Ex-presidente da CBF apela à vulgaridade sobre escândalo sexual
Foto: Wilton Junior/Estadão
Em meio a acusações de assédio sexual e moral que o afastaram do cargo e prestes a ser julgado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, presidente afastado da entidade, tem esperança de voltar ao trabalho. Seu destino está nas mãos dos 27 dirigentes das federações estaduais, que vão se reunir em uma assembleia extraordinária para votar o parecer da Comissão de Ética da CBF, favorável à suspensão por 21 meses. Ao Estadão, ele diz ter confiança no julgamento dos pares, que chegaram a aconselhar sua renúncia.
“Os presidentes são experientes e inteligentes, sabem que se trata de um julgamento meramente político, característico de um verdadeiro golpe de poder. Muitos me perguntam onde estava essa dinheirama nas gestões anteriores, que ninguém sabe, ninguém viu. Perceberam que a CBF se tornou uma mina de ouro com um potencial inesgotável, um oásis de prosperidade em meio ao caos financeiro que assola o País. Quem não quer, em sã consciência, gerir um negócio como esse, principalmente ganhando de mão beijada, sem ter obtido um voto sequer?”, afirma.
Caboclo atribui as acusações recentes a movimentações de bastidores do ex-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, antigo aliado com quem rompeu depois da Copa da Rússia e agora acusa de tentar tirá-lo do cargo. “Creio que o motivo de sua tentativa de golpe resida mais nos contratos que vem pela frente e cuja renovação se aproxima”, dispara.
Enquanto aguarda o desfecho do procedimento administrativo na CBF, Rogério Caboclo fechou um acordo de transação penal com o Ministério Público do Rio de Janeiro para enterrar a investigação, na esfera criminal, das denúncias de assédio moral e sexual a funcionários. Em troca, se comprometeu a pagar uma multa 100 salários mínimos (o equivalente a R$ 110 mil).
“O processo está sob segredo de Justiça, o que me impede de comentar. Mas o que posso afirmar é que não fui denunciado e não existe qualquer pendência com a Justiça criminal”, sustenta.
As denúncias contra Caboclo foram feitas por três funcionárias e um dirigente da CBF e envolvem acusações de agressões físicas e psicológicas. Foram relatadas tentativa de beijo forçado, puxão de cabelo, oferta de dinheiro para falar sobre sexo no telefone e ofensas na frente de outros funcionários.
Uma das denúncias foi acompanhada por gravação de áudio em que o presidente afastado da CBF pergunta se a funcionária se ‘masturbarva’. Ela também alegou ter sido chamada de ‘cadela’ pelo presidente afastado da CBF, que ainda segundo o relato teria tentado forçá-la a comer biscoito de cachorro. Caboclo nega qualquer ato de assédio e diz que tinha uma relação de ‘amizade’ com a funcionária.
“Claro que não me orgulho das palavras e da forma com que as utilizei. Fui extremamente deselegante, esta é a verdade. Usei palavras chulas, inconvenientes, que não fazem parte do meu vocabulário. Hoje me arrependo e me envergonho”, reconhece.
“Fui indiscreto, abri minha intimidade, minha vida pessoal e falamos sobre a dela. Eu não deveria ter feito isso e aproveito a oportunidade para pedir desculpas novamente. Mas esclareço que meu único objetivo era o de ajudá-la a superar um grave momento emocional de origem familiar e sentimental que ela vivia”, segue.
Leia a entrevista completa:
ESTADÃO: O Sr. cumpriu 90 dias de afastamento da presidência da CBF na esteira da acusação de assédio sexual. Agora está afastado por uma acusação de assédio moral. Além disso, há um afastamento decretado pela Justiça do Trabalho. Como vê as acusações?
Rogério Caboclo: Sou obrigado a me defender de algo que jamais fiz. Nunca cometi nenhum tipo de assédio. Sempre fui reconhecido por ser educado, respeitador e trabalhador. Nunca encostei nela, nunca a chamei para sair ou me insinuei. Nem ela me acusou disso em sua denúncia. Confiei na amizade que tínhamos não só dela comigo, como com a minha família, especialmente minha mulher. Por outro lado, apenas foi apresentada à imprensa uma pequena parte do áudio de uma conversa minha e dela, gravado de forma clandestina. Quem quiser compreender o que aconteceu precisa ouvir toda a conversa, e não apenas parte dela, sob pena de ser enganado.
Em relação à segunda funcionária, o que tenho a dizer é que se trata da mais absurda e revoltante mentira. É um amontoado de inverdades sem nenhum tipo de comprovação. Ao contrário, o que existem são robustas provas gravadas em áudios de que ela me denunciou por motivações inidôneas e escusas. Estou afastado do cargo porque sou vítima de um verdadeiro tribunal de exceção.
