Ninguém foi a inspeção de urnas eletrônicas
Foto: Reprodução
Apesar de o chamado código-fonte das urnas eletrônicas estar disponível para inspeção desde 4 de outubro, nenhum dos partidos políticos apareceu no espaço reservado para analisá-lo, assim como os demais órgãos autorizados a auditar o sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A abertura antecipada foi uma das medidas tomadas pela Justiça Eleitoral frente à campanha de ataques às urnas eletrônicas liderada pelo presidente Jair Bolsonaro. Antes aberto pela corte apenas seis meses antes das eleições, desta vez, o código foi aberto um ano antes.
Entre as entidades listadas como possíveis fiscalizadoras estão também as Forças Armadas, o Ministério Público, a Polícia Federal, o Congresso Nacional, o STF (Supremo Tribunal Federal), entre outras.
A realização da inspeção não é obrigatória, mas essa é uma das formas de auditoria do funcionamento das urnas que prevê maior número de participantes e tempo de análise.
O código-fonte é um conjunto de linhas de programação do software da urna. É ele que dá as instruções de como ela deve funcionar, sendo fundamental, portanto, para o registro dos votos digitados pelos eleitores.
Com objetivo de buscar maior participação, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, conduziu o encontro Ciclo de Transparência Democrática na data da abertura do código.
Na ocasião, ele destacou que, tradicionalmente, as legendas eram convocadas pelo TSE a se engajarem no processo, mas que, na prática, não compareciam. Até o momento, o cenário não parece ter se alterado.
Questionado pela Folha, o TSE afirmou que, das entidades fiscalizadoras, apenas a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a CGU (Controladoria-Geral da União) tinham solicitado o credenciamento de seus representantes, mas ainda não compareceram para inspecionar o código em si.
Já as demais entidades e partidos ainda não compareceram nem realizaram o credenciamento.
Segundo informações da Justiça Eleitoral, nas eleições de 2018, das entidades fiscalizadoras, apenas a Polícia Federal participou do processo de inspeção dos códigos-fonte e, no pleito de 2020, a PF e o Ministério Público Federal.
Essa abertura antecipada para inspeção das entidades ocorre em paralelo ao chamado TPS (Teste Público de Segurança), realizado em geral no ano anterior às eleições e que já reuniu seus participantes.
O TPS reúne hackers e especialistas inscritos que tentam atacar as urnas e o código-fonte, com o objetivo de identificar vulnerabilidades que possam ser corrigidas. Depois de analisar o código e a urna por dentro, os inscritos sugerem os ataques que planejam fazer.
A Polícia Federal informou, por exemplo, que possui três peritos participando do TPS e que, “posteriormente, os mesmos peritos também participarão da inspeção do código-fonte das urnas eletrônicas”.
Uma das principais diferenças entre o TPS e a inspeção do código-fonte pelas entidades fiscalizadoras é o tempo em que o código fica à disposição.
Todas as entidades poderão inspecionar os sistemas até agosto de 2022, quando ocorre a cerimônia em que os sistemas são assinados digitalmente e lacrados. Já no TPS, os participantes tiveram duas semanas para analisar o código, de 11 a 22 de outubro.
Entre especialistas, há uma bandeira antiga para que o TSE disponibilize o código-fonte na internet. A proposta porém ainda não foi implementada.
A Folha questionou alguns dos partidos e instituições sobre o porquê não haviam designado representante para participar da inspeção.
O PSL e o Republicanos, os dois partidos que mais deram votos a favor da PEC do voto impresso na Câmara, não responderam. A orientação de ambos partidos foi para que a bancada votasse sim.
O PT, cuja bancada votou contra o voto impresso, afirmou que ainda não designou um representante, mas que pretende fazer a indicação.
Já o MDB afirmou que a executiva nacional do partido nunca questionou a segurança das urnas eletrônicas. “Pelo contrário, em 26 de junho deste ano, o MDB foi 1 dos 11 partidos que assinaram manifesto em favor dos equipamentos.”
