Ameaças de Bolsonaro estão destruindo a economia

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Foto: ShutterStock; Fátima Meira/Futura Press/.

Uma lei não escrita da política estabelece que, numa democracia, um chefe de governo só alcança reeleição se a economia vai bem. É um pressuposto de obviedade cristalina, uma vez que o ambiente de estabilidade econômica e negócios vibrante reflete diretamente no bem-estar da população. Sob esse ponto de vista, se as eleições fossem hoje, o presidente Jair Bolsonaro teria imensa dificuldade em sair vencedor — e boa parte do problema em decorrência de suas próprias escolhas. Na quarta 1º, o IBGE divulgou os resultados do produto interno bruto relativo ao segundo trimestre. Depois de registrar crescimento nos três trimestres anteriores, os números revelaram uma queda de 0,1% no total de riquezas e serviços produzidos no país. A estagnação, que frustrou tanto as expectativas do governo como de bancos e entidades financeiras, diz respeito basicamente à atrapalhada condução inicial do processo de vacinação contra a Covid-19 e, principalmente, aos contínuos conflitos criados pela mais alta autoridade do país, que resultaram numa drástica redução nos investimentos.

Nas últimas semanas, Bolsonaro vem promovendo uma escalada cada vez mais agressiva — e incompreensível — de provocações institucionais. Contestou, sem apresentar provas, a segurança das urnas eletrônicas que o elegeram. Depois, no começo de agosto, no dia em que o Congresso discutia uma possível volta do voto impresso, fez tanques de guerra desfilarem na Esplanada dos Ministérios. Ato contínuo, desferiu ataques, xingamentos e ameaças ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que defendia a lisura das urnas eletrônicas. Ainda pediu o impeachment de outro nome do STF, Alexandre de Moraes, que concentra processos sobre fake news e atos antidemocráticos, os quais afetam os aliados do presidente e que levaram à prisão de Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB. E, como ápice desse processo de esticar a corda ao máximo, Bolsonaro se dedica a insuflar os ânimos dos radicais de sua base de apoio para uma série de manifestações no dia 7 de setembro a seu favor, e contra o que considera excessos do STF.

Tais investidas podem até colher louros entre seus apoiadores mais radicais nas redes sociais, mas, no mundo real, elas têm um efeito devastador nos fundamentos econômicos que o próprio Bolsonaro deveria zelar. Nada incomoda mais investidores, empresários e executivos de grandes empresas do que as instabilidades e incertezas. São elas que tornam mais desfavorável a relação de risco e benefício para a realização de qualquer negócio. Menos investimentos significam menos empregos — e, obviamente, mais eleitores insatisfeitos. “Disputar e ganhar eleição é uma coisa. Governar um país da complexidade do Brasil é outra muito diferente. Cedo ou tarde, os que assumem o cargo acabam se dando conta disso”, disse a VEJA o economista Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda. “Apesar de ameaçadores, os gestos e as falas do presidente não devem levar à ruptura institucional. Mas certamente prestam um desserviço à economia ao elevar ainda mais os riscos hoje existentes e as incertezas projetadas para os doze meses à frente, já que o presidente deixa claro que não pretende mudar sua estratégia.”

Baseado em conspirações e fantasias delirantes, o comportamento incendiário de Bolsonaro é especialmente prejudicial quando se leva em conta que há muitos problemas reais sobre os quais ele deveria se debruçar. Na divulgação do PIB do segundo trimestre, por exemplo, diversos dados demonstram que a retomada econômica tem sido bastante turbulenta. Mesmo com a volta do auxílio emergencial, para enfrentar o recrudescimento da segunda onda de Covid-19, o consumo das famílias ficou estável, e a indústria, que vinha ajudando a manter o dinamismo da economia no primeiro ano de pandemia, apresentou queda de 0,2%. Mas nada preocupa mais do que a forte baixa de 3,6% nos investimentos diante do primeiro trimestre. “O país está repleto de oportunidades que não são aproveitadas em função deste cenário de instabilidade institucional. É um diagnóstico que vem se agravando, a tensão aumenta e o quadro se deteriora. É muito difícil elencar todos os possíveis caminhos a partir da situação atual do Brasil”, analisa Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos. “O governo não vai bem na gestão e, sobretudo, no que diz respeito às qualidades institucionais do país. Por esse prisma, estamos mal.”