Quanto à Justiça do Trabalho, não se trata de afastamento do cargo de presidente. Apenas estou provisoriamente impedido de frequentar a sede da entidade. Posso trabalhar de qualquer outro lugar.
ESTADÃO: Sobre as conversas gravadas com a funcionária que o acusa de assédio sexual, considera o conteúdo adequado? O Sr. chegou a classificá-las como ‘brincadeiras’. Por que as qualifica dessa maneira enquanto nega as acusações?
Rogério Caboclo: Claro que não me orgulho das palavras e da forma com que as utilizei. Fui extremamente deselegante, esta é a verdade. Usei palavras chulas, inconvenientes, que não fazem parte do meu vocabulário. Hoje me arrependo e me envergonho. Eu estava exaurido depois de um longo dia de trabalho e uma videoconferência que reuniu vários clubes. Estava raciocinando mal. Aí fui indiscreto, abri minha intimidade, minha vida pessoal e falamos sobre a dela. Eu não deveria ter feito isso e aproveito a oportunidade para pedir desculpas novamente. Mas esclareço que meu único objetivo era o de ajudá-la a superar um grave momento emocional de origem familiar e sentimental que ela vivia. O atestado apresentado por ela diz isso. Há inclusive nos áudios e em mensagens com minha esposa conversas em que ela menciona esses problemas.
ESTADÃO: O Sr. pretende recorrer da decisão da Comissão de Ética? Com quais argumentos?
Rogério Caboclo: Já recorri de algumas decisões da comissão e recorrerei de todas. As decisões da Comissão de Ética do futebol contra mim são todas ilegais ou nulas. São nulas aquelas tomadas em caráter preventivo, temporário e sem que eu pudesse ser ouvido. Não existe previsão no estatuto e regulamentos da entidade para a aplicação de punições preventivas por este órgão, sem falar na inobservância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Assim aconteceu em dois casos até aqui. Também é absolutamente ilegal e desproporcional a decisão que sugeriu minha punição em quinze meses, mesmo desconsiderando a existência de assédio. Mais grave ainda, a decisão que aumentou a punição para vinte e um meses.
Em primeiro lugar, porque ocorreu no âmbito de embargos de declaração, recurso inexistente nos regulamentos e estatutos da CBF e que no direito geral não se destina a alcançar efeito modificativo essencial, muito menos de aumento de pena. Serve apenas para esclarecer ou dirimir omissões ou contradições das decisões. O absurdo chega ao ponto de o relator do caso negar a existência da omissão apontada pela defesa da funcionária, mas admitir, sem ter sido pedido, uma contradição a justificar a revisão da decisão em que ele próprio afastou o assédio. Com isso, simplesmente, “advogou” pela acusadora ao invés de limitar-se a julgar. Chegou ao cúmulo de dizer que o assédio avaliado na Ética é diferente do instituto do assédio criminal, contestando cinco pareceres de renomados juristas criminais e duas perícias técnicas que refutam frontalmente a prática imputada a mim.
Tamanha arbitrariedade só se explicaria pela estreita ligação entre os membros da comissão e Del Nero. De acordo com uma reportagem recente, o presidente da comissão é o ex-desembargador Carlos Renato de Azevedo Ferreira, apadrinhado de Del Nero, com quem mantém amizade de décadas. Um funcionário da CBF que eu demiti no passado, Amilar Alves, foi readmitido e colocado como relator da câmara decisória. O conselheiro Marco Aurélio Klein também é amigo do Del Nero há décadas e o acompanha desde os tempos de Federação Paulista de Futebol. Sua filha faz campanha contra mim em artigos e na TV do maior portal do país tratando todos os fatos sigilosos da comissão de ética como se verdadeiros fossem. A relatora na câmara de investigação do caso foi Gladys Regina Vieira, ex-delegada federal, casada com um funcionário da CBF, o que deveria torná-la impedida, assim como os outros mencionados. Os demais integrantes da câmara investigatória são delegados da polícia de São Paulo, sendo ou tendo sido chefes da filha de Del Nero, na academia de Polícia Civil. Fora isso, fui afastado sem poder me defender, sem ter acesso às acusações. O processo é todo viciado.
ESTADÃO: O Sr. alega que Marco Polo Del Nero estaria tentando tirá-lo do comando da CBF, mas vocês já foram aliados. O que provocou o rompimento? Por que ele teria essa motivação?
