Fake news contra vacinas preocupam comunidade científica

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Mortes por doenças cardíacas, que são a principal causa de óbitos no Brasil, estão sendo instrumentalizadas por produtores de desinformação para atacar as vacinas contra a Covid-19. Em aplicativos de troca de mensagens e nas redes sociais, multiplica-se material “denunciando” um suposto aumento nas mortes súbitas e relacionando isso à vacinação.

O esforço para criar dúvidas em torno de uma campanha de imunização que está ajudando a salvar milhares de vidas conta com o apoio de perfis de grande alcance, como o da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que tem brigado pelo direito de “fazer deduções baseadas na observação dos fatos”.

De acordo com o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo (Incor), não há nenhuma evidência científica de que qualquer uma das vacinas que estão sendo aplicadas no mundo contra a Covid-19 causem mortes por mal súbito.

“Os efeitos das vacinas são acompanhados. Mais de oito bilhões de doses já foram aplicadas no planeta e não se observou isso”, afirma ele em entrevista ao Metrópoles.

O especialista explica que há sim relações documentadas entre vacinação e uma doença cardíaca, a miocardite, que é uma inflamação do músculo cardíaco. “Acontece sobretudo em homens jovens, saindo da adolescência. Mas quase sempre evoluindo de maneira benigna. O que é preciso frisar é que a própria infecção pela Covid aumenta o risco de miocardite muito mais do que a vacina. Aumenta 34 vezes mais”, complementa Jorge Kalil, que explica o mecanismo usado por quem propaga notícias falsas em relação ao tema:

“As pessoas transformam casualidade temporal em relação de causa: tomou a vacina e dias depois teve um problema de coração. Mas isso, por si só, não comprova causa”, explica ele. E muitas das notícias sensacionalistas sobre o tema falseiam a própria proximidade temporal e outras informações.

Um profissional do próprio Incor foi usado dessa forma. O fisioterapeuta Fábio Rodrigues teve um infarto na virada do ano e uma notícia falsa sobre o fato “informava” que ele tinha 25 anos e havia tomado vacina duas semanas antes. O profissional, na verdade, tem 48 anos e tinha se vacinado em outubro.

“Tenho todos os fatores de risco para ter infarto: história familiar, triglicérides alto, colesterol alto e sou sedentário. Os fatores de risco eu tenho todos. Não tem nada a ver com a vacina”, disse ele ao jornal O Globo.

As arritmias cardíacas afetam ao menos duas dezenas de milhões de brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac), e causam entre 300 mil e 320 mil mortes por ano. Só a Covid-19, entre 2020 e meados de 2021, matou mais que doenças do coração no Brasil.

Em meio à pandemia, o número de óbitos por doenças cardiovasculares chegou a aumentar, de acordo com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen-Brasil). A entidade divulgou que, nos primeiros seis meses do ano passado, 150 mil óbitos por essa razão haviam sido registrados, aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2020.

O aumento, para o presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Evandro Mesquita, está relacionado a uma maior dificuldade de buscar auxílio médico, com o sistema voltado ao combate à pandemia e a maiores dificuldades para a prática de atividades físicas pela população – uma das formas mais eficazes de prevenir problemas cardíacos.

Diante da propagação de boatos, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) divulgou nesta semana um informe reafirmando que “não há nenhuma evidência científica mostrando qualquer tipo de elevação no número de casos de morte súbita em atletas, acima dos índices habituais. Adicionalmente, não há nenhum dado que mostre uma associação entre vacinas contra a Sars-Cov2 e morte súbita em atletas ou em praticantes de atividades físicas intensas e/ou frequentes”.

O documento é assinado por especialistas como Ivan Pacheco, presidente da SBMEE; e José Kawazoe Lazzoli, presidente da Confederação Panamericana de Medicina do Esporte, e pode ser lido na íntegra aqui.

“Embora existam relatos, em publicações científicas, levantando a possibilidade de associação entre morte súbita e vacinas contra a Sars-Cov2, estes são muito raros e insuficientes para sustentar uma consistente relação de causalidade”, anota o informe.

“Finalmente, reforça-se a importância da prática de exercícios físicos para a melhora nos níveis de saúde da população, lembrando que pessoas fisicamente ativas têm uma melhora na ativação de seu sistema imunológico, sendo este um aspecto favorável na prevenção, tratamento e reabilitação de pessoas acometidas pela Sars-Cov2, gripes de forma geral e outras doenças infecciosas”, conclui o texto.

Como outras agendas de extremistas brasileiros, a desinformação em torno da relação entre vacinas e mortes súbitas é uma teoria da conspiração formulada em países do hemisfério norte e importada para o Brasil.

Desde um caso que ganhou destaque pela fama do protagonista, o do jogador de futebol dinamarquês Christian Eriksen, que sofreu um infarto em campo durante partida da Eurocopa em junho de 2020, correntes de fake news relacionando vacinas a esses episódios ganharam força na Europa e nos Estados Unidos. Eriksen, porém, nem mesmo tinha se vacinado contra a Covid quando passou mal.

Segundo as fake news importadas, que vinham acompanhadas de um gráfico, o número de infartos em atletas profissionais do futebol teria subido cinco vezes em 2021 em relação ao ano anterior. A informação foi desmentida, em novembro do ano passado, pelo comitê da Fifa que registra enfermidades cardíacas e por federações nacionais, como a alemã.

“A alegação de que mortes no esporte ou no futebol em particular aumentaram depois da introdução de vacinas contra Covid-19 é infundada”, disse o presidente da comissão médica da Federação Alemã de Futebol, Tim Meyer, ainda em outubro do ano passado.

O Metrópoles procurou o Ministério da Saúde para perguntar se a pasta acompanhava a difusão de notícias falsas sobre a vacina e essa suposta relação com mortes súbitas e se tinha algum plano para combater as notícias falsas. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

Metrópoles 

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