Mega empresário votará em Lula pela primeira vez
Marcelo Kayath era diretor para a América Latina do Crédit Suisse, banco do qual chegou a ser copresidente, quando a quarta candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, se mostrou competitiva. Viu o dólar saltar de R$ 2 para R$ 4, o risco-país disparar e o Ibovespa despencar. Hoje sócio da QMS, gestora com investimentos de R$ 1 bilhão em empresas e um fundo imobiliário de R$ 750 milhões, Kayath diz-se seguro de que aqueles temores não se repetirão caso o favoritismo de Lula seja confirmado ao longo da campanha eleitoral.
Este ano, diz, a situação é completamente diferente. O país tem quase US$ 400 bilhões em reservas e uma dívida externa modesta — “O problema é fiscal e, nesse ponto, Bolsonaro oferece muito mais riscos do que Lula.”
Kayath nunca votou no petista, mas, em outubro, está disposto a escolher quem quer que derrote Jair Bolsonaro. Baseia-se na percepção de que a condição de refém em que se encontra Bolsonaro faz com que o presidente tenha que passar por cima de todas as amarras fiscais para se manter no poder.
Já uma eventual eleição de Lula, diz, lhe permitiria assumir o poder com força suficiente para conter pressões. “Em 2002 ninguém conhecia Lula. Hoje os investidores podem até ter dúvida se um Lula 3 será mais parecido com o Lula 1 [do primeiro mandato] do que com o Lula 2 [do segundo], mas ninguém acha que ele vai fazer loucura”, diz, citando a queda do dólar no dia em que Lula deu entrevista na semana passada defendendo a aliança com o ex-governador Geraldo Alckmin e rechaçando as pressões da esquerda petista. A percepção não se estende ao PT, que julga não desfrutar da mesma tolerância entre investidores.
Não gostou das posições recentes do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e do ex-presidente do PT o deputado federal, Rui Falcão. Não vê, porém, chance de o que chama de a “velha guarda” do partido assumir funções de poder num eventual governo Lula como o fez em 2003. Seriam, em resumo, fusíveis queimados. Detentor dos principais prêmios internacionais do violão clássico, o de Toronto e de Paris, sua particularidade não se restringe à dupla militância nos investimentos e na música ou às opiniões sem rodeios sobre a disputa eleitoral.
Kayath é também amigo de Fernando Haddad, para cuja campanha, em 2018, doou. Foi o ex-prefeito de São Paulo, de quem se aproximou pelo violão, que o introduziu no glossário petista. Quando começou a ouvir no mercado que Lula voltaria ao poder vingativo, promoveu alguns encontros entre investidores e políticos, sem revelar nomes de uns e outros. Da interlocução com a campanha petista, formou algumas convicções, a primeira delas a de que Lula não vai entrar em bolas divididas como a reversão da autonomia do Banco Central. Atribui ainda as declarações de
Lula sobre a reversão da reforma trabalhista à necessidade de o petista acenar para sua base com um tema que, se desagrada setores empresariais, não mexe com os preços do mercado — “No limite, acredito que ele possa fazer uma barbaridade como devolver o imposto sindical, mas isso quem vai decidir é o Congresso. Em 2002 ele prometeu reverter as privatizações e não o fez.” Kayath distribui, aos amigos mais recalcitrantes, exemplares que encontra em sebos do livro “Depoimento” (Nova Fronteira, 1978), de Carlos Lacerda — “É interessantíssimo o que ele fala do golpe de 1964. Diz que o grande erro de João Goulart foi agitar o país. Quem está em cima não pode fazer isso porque qualquer agitação vai se voltar contra ele.
Bolsonaro faz isso. Lula é o contrário. Se eleito, só terá um mandato. Quer conciliar e baixar a temperatura. Não ganha nada com agitação.” É na questão fiscal que Kayath faz sua aposta mais arriscada. Diz que o teto de gastos já está desmoralizado e será mudado por quem quer que assuma. Mas vai além. Diz-se convicto de que Lula vai fazer um ajuste com os gastos da Previdência, funcionalismo, emendas parlamentares e investimento público. “É só ver o que aconteceu em 2003. [Henrique] Meirelles puxou o juro pra cima e [Antonio] Palocci fez um superávit de 5,3%. O Brasil estava quebrado. Hoje não está. Roberto Campos [presidente do Banco Central] está segurando sozinho com juro porque não tem esforço fiscal.
Um juro de 12% no fim de 2022 quebra o país, mas Lula tem mais condição de fazer um ajuste para derrubá-lo do que um cara de direita. E no momento em que houver confiança, o juro longo começa a cair, as expectativas mudam e o juro curto desce”. Queixa-se do “monopólio do bem” pretendido pela esquerda e diz que é possível identificar gente que se preocupa com o Brasil à direita, de onde exclui Bolsonaro — “Ele não é de direita, é maluco.” Exclui também o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, do rol dos bem intencionados — “É quem mais me preocupa. Diz que o teto destrói a educação e a saúde e que o problema é o juro.
O que significa isso? Dar calote no juro?” Kayath aposta que a corrupção será muito explorada junto ao eleitorado em geral, mas não vê como o tema possa reverberar no mercado, hoje com a ideia fixa de sanear o buraco fiscal. Reconhece que muitos de seus pares ainda acreditam na terceira via, mas custa a ver viabilidade de nomes como o do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), do ex-ministro Sergio Moro (Podemos) ou da senadora Simone Tebet (MDB). Em grande parte, diz, essa inviabilidade se dá porque Lula faz um movimento de ocupação do centro — “É um movimento contrário ao de Bolsonaro. Enquanto Lula, com lances como o de Alckmin, busca cativar o centro, o presidente não pode fazer a mesma coisa. Se moderar, perde sua base mais fiel que acredita ser capaz de levá-lo ao segundo turno.”
Diz que assim como há investidores que seguirão abraçados a Bolsonaro, também há setores organizados da sociedade que permanecerão ao lado do presidente. Mas não acredita em quaisquer movimentos para impor sua permanência no poder a qualquer custo — “Muita gente tem medo disso, mas não há clima para golpe. Quando tem cheiro de presidente novo na praça esses poderes começam a se posicionar.”
Valor Econômico