Jefferson e Silveira podem ser beneficiados pelo fim da LSN
Foto: Gabriela Biló/Estadão – 16/06/2020
Um bolsonarista-raiz, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi preso por insultar e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), deve estar entre os primeiros beneficiados do fim próximo da Lei de Segurança Nacional. A mesma ironia envolve a situação do presidente do PTB, Roberto Jefferson, detido e enquadrado na LSN, entre outros crimes, na última sexta-feira, após postar vídeos incitando atos de violência.
A revogação da norma também poderá beneficiar opositores do presidente Jair Bolsonaro, como o petista Rodrigo Pilha, preso em Brasília após divulgar faixa chamando-o de “genocida” por causa das mortes provocadas pela covid-19 no Brasil. Além de enquadrado na LSN, ficou quatro meses preso por crime comum.
Advogados de réus processados sob a velha lei esperam que Bolsonaro sancione o texto aprovado pelo Congresso para recorrer à Justiça em favor de seus clientes. Em tese, crimes enquadrados na norma antiga que não tenham sido acolhidos na nova tipificação, a ser incorporada ao Código Penal, deixarão de existir. Isso possibilitará a extinção de acusações. Pela Constituição, não há delito sem norma legal prévia que o tipifique. O presidente tem o poder legal de vetar a mudança, mas, se o fizer, prejudicará também aliados.
“Estamos preparados para essa nova roupagem dos crimes que dizem respeito à Segurança Nacional e, após um estudo, verificamos que nenhum deles alcança o deputado”, diz o advogado Jean Cleber Garcia, que defende Silveira. “Tão logo seja sancionada, vamos estudar os recursos cabíveis.”
No lugar da LSN, os parlamentares incluíram no Código Penal (CP) artigos que determinam crimes contra o estado democrático de direito. O objetivo é proteger a democracia e não deixar impunes ataques ao regime democrático.
A proposição com as duas iniciativas – revogação da velha lei e criação dos novos crimes no CP – foi votada pela Câmara dos Deputados, em maio, e pelo Senado na semana passada. Os novos artigos do Código Penal incluem os crimes de atentado à soberania; atentado à integridade nacional; golpe de Estado; espionagem; abolição violenta do estado democrático de direito; interrupção do processo eleitoral; comunicação enganosa em massa; violência política; sabotagem e atentado ao direito de manifestação.
Como mostrou o Estadão, o número de procedimentos abertos no governo Bolsonaro com base na legislação pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos da gestão em comparação ao mesmo período dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Entre 2015 e 2016 foram 20 inquéritos instaurados, enquanto entre 2019 e 2020, foram 77.
Um dos símbolos do recente uso da LSN foi a prisão de Rodrigo Pilha. Militante petista, ele foi detido em março, em Brasília. Após enquadrá-lo na LSN, agentes recorreram a um antigo processo por desacato ao qual o militante respondia. Essa acusação, por um crime comum, o deixou na prisão por cerca de quatro meses. Hoje, ele cumpre regime aberto, conquistado após uma greve de fome.
O deputado federal e advogado Alencar Santana (PT-SP), defensor de Pilha, reconhece que o caso do seu cliente é mais complexo, por envolver outra acusação, fora da LSN. “Sem dúvida alguma, o Pilha é o símbolo mais forte desses abusos (da LSN)”, disse. “Policiais tentaram coibir seu direito de manifestação.”
Outro possível beneficiado pela mudança é João Reginaldo da Silva Júnior, de 24 anos. Ele foi preso em flagrante pela Polícia Militar de Minas Gerais após fazer um tuíte no qual “convocava”, em tom de brincadeira, outros moradores de Uberlândia para agir contra o presidente: “Gente, Bolsonaro em Udia (Uberlândia) amanhã… Alguém fecha virar herói nacional?”.
Caberá ao juiz de cada processo específico avaliar se um acusado com base na LSN vai ser beneficiado pela revogação (que ainda depende da sanção presidencial) e se livrar da acusação. Salo de Carvalho, professor de Direito Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que, nos casos de revogação total da lei que embasava a punição ou na ocorrência de alterações que possam favorecer o réu, costuma-se aplicar a nova lei. “São mantidos, porém, os efeitos penais nos casos em que a conduta incriminada e a pena permanecem idênticas. Por isso, será o juiz de cada caso que fará esse juízo do novo texto legal”, disse.
Assim, uma pessoa punida por alguma atitude que agora está prevista de forma idêntica na nova norma legal pode ter a pena mantida pelo juiz. Isso vai acontecer se o magistrado entender que a justificativa para a decisão anterior se mantém.
A norma em vias de acabar é resquício da Doutrina de Segurança Nacional originária dos EUA, no início da Guerra Fria, e regeu as ditaduras do Brasil e todo o Cone Sul nos anos 1960, 70 e 80. O texto era a última versão da regra, de 1983. Foi editado ainda no governo de João Figueiredo, o último da ditadura militar. A LSN perdeu relevância após a volta do regime democrático e a promulgação da Constituição de 1988, mas ganhou destaque novamente no governo Bolsonaro.
“A revogação foi muito importante, porque, após 30 anos da publicação da Constituição Federal, o Brasil finalmente superou o modelo autoritário de segurança nacional, com a adoção do modelo de proteção e defesa das instituições democráticas”, diz Alexandre Wunderlich, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “Demorou muito mais do que era possível e esperado, por ineficiência do sistema legislativo.”
Bolsonaro tem direito a vetar a decisão do Congresso, mas a última palavra será dos deputados e senadores, que podem derrubar um eventual veto do presidente.
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