Na votação na Câmara o partido orientou a bancada a votar contrária a proposta, apesar disso, 15 deputados foram em sentido contrário, votando pela aprovação. Cenário semelhante ocorreu no PSDB.
O partido tucano disse que indicou um advogado como representante para fiscalização em 9 de outubro. No entanto, segundo o TSE, a formalização do nome informado não consta no sistema. Questionado se irá inspecionar o código-fonte, o partido afirmou: “Nesse caso o PSDB confia no processo do TSE”.
Dado que o objetivo da inspeção é a análise de um código escrito em linguagem de programação, o ideal é que as entidades indiquem especialistas em tecnologia da informação para a tarefa.
Além da antecipação da abertura do código-fonte, o TSE também criou neste ano um Comitê de Transparência das Eleições, com integrantes de órgãos públicos e da sociedade civil, e que pode acompanhar as diferentes fases de fiscalização das eleições.
Após meses espalhando informações falsas e teorias sem qualquer embasamento de que teria havido fraude nas urnas, Bolsonaro recuou dos ataques ao sistema eletrônico de votação e tem dito que em 2022 a segurança das eleições está garantida devido à presença de militares na comissão de transparência.
“Tenho tranquilidade porque o voto eletrônico, fiquem tranquilos, vai ser confiável no ano que vem. Por quê? Porque tem uma portaria do presidente do TSE, [Luís Roberto] Barroso, convidando entidades para participar das eleições, dentre elas as nossas, as suas Forças Armadas”, disse Bolsonaro em evento na última sexta-feira (5) no Paraná.
Vale ressaltar, contudo, que desde 2019 as Forças Armadas já integravam a lista de entidades fiscalizadoras da resolução do TSE, o que possibilita por exemplo a inspeção do código-fonte e demais etapas do pleito.
Isso não impediu o mandatário de, em mais uma oportunidade, colocar em dúvida até a realização das eleições no ano que vem.
Questionadas pela Folha sobre se iriam indicar um representante para inspecionar o código-fonte, que já está aberto, as Forças Armadas mencionaram apenas a participação no comitê de transparência, no qual a instituição é representada pelo general Heber Garcia Portella, comandante de Defesa Cibernética.
“As Forças Armadas possuem representante na comissão de transparência das eleições”, afirmou em nota. “Assim como os demais integrantes da comissão, o representante das Forças Armadas atuará na fiscalização do Teste Público de Segurança.”
Apesar de as entidades fiscalizadoras não terem dado ainda interesse à abertura antecipada do código-fonte, o sistema esteve sob escrutínio dos participantes do TPS, entre os dias 11 e 22 de outubro.
Ao todo foram 39 inscritos e até esta terça-feira (9) será publicada a lista de quem efetivamente participará do TPS, que deve ocorrer de 22 a 26 de novembro, oportunidade em que os especialistas poderão colocar em prática seus ataques.
Além disso, em maio está previsto o chamado teste de confirmação. No caso de falhas serem encontradas durante o TPS, o TSE trabalhará para corrigir os problemas e neste novo teste, os especialistas tentam repetir os ataques para avaliar as alterações e melhorias implementadas.
Em nota a Procuradoria-Geral Eleitoral informou que “uma equipe técnica composta por integrantes do Ministério Público agendará oportunamente uma visita presencial à sala-cofre do TSE para análise dos códigos-fontes”.
Além disso, o órgão ressaltou que participa do TPS como integrante da comissão avaliadora, analisando os planos de ataques realizados pelos participantes no evento.
Já o STF afirmou que é representado no TSE na figura de três de seus ministros. “São eles que supervisionam todo o processo eleitoral. Não há necessidade de o STF designar mais um representante para acompanhamento.”
A resolução sobre auditoria abre a possibilidade também de que departamentos de tecnologia de universidades credenciadas possam ter acesso ao código-fonte. Segundo o TSE, a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e a Escola Politécnica da PUCRS solicitaram acesso e o processo está em andamento.
“Estamos com tratativas avançadas com um grupo das duas universidades para que possam nos visitar”, diz nota do tribunal à reportagem.
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