Carvão torna Austrália vilã do aquecimento global
Foto: Graham Denholm/Getty Images
As discussões oficiais da Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, a COP26, começaram nesta semana na cidade escocesa em Glasgow sob intenso escrutínio sobre a falta de um compromisso global, principalmente após o fracasso visto na cúpula do G20 em Roma, no fim de semana anterior. Entre diversos assuntos que devem ser levantados nas negociações, a Austrália é um ponto de preocupação para especialistas.
Enorme produtor de carvão, a 12ª maior economia mundial se tornou a vilã rica no combate ao aquecimento global por seus escassos compromisso para alterar sua matriz energética e tentar frear emissões de gases poluentes. Ao ser indagado sobre o assunto, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, se limitou a dizer que medidas serão tomadas, mas sem apresentar um plano concreto, financiamento ou novas políticas que indiquem um novo caminho nesse aspecto.
O que se sabe até o momento não é nem um pouco encorajador e parece se agarrar a soluções tecnológicas ainda não inventadas. O plano citado pelo governo, amplamente questionado por especialistas, tem foco em subsidiar tecnologias como captura e armazenamento de carbono e parece projetado para permitir que a indústria de combustíveis fósseis continue operando por décadas.
Além disso, também não há detalhes sobre como os empregos prometidos e o crescimento econômico serão alcançados, nem qualquer plano para legislar as reduções tão prometidas. Somado a isso, há um fracasso imenso em lidar com a maior contribuição da Austrália para as mudanças climáticas: as exportações de carvão, gás e petróleo.
As exportações australianas de combustíveis fósseis mais que dobraram de 2005 para cá, alavancando o país ao posto de maior exportador de carvão e terceiro maior de combustíveis fósseis em geral. As emissões causadas pelos países que importam esses produtos são mais do que o dobro das emissões domésticas australianas.
O total de emissão apenas do carvão e do gás natural exportados beira 1 milhão de toneladas, superando o valor causado pelos incêndios florestais de 2019 e 2020. Um plano de comprometimento que não inclua uma maneira de diminuir as exportações soa como uma revogação da responsabilidade, segundo especialistas australianos.
De fato, a Austrália não é a única responsável por todas as emissões causadas no mundo. No entanto, o seu grau de responsabilidade é alto, principalmente pelos bilhões de dólares em subsídios e aprovações ambientais que permitem que a indústria se expanda.
Recentemente, o governo federal concedeu aprovação para novos desenvolvimentos de combustíveis fósseis que resultarão na criação de milhões de toneladas de CO2, incluindo três novas minas de carvão e uma nova usina de gás espalhadas pelo país.
Ainda que todas as medidas do governo fossem postas em prática e se tornassem funcionais, o resultado ainda é muito longe do que é esperado, principalmente pela urgência do problema. Estimativas feitas pela Austrália apontam que cerca de 30% das emissões serão reduzidas até 2030, deixando os 70% restantes para além desta data.
Além disso, um relatório divulgado por cientistas indica que, mesmo que o país consiga zerar suas emissões até 2050, as temperaturas ainda irão exceder os 2ºC neste século se ações a curto prazo não acontecerem. E isso representa um perigo para o próprio país.
Estudos como o do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontam que, ainda que todo o planeta consiga zerar suas emissões até 2050, há 50% de chance do aumento da temperatura exceder os 2ºC previstos. Isso significa um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como os próprios incêndios florestais que atingem a Austrália periodicamente.
No final de 2019 e começo de 2020, um devastador incêndio no país atingiu diretamente — matando ou desalojando — quase 3 bilhões de animais, queimando mais de 115.000 quilômetros quadrados de matas e florestas e matando 30 pessoas. Além disso, o fogo contribuiu para um dos maiores aumentos dos níveis de dióxido de carbono que se tem registro desde o início das medições, há 60 anos.
Uma pesquisa liderada pela Autoridade de Bombeiros do estado de Victoria, no sudeste australiano, apontou que as mudanças climáticas são diretamente responsáveis pelo aumento das queimadas no país. Além da destruição pontual, o estudo mostrou que esse comportamento pode gerar uma mudança significativa no calendário da temporada de incêndios na região, extremamente importante para o funcionamento do ecossistema.
O IPCC apontou também que a temporada de incêndios na Austrália vem se prolongando desde 1950 e a tendência é que aumente ainda mais. Essas mudanças, inclusive, têm chamado atenção da população, que busca cobrar cada vez uma atuação mais concreta do governo para conter o aquecimento global.
Após os incêndios de 2019 e 2020, milhares de pessoas foram às ruas reclamar da falta de ação no combate ao problema. Em outubro, um grupo das ilhas do Estreito de Torres, no extremo norte do país, entrou com uma ação contra o governo australiano alegando falhas na proteção contra as mudanças climáticas.
A ação teve como inspiração um movimento feito pela ONG Urgenda Foundation contra o governo da Holanda, afirmando que ele tinha obrigação legal de proteger os cidadãos holandeses contra o aquecimento global. O caso resultou no Supremo Tribunal do país exigindo que as autoridades cortassem as emissões de carbono mais rápido do que o planejado.
Os povos das ilhas do Estreito de Torres têm sofrido com cada vez mais enchentes e o aumento da quantidade de sal presente no solo, além do fato de que o aumento do nível do mar pode fazer com que o território fique submerso.
“Tornar-se refugiado do clima significa perder tudo: nossas casas, nossa cultura, nossa história e nossa identidade”, disse o líder de um dos povos em comunicado.
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