Decisão de Alckmin deixa Bolsonaro e Moro preocupados

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Foto: Paulo Whitaker/Reuters

A paciência é uma virtude para poucos. Exercida com sabedoria, pode converter-se em arte, como os afrescos de Giorgio Vasari no Palazzo Vecchio, em Florença.

No século XVI, o duque Cosme I de Médici encomendou a Vasari um mural que representasse seu modo de agir e pensar como governante. O resultado foram tartarugas com velas enfunadas pelo vento sobre suas carapaças.

Getúlio também ganhou apelido de “chuchu” na eleição

Os insólitos desenhos estão acompanhados de uma inscrição latina: “festina lente”, atribuída ao imperador Augusto. A tradução é uma contradição: apressa-te lentamente.

A tartaruga simboliza a lentidão e as velas ao vento, a velocidade. Na concepção do duque florentino, esse paradoxo é uma aula de política: o governante deve pensar e refletir antes de agir.

As tartarugas de Vasari foram lembradas por Lamberto Maffei na introdução do “Elogio da Lentidão”. “Andar mais rápido não significa conhecer mais do que o caminho oferece e ninguém quer chegar antes do tempo ao fim do seu percurso”, ensina o cientista italiano.

Na política, agir no tempo certo pode ser o segredo do sucesso. E o pressuposto desse movimento é a paciência.

O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin é um político que se destaca pelo exercício meticuloso da paciência. Enquanto o mundo político acompanha com avidez o vagar desdobramento dos fatos, que podem culminar na ousada aliança entre dois ex-adversários – a eventual chapa presidencial Lula-Alckmin -, o quase ex-tucano mantém a rotina espartana: cafés da manhã na padaria; cultivar a terra no sítio da família, aos fins de semana.

Discreto e insondável, Alckmin ainda abre brecha para a ironia. Enquanto bolsonaristas e o bloco da terceira via aguardam com ansiedade o desfecho do impasse sobre a aliança do paulista com o PT, ele pratica a medicina. Dedica-se a uma especialidade que simboliza o suprassumo da paciência: a acupuntura. Faz trabalho voluntário como acupunturista no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Mas como apregoa o provérbio latino, a sabedoria está em equilibrar ação (apressa-te) e reflexão (lentamente). Se Alckmin reflete entre agulhadas terapêuticas e agroecologia, age, em outra via, nas conversas com aliados e na análise de pesquisas internas.

Ontem Alckmin e o ex-governador de São Paulo Márcio França estiveram juntos na capital paulista na filiação do doutor Sandro Lindoso ao PSB. Médico, ex-vereador em Osasco, Lindoso foi correligionário de Alckmin no PSDB e é um de seus aliados mais leais. O ingresso no PSB de França para disputar uma vaga de deputado federal no ano que vem teria sido um ato avalizado por Alckmin.

Segundo aliados, entretanto, Alckmin não deve seguir os passos de Dr. Lindoso e se filiar ao PSB, antes do fim do ano. O gesto esperado de Alckmin até o fim do mês é de desembarque do PSDB. O destino partidário é mistério a ser decifrado nos primeiros capítulos de 2022.

Em paralelo, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, mantém a ofensiva para levar Alckmin para a legenda e concorrer ao governo paulista.

Para um político que ganhou o apelido de “picolé de chuchu”, Alckmin está sendo disputado como pão de ló. Poucos sabem, mas a comparação com a hortaliça é um elogio histórico.

Ainda durante a campanha presidencial, em janeiro de 1930, Getúlio Vargas foi chamado de “chuchu” depois de discursar no Rio de Janeiro, no primeiro comício fora de Porto Alegre.

“Anódino, insipido e inodoro”, escreveu o “Correio Paulistano”, porta-voz do Partido Republicano Paulista, de Júlio Prestes. O “chuchu” gaúcho esteve no topo do poder, na ditadura e na democracia, por quase 19 anos.

Em outra frente, a direção do PT não quer anunciar o vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de março. Antes de decidir eventual aliança com Alckmin, a prioridade é decidir a federação partidária com os partidos da esquerda.

Para esta semana, é esperada uma reunião em São Paulo entre Lula e os presidentes do PT, Gleisi Hoffmann, e do PSB, Carlos Siqueira. Alckmin está na pauta, mas a prioridade é a federação, que deve unir, pelos próximos quatro anos, PT, PSB, PCdoB, Rede e PV.

Em outra frente, Alckmin e seus aliados analisam números das pesquisas internas. Dados de novembro mostram que Alckmin transferiria para Lula de 6 a 8 pontos percentuais de seus votos em São Paulo, Estado que concentra 22% do eleitorado nacional. Transposto para a esfera nacional, esse contingente eleitoral representa 1 ponto percentual a mais em votos válidos.

Em contrapartida, Alckmin perderia 50% de seu capital eleitoral. A mesma pesquisa interna verificou que outros 25% acompanham Alckmin automaticamente, mesmo se ele pedir votos para o PT. E os 25% restantes não descartam votar em quem ele indicar.

Uma conta pragmática dos aliados de Alckmin é de que se ele levar pelo menos um terço de seu eleitorado em São Paulo para a aliança com o PT, esse movimento deve automaticamente replicar-se no sul de Minas Gerais, Paraná e no Mato Grosso do Sul. São redutos de pensamento conservador que vota de forma semelhante.

Entretanto, há muitas pedras no caminho antes do casamento do PT com o quase ex-tucano e deste com o PSB. Nem Márcio França nem o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad abrem mão de encabeçar a chapa na disputa ao Palácio dos Bandeirantes. A federação impedirá que ambos concorram separadamente, uma hipótese que até agora não foi descartada. Os problemas de PT e PSB em outros Estados ainda persistem: há impasses igualmente complexos no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul, por exemplo.

Em paralelo, lideranças do PT tentam eliminar resistências internas à chapa de Lula com Alckmin, como no sindicato dos professores de São Paulo. A categoria tem lembranças negativas da relação com o então governador Geraldo Alckmin.

“Festina lente” nunca foi uma estratégia de pensamento citada por Alckmin em entrevistas. Sua máxima mais conhecida, entretanto, critica a pressa na tomada de decisões. “Existem dois ansiosos na vida: jornalistas e políticos”. Alckmin e o PT têm que se apressar, mas com lentidão. Perder a hora na política pode ser fatal.

Valor Econômico

 

 

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