam justamente esse grupo”, lamenta Adão Farias, sargento da Aeronáutica da reserva e diretor da Amiga (Associação de Militares Inativos de Guaratinguetá e Adjacências), um dos alvos da AGU.
Para Farias, a iniciativa se assemelha a ações do regime militar, que em 1964 determinou o fechamento de associações que reivindicavam os direitos dos cabos e soldados.
Em documento à Procuradoria-Geral de Justiça Militar, a AGU acusou sete entidades de “desenvolvimento de atividades típicas de sindicato”, algo que é vedado por lei. A partir daí, o Ministério Público Militar determinou a abertura de IPM (Inquérito Policial Militar) para apurar o fato.
Em ao menos um caso, o órgão dirigido por André Mendonça foi mais longe: posicionou-se diretamente à Receita Federal pela “ilegalidade” e “inconstitucionalidade” da Amfaesp (Associação de Militares das Forças Armadas do Estado de São Paulo). A Receita acatou a reclamação e anulou o CNPJ da entidade, sem passar por processo judicial (veja o documento abaixo).
“Não tivemos oportunidade de defesa, não sei como isso ocorreu”, reclama Calebe Almeida de Jesus, presidente da Amfaesp. “Na quarta-feira [21], chegou um aviso pelo correio, um absurdo.”
“É represália pela mobilização, que aconteceu em outubro de 2019, quando as associações agiram estritamente dentro da lei”, avalia Adão Faria. “O único objetivo dessa mobilização foi dar informações aos parlamentares que estavam votando a lei sobre os prejuízos que seriam causados para uma parcela dos praças e oficiais de baixa patente.”
Os graduados reclamam do texto que privilegiou os oficiais superiores, enquanto eles tiveram reduzidos os valores de adicionais de disponibilidade (ganho pelo fato de o militar ser obrigado a ficar completamente disponível para a força) e habilitação (recebido de acordo com os cursos feitos por cada um). Pensionistas também foram muito prejudicadas, avaliam.
“Eles deixaram passar o tempo para fazer a represália”, protesta Faria. “O objetivo é cancelar o CNPJ das entidades, como fizeram com a Amfaesp.”
Documento do Ministério Público Militar ao qual a coluna teve acesso, datado de 10 de junho, determina ao comandante da 2ª Região Militar que instaure IPM para “apurar notícia da eventual prática de crimes militares”, em razão de notícia encaminhada pela AGU.
“A atuação de entidades representativas de militares poderia estar relacionada à prática de crimes contra a autoridade militar, a exemplo do delito de incitamento […] sem prejuízo de outros eventuais delitos”, diz o texto.
Uma das entidades citadas é o Instituto Brasileiro de Análise de Legislações Militares. “A AGU mandou o documento para o Ministério Público Militar que não é parte legítima, além disso abriram inquérito sem ter fato específico, sem acusação determinada”, critica o advogado Cláudio Lino, presidente do instituto.
“É absurdo que André Mendonça, que deve ir para o Supremo Tribunal Federal, se permita ser usado pelo governo para uma vingança. Esse inquérito é totalmente ilegítimo.”
Diretor de comunicação da Federação Nacional dos Graduados Inativos das Forças Armadas, Márcio Rodrigues diz que alguns colegas temem que, depois de investir contra associações, o governo reprima os indivíduos.
“É uma ação persecutória, de cerceamento de manifestação política”, diz Rodrigues. “Se manifestar politicamente não constitui ato sindical. Basta ver que o Clube Militar constantemente emite notas políticas, inclusive contra a democracia, e a AGU nunca tomou uma medida.”
A coluna enviou e-mails à assessoria de comunicação da Advocacia-Geral da União, mas não obteve respostas. Assim que forem enviadas, serão publicadas nesse espaço.
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