De fato, desde que o presidente intensificou suas investidas contra o Poder Judiciário, a instabilidade cobra o seu preço na economia. O custo Bolsonaro fica especialmente claro na cotação do dólar. Em junho, pela primeira vez desde a disparada registrada no começo da pandemia, a moeda americana variou abaixo dos 5 reais. Era um movimento que refletia o aumento gradual da taxa de juros, definida pelo Banco Central, medida que tem potencial para atrair recursos estrangeiros. No entanto, o fenômeno de baixa do dólar foi bruscamente interrompido, no mesmo momento em que os impropérios presidenciais subiram de tom, levando a moeda americana a superar os 5,45 reais. Segundo as contas do economista Livio Ribeiro, do FGV-Ibre, o Instituto Brasileiro de Economia ligado à Fundação Getulio Vargas, e um dos maiores especialistas em câmbio do país, as condições econômicas permitiam uma cotação em torno dos 4,20 reais. Estes cerca de 30% a mais no valor da moeda americana ficariam na conta da bagunça institucional brasileira causada por Bolsonaro, tornada mais aguda ao andar em paralelo com as expectativas de uma desaceleração da economia chinesa e aumento dos juros no Estados Unidos. No primeiro dia de setembro, mesmo com a melhora do humor quanto ao cenário externo, a cotação do dólar ainda estava em 5,15 reais. “Muitos exportadores estão vendendo os produtos e, ao invés de trazer o dólar para o país, estão deixando-o fora. Isso pode ser um indicador de incerteza”, conta Fabio Akira, economista-chefe da gestora BlueLine e ex-chefe de cobertura do setor público no JPMorgan Chase.

Uma moeda desvalorizada não significa apenas impacto em transações internacionais ou para aqueles que já podem viajar ao exterior. Ela encarece os insumos para produção e os preços das commodities cotadas lá fora. Evidentemente, esses preços acabam sendo repassados para toda a economia e contribuem para a forte alta da inflação, com previsão de fechar o ano em 7,27%, segundo a mediana de projeção dos economistas. Um mês atrás, a alta estimada era de 6,79%. Ou seja, o custo Bolsonaro começa no dólar e deságua na inflação — duas pancadas sem dó no bolso da maioria dos brasileiros.

Outros fatores também impactam nas expectativas inflacionárias. Por exemplo, o agravamento da crise hídrica, em razão de questões ambientais, causa o aumento do preço da energia elétrica. E, claro, aumentos do petróleo e dos alimentos ocorreram no mundo todo. Mas a crise inflacionária poderia ser menos severa em outro contexto político. Por exemplo, se a cotação do petróleo do tipo Brent, que serve como referência internacional para o custo dos combustíveis, avança hoje além dos 70 dólares, ela valia mais de 100 dólares em 2014. Bolsonaro costuma responsabilizar os governadores pelo fato de a gasolina estar rondado os 7 reais por litro em alguns estados. Segundo ele, seria culpa do ICMS. No entanto, não foi o imposto estadual que andou variando nos últimos tempos, mas, sim, o dólar, que em 2014 estava na casa dos 3 reais. Ou seja, se o imposto permanece estável e o preço internacional do petróleo já foi maior, são suas ações erráticas que explicam o preço recorde da gasolina.

A sensação de dificuldades econômicas para a população, porém, não vem apenas da inflação e do dólar, mas também do elevado nível de desemprego que afeta o país. Mesmo com o aumento de 2,1% de empregos com carteira assinada no setor privado no segundo trimestre, o Brasil ainda convive com um contingente de 14,4 milhões de desempregados, o equivalente a 14,1% dos habitantes. E, no fim de junho, o número de brasileiros ocupados somava 87,8 milhões de pessoas. Isso significa que mais da metade da população em idade para trabalhar, exatos 50,4%, estava desempregada ou desalentada. Provavelmente, tal contingente de brasileiros estaria mais satisfeito vendo o chefe da nação liderando grupos de trabalho para o enfrentamento das crises sanitárias, do desemprego e energética do que organizando motociatas eleitoreiras — até mesmo em dias úteis. “O país, dessa forma, não cresce. As perspectivas razoáveis são destruídas pelo comportamento errático do presidente, que anda de motocicleta. Ele é um provocador que não ajuda a restabelecer o equilíbrio”, afirma Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda.

Tamanha dissociação entre as preocupações dos eleitores e do mandatário explica o porquê de, em apenas um mês, a avaliação negativa de sua gestão ter subido de 44% a 48%, segundo pesquisa da Quaest Consultoria. Para 21% dos entrevistados, a economia é o principal problema do país, atrás apenas da pandemia, que preocupa 28% dos respondentes. Em julho, a questão era citada apenas por 10% das pessoas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e políticos aliados, como o presidente da Câmara, Arthur Lira, avisam continuamente o presidente de que a economia deveria ser a sua prioridade, se ele deseja tanto uma reeleição. Mas os sábios conselhos são continuamente ignorados. “Presidente não fala, se pronuncia. Toda e qualquer declaração de um presidente faz a agenda do país. Bolsonaro precisa tomar muito cuidado quando fala. É importante que todos os seus pronunciamentos e demais autoridades sejam na linha da conciliação, o que pede a Constituição. Qualquer frase mais pesada cria problemas e impactos econômicos”, explica o antecessor de Bolsonaro no cargo, Michel Temer. “Em matéria de governo, não existe não voltar atrás. É necessário decidir em nome do povo para o povo”, diz o ex-presidente, que também tentou aconselhar Bolsonaro a aliviar a tensão e encerrar os embates.

