Orçamento de 2022 tira do social para gastos em eleição

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Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Não foi pelos mais pobres. A aprovação nesta terça-feira, 21, do Orçamento do governo federal no ano eleitoral de 2022 confirmou o roteiro traçado quando o presidente Jair Bolsonaro e os líderes do Congresso acertaram, há exatos dois meses, “pedalar” o pagamento de precatórios (dívidas reconhecidas pela Justiça) e quebrar o teto de gastos – a principal âncora de sustentabilidade das contas públicas do País.

A “licença para gastar” com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) garantiu R$ 113 bilhões extras de despesas no Orçamento de 2022, mais do que o dobro dos R$ 54 bilhões que serão usados para aumentar o orçamento inicial de R$ 35 bilhões do novo programa social, o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família.

Foi uma votação do Orçamento sem freios. Na reta final, os deputados e senadores carimbaram R$ 16,5 bilhões de emendas de relator do chamado “orçamento secreto”, revelado pelo Estadão, para enviar para as suas bases regionais gastarem em obras na maioria das vezes paroquiais e eleitoreiras.

Os partidos também encheram o fundo eleitoral com mais R$ 4,9 bilhões para serem usados na campanha do ano que vem. A “disputa” por um fundo de R$ 5,7 bilhões, que travou a votação do Orçamento na segunda-feira, se mostrou mais um “bode na sala” como estratégia para os parlamentares dizerem que recuaram, diminuindo o valor do aporte em nome de mais recursos para outras áreas como saúde e educação. Teatro bem ensaiado com o apoio em peso dos parlamentares e do governo. Todos de olho nas eleições.

De quebra, o presidente Bolsonaro conseguiu R$ 1,7 bilhão para os policiais, provocando uma reação nas outras carreiras que ficaram sem reajuste. Os auditores fiscais da Receita, categoria com grande poder de pressão de parar aeroportos e portos e fazer “operação tartaruga” na hora de arrecadar, já ameaçaram paralisações e entrega de cargos.

Uma crise em cascata no funcionalismo já está contratada com a decisão do Congresso de privilegiar apenas uma categoria, de acordo com alerta da própria equipe econômica. A concessão de outros aumentos já é dada como certa não só no Executivo, mas, sobretudo, no Judiciário, que, com as mudanças no teto, ganhou também margem para gastar.

“A caixa de Pandora foi aberta”, resumiu o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o primeiro a mostrar com números que o furo no teto seria superior ao valor que o governo estava apontando, de R$ 106 bilhões. E o valor poderá ser ainda maior e chegar a R$ 118 bilhões a depender da inflação em 2021.

A estratégia do Ministério da Economia para evitar a farra de gastos foi inflar a previsão de despesas obrigatórias (com abono e benefícios da Previdência). Não deu certo. O Congresso fez a conta e viu que os números estavam mais altos. Como resposta, o Congresso cortou R$ 16,5 bilhões de subsídios, Previdência, BPC (benefício para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) e pessoal.

Uma prova de que a vinculação de recursos da PEC a programas sociais não funcionou. Se fosse assim, essa “sobra” teria de ter ido para reforçar o Auxílio Brasil, que não vai acabar com as filas de famílias que esperam pelo benefício porque os senadores votaram contra.

O argumento usado para mudar as regras fiscais e dar um calote nos precatórios foi de que era preciso combater o aumento da pobreza, garantindo um auxílio de R$ 400. Mas a votação da terça-feira escancarou como os interesses paroquiais do Congresso e do governo se sobressaem na divisão dos recursos públicos.

A fotografia que melhor retrata a atual desorganização orçamentária é a do presidente Jair Bolsonaro, de férias, dançando funk numa lancha no litoral de São Paulo ao mesmo tempo que o Congresso fazia as últimas negociações para aprovar o Orçamento do último ano do seu governo. / COLABOROU DANIEL WETERMAN

Prioridades
O que foi preterido
Gastos sociais

Mesmo com o Auxílio Brasil de R$ 400, o gasto do governo Bolsonaro com transferência de renda será menor em 2022 em relação a 2021: são R$ 7 bilhões a menos e 22 milhões de famílias que ficarão sem proteção na pandemia.

Obras

O patamar de investimentos será o menor da história em 2022. Serão R$ 44 bilhões para infraestrutura, escolas, postos de saúde, defesa e em todas as áreas que dependem de recursos da União.

Vacinas

Parlamentares ligados à Saúde pediram R$ 5 bilhões a mais para a compra de imunizantes no ano que vem, mas o valor não foi incluído no relatório final do Orçamento.

Defesa Civil

A previsão de recursos é a menor dos últimos anos. Serão R$ 504 milhões destinados à área responsável pela preparação do País para enfrentar eventos climáticos extremos, como enchentes.

Aumento para servidores

O presidente Jair Bolsonaro prometeu reajuste para todos os servidores em 2022, mas incluiu apenas aumento salarial para carreiras policiais.

O que foi privilegiado
Campanhas políticas

Partidos terão o maior volume de dinheiro público da história para financiar campanhas em 2022. Serão R$ 4,9 bilhões, além de R$ 1,1 bilhão de outro fundo público.

Orçamento secreto

Em 2022, serão mais R$ 16,5 bilhões repassados a redutos políticos de deputados e senadores alinhados ao governo, sem critérios claros e com pouca transparência.

Aumento para policiais

Congresso reservou R$ 1,7 bilhão para bancar o reajuste salarial a policiais federais. O plano prevê reestruturação de carreiras da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Novos cargos públicos

Além do dinheiro para o reajuste a policiais, o governo terá R$ 2,8 bilhões para a criação de cargos e a ocupação de novas vagas na administração federal, em ano eleitoral.

Aviões militares

O ministério que receberá a maior parte dos investimentos para 2022 será o da Defesa. Só para compra de aeronaves e caças da FAB, por exemplo, está reservado R$ 1,2 bilhão, valor maior que todo o montante previsto para ser gasto em saneamento básico (R$ 1 bilhão) no próximo ano.

Estadão

 

 

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