Rogério Caboclo: São várias as razões para o rompimento. Tudo começou quando resisti à demissão da comissão técnica do Tite após a derrota na Copa da Rússia, que ele queria fazer para humilhar o treinador. Ele chamava a equipe do Tite de corriola corintiana. Del Nero achava que aquela era a Copa mais fácil da história para ser ganha. Diferente dele, eu tenho intimidade com as comissões, participo de reuniões técnicas e fui o chefe da delegação da Copa da Rússia. Portanto, era consciente do trabalho que foi feito e não demiti ninguém.
Depois disso, rescindi e não renovei vários contratos da entidade, o que o deixou Del Nero contrariado. Eu também demiti pessoas de sua estrita confiança, como um motorista que ganhava mais de 30 mil reais por mês e um secretário particular que é seu melhor amigo. Era aquele que quebrou uma taça na cabeça de um torcedor durante a Copa da Rússia. Retirei do plano de saúde da CBF inúmeras pessoas, sete delas de sua família e de ex-dirigentes, assim que descobri esta irregularidade.
Não fiz nada disso para persegui-lo. Mas à frente da CBF faço uma gestão séria e transparente. Trato as questões de maneira impessoal e sou consciente de que a CBF não me pertence.
Mas creio que o motivo de sua tentativa de golpe resida mais nos contratos que vem pela frente e cuja renovação se aproxima. São contratos de direitos de transmissão, placas de publicidade, title sponsor e todos os direitos comerciais, sem falar dos patrocínios da seleção.
ESTADÃO: O que o senhor quer dizer com isso?
Rogério Caboclo: Não é segredo para ninguém o meu projeto de fazer uma negociação conjunta não só dos clubes, mas de todas as competições promovidas pela CBF ou que participem as seleções brasileiras. Isso implica dizer que de uma única vez, em concorrência pública, aberta e auditada, pretendo fazer a maior venda de direitos da história do futebol no Brasil. Certamente, uma das maiores do mundo. São 21 competições nacionais promovidas pela entidade, além dos jogos das eliminatórias e amistosos das seleções masculinas e femininas e também do futsal e beach soccer, que acabei de retomar. É um total de mais de 27 produtos e que podem representar mais de R$ 16 bilhões num período de 4 anos, com a antecipação e a negociação coletiva dos direitos da Série A do Campeonato Brasileiro. Alguns desses contratos mexem profundamente com os interesses dos antigos gestores da entidade, que agem com truculência para poder mantê-los ativos. Entre os mais de 25 contratos estão os nebulosos contratos relativos aos amistosos da seleção brasileira e a cessão dos direitos da Copa do Brasil. É muito dinheiro e há muitos interesses aí envolvidos. Meu sonho é ter futebol na TV de segunda à domingo, de manhã até a noite, com competições que vão desde o sub-15 feminino até o futebol de másters.
ESTADÃO: A avaliação do Judiciário também estaria ‘contaminada’?
Rogério Caboclo: Na Justiça criminal, sequer fui denunciado.
ESTADÃO: Se o Sr. nega as acusações de assédio por que fechou o acordo de transação penal com o Ministério Público?
Rogério Caboclo: O processo está sob segredo de Justiça, o que me impede de comentar. Mas o que posso afirmar é que não fui denunciado e não existe qualquer pendência com a Justiça criminal, com a qual estou quite.
ESTADÃO: O Sr. confia na sua volta para o cargo?
Rogério Caboclo: Plenamente. Fiz para a CBF em dois anos talvez mais do que foi feito nos últimos dez anos. Saltamos de 2010 para 2019, de R$263 milhões para R$ 957 milhões de faturamento anual, com um lucro de R$ 190 milhões. Se comparado o número do meu primeiro ano de gestão aos cinco anteriores, tivemos um acréscimo de exatos 60%, em meio a grave crise financeira que afetou o país. Incluímos a CBF entre as 700 maiores empresas do país e alcançamos um índice de liquidez incrível, tendo R$ 6,23 em caixa para cada real devido. Isso coloca a CBF na primeira posição do ranking das empresas de serviços especializados, e em décimo oitavo lugar entre todas as empresas do Brasil nesse quesito. Ao mesmo tempo aumentamos o patrimônio de 2010 para cá de R$ 229 milhões para R$ 1.560 bilhão. Temos mais de R$ 1 bilhão no banco. Nunca investimos tanto no futebol, atingindo R$ 550 milhões de forma direta ou indireta por ano. Batemos todos os recordes: de receita bruta, número de patrocinadores, fontes de receitas, de número de competições, jogos, transferência de atletas, árbitros com escudo FIFA e fizemos a maior e melhor central de VAR do mundo. Igualamos de forma inédita os valores destinados a jogadoras da seleção feminina com os valores destinados ao masculino. Para o futuro vamos promover a mesma equivalência em relação às competições femininas com as masculinas.