Convulsionado por turbulências estéreis, o país está perdendo uma janela de oportunidade que pode se fechar rapidamente. Apesar das dificuldades, o mercado doméstico se mostra resiliente, como prova o recorde de arrecadação de impostos para o mês de julho. Já a reativação sincronizada de economias de todo o mundo no arrefecimento da pandemia incentivou as exportações brasileiras — principalmente para a China. Ao mesmo tempo que isso acontecia, os estímulos econômicos adotados mundo afora criaram um excesso de capital global em busca de ativos de países em desenvolvimento, como as ações de empresas brasileiras. No entanto, tamanha bonança pode estar chegando ao fim com a perspectiva de mudanças no cenário internacional, caso aconteça uma desaceleração chinesa e o aumento dos juros nos Estados Unidos. “O próximo ano será desafiador. O ambiente externo poderá não ser mais tão favorável. Pela minha experiência, nunca vi os juros americanos subirem e o Brasil ganhar com isso”, avalia Ilan Goldfajn, ex-presidente do BC e atual presidente do conselho de administração do Credit Suisse no Brasil. “Aquilo que os economistas chamam de tempestade perfeita é algo muito mais frequente do que se gostaria que fosse. Um fator prejudicial sempre acaba reforçando outro.”

No caso do Brasil, uma piora do ambiente externo casada com a alta inflação e a perda de popularidade do presidente em ano eleitoral podem significar uma pressão maior nas contas públicas. O mercado financeiro teme que a situação fiscal piore caso o governo acredite que só vai ganhar a eleição se conseguir recuperar a economia à força por meio de gastos públicos, algo que assusta investidores. “Uma das grandes lições não aprendidas pela nossa classe política é que tentativas de aumentar gastos em conjunturas que não dão espaço para isso acabam não funcionando. O efeito é mais negativo sobre a atividade do que positivo”, argumenta Tony Volpon, ex-diretor de assuntos internacionais do BC e agora estrategista-chefe da gestora de fortunas Wealth High Governance. “A incerteza de onde sairão os recursos para a política social é muito ruim.”

Pressionado pelo risco fiscal aumentado, o índice Ibovespa passou a operar, a partir de agosto, no negativo em relação ao início do ano. A queda no mês foi de 2,47%, num momento em que as bolsas americanas superavam máximas históricas. Os investidores estrangeiros também passaram a evitar o Brasil. Apenas em dois meses de 2021 o saldo de entrada de capital internacional na bolsa foi negativo: em março, com a crise causada por Bolsonaro por trocar o presidente da Petrobras em razão da alta do petróleo, e em julho, quando a sua retórica antidemocrática se acirrou. O risco de novos desatinos também afeta o trabalho de outras áreas do governo, além dos limites do Ministério da Economia. A Petrobras anunciou no fim de agosto que os interessados na compra de sua Refinaria Abreu e Lima desistiram de apresentar proposta. A análise no mercado foi que os investidores ponderaram a chance de Bolsonaro intervir, para efeitos eleitoreiros, nos preços dos combustíveis.

“O Brasil não cresce e as perspectivas mais razoáveis são destruídas pelo comportamento errático do presidente, que anda de motocicleta.”
Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda

A aversão ao risco por parte dos investidores estrangeiros começa a ser percebida também na rodada de concessões que o Ministério da Infraestrutura vai ofertar no último trimestre do ano. Entre os ativos, estarão a rodovia Dutra e os aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, que prometem atrair interessados, mas restritos às empresas que já estão no país. “Era para estar chovendo grupos do exterior, mas não é isso que estamos vendo”, afirma Claudio Frischtak, fundador da Inter.B, consultoria internacional de negócios. Em sua avaliação, a imagem da política ambiental brasileira, associada ao flerte com o autoritarismo, está assustando o resto do mundo.

“O país está repleto de oportunidades que não são aproveitadas em função desse cenário de crise institucional.”
Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central

Tantos ruídos prejudicam mais Bolsonaro do que ele parece perceber. É um comportamento típico de um líder autoritário, incapaz de ouvir e dialogar com quem esteja fora de sua órbita de seguidores. Também insiste em manter posições que a cada dia se tornam mais indefensáveis, a exemplo do voto impresso. “Bolsonaro atrapalha a economia ao criar uma turbulência política que ameaça a democracia. Além disso, sua agenda antiambiental afugenta o capital estrangeiro. A consciência social cresceu muito no mundo corporativo. Poucos CEOs querem expandir operações em um país retrógrado que contribui para o aquecimento global”, afirma Pérsio Arida, ex-presidente do BC e do BNDES e um dos criadores do Plano Real.

“As falas do presidente prestam um desserviço à economia ao elevar ainda mais os riscos e incertezas hoje existentes e os projetados para os próximos doze meses.”
Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda

O risco agora é esse falatório incontrolável comprometer de tal modo sua gestão que nada mais possa ser feito para resgatar o país do desastre, como aconteceu no fim da gestão da presidente Dilma Rousseff. Na época, nem mesmo o liberal e competente Joaquim Levy como ministro da Fazenda conseguiu reverter a derrocada. No caso de Bolsonaro, já seria um fator de alívio se parasse com as provocações e com a autossabotagem. Mas, infelizmente, ele parece não entender que foi eleito presidente para resolver os problemas do Brasil — não para criá-los.

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