ESTADÃO: O Sr. precisa dos votos dos presidentes de federações estaduais para se manter no cargo. Acha que eles vão se convencer com seus seus argumentos?
Rogério Caboclo: Não tenho dúvidas, já conhecem os projetos. Pretendemos dobrar o tamanho da CBF nos próximos anos, em todos os sentidos, do econômico até a infraestrutura. Vamos turbinar os projetos de legado da Copa do Mundo, nos 15 estados onde não houve Copa no Brasil, coincidentemente os mais carentes, instalando sedes da federação, campos, arquibancadas e iluminação, nestes locais que também poderão abrigar jogos e com custeio feito pela CBF. Vamos promover uma gestão ainda mais participativa com as federações e clubes. Com o crescimento gerado, passaremos a distribuir parcela do lucro anual para o fomento do futebol nos estados. O aumento no número de jogos e competições femininas e de base acarretará a melhora do futebol como um todo e a descoberta de novos talentos. Também passaremos a distribuir parte dos recursos oriundos da Conmebol e da Fifa para as federações. Com as renovações dos contratos televisivos, iremos resolver de uma vez por todas as questões relativas ao calendário do futebol, preservando os clubes e não prejudicando as seleções. Teremos um diretor que é presidente de federação que cuidará exclusivamente dos interesses das federações, além de outros que pela primeira vez na história terão espaço na gestão direta da CBF. Continuaremos mantendo estreita relação com os poderes estabelecidos, públicos, privados e do futebol, dentro e fora do país. Não trabalharemos com pessoas de ficha suja, que tragam casos policiais e CPIs para dentro da entidade.
O Centro de Desenvolvimento do Futebol é a menina dos meus olhos, nove atividades em uma única área de 110 mil m2 na Barra da Tijuca, pertinho da sede da CBF.
Será uma obra grandiosa e como tal, sempre chama a atenção dos mal-intencionados.
Os presidentes são experientes e inteligentes, sabem que se trata de um julgamento meramente político, característico de um verdadeiro golpe de poder.
Muitos me perguntam onde estava essa dinheirama nas gestões anteriores, que ninguém sabe, ninguém viu.
Perceberam que a CBF se tornou uma mina de ouro com um potencial inesgotável, um oásis de prosperidade em meio ao caos financeiro que assola o país.
Quem não quer em sã consciência gerir um negócio como esse, principalmente ganhando de mão beijada, sem ter obtido um voto sequer?
Com humildade, participação, união, isonomia e recursos crescentes, mantendo os mais elevados valores de governança, risco e conformidade alcançaremos todos os objetivos que o nosso esporte merece.
COM A PALAVRA, MARCO POLO DEL NERO
“O mesmo senhor Rogério Caboclo que agora ataca o presidente da Comissão de Ética, como presidente da CBF, concedeu publicamente um diploma de mérito ao desembargador Carlos Ferreira. O mesmo senhor Caboclo foi alvo de decisões da Justiça que o impedem de entrar na CBF, ainda vigentes, por causa do assédio. As acusações de assédio não foram feitas por mim, mas não por uma, porém três mulheres, vítimas do senhor Caboclo. Então, o que posso dizer? Que o senhor Caboclo usa o meu nome para desviar a atenção dos graves erros de comportamento praticados por ele. É um ato de desrespeito não só a mim, mas sobretudo às vítimas do assédio, que ele teima insanamente não querer assumir e encarar. Assédio, aliás, repudiado por todos os patrocinadores do futebol brasileiro.”
COM A PALAVRA, A COMISSÃO DE ÉTICA DO FUTEBOL BRASILEIRO
“A Comissão de Ética do Futebol Brasileiro (CEFB) reafirma sua total independência e autonomia para análise e julgamento de todos os processos em tramitação ou já encerrados pelo órgão, lamentando as reiteradas e levianas tentativas de desqualificação de seus conselheiros promovidas pelo presidente afastado da CBF.
Apesar de ser postura abominável, os ataques pessoais por parte do denunciado são comuns em casos como este. Na falta de condições de rebater os fatos que motivaram a sentença, opta por desmerecer e desqualificar as vítimas, os investigadores e os julgadores.
A CEFB esclarece, ainda, que toda a sua composição foi nomeada, em abril de 2021, por meio da portaria emitida pelo Presidente afastado da CBF, Rogério Langanke Caboclo, que, contrariando, ataca seus integrantes.
Por fim, ressalta que as decisões da CEFB são tomadas em consonância com as leis e as normas. Tentar desmerecer os julgadores não apaga nem desculpa os fatos gravíssimos que estão sob análise da Comissão.”
Assinatura
CARTA AO LEITOR
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