No Nordeste, direita fica longe de Bolsonaro e tenta aproximação com Lula
Candidatos a governador de partidos de centro-direita no Nordeste iniciaram a pré-campanha com uma estratégia de isolar a eleição local do cenário polarizado entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT) e adotar uma postura de neutralidade em relação ao pleito nacional.
Sem uma referência na eleição nacional e competindo com adversários do campo da esquerda, pré-candidatos da União Brasil como ACM Neto (Bahia), Miguel Coelho (Pernambuco), Sílvio Mendes (Piauí) e Rodrigo Cunha (Alagoas) trabalham para não terem seus nomes associados a Bolsonaro, que tem baixa popularidade na região.
Ao mesmo tempo, parte deles tenta buscar pontes com o eleitorado lulista. De forma comedida ou escancarada, elogiam o ex-presidente e repetem o discurso de boa relação institucional com Lula.
Pesquisa mais recente do Datafolha, cujos dados foram coletados entre os dias 22 e 24 de março, aponta que Lula registra 55% das intenções de voto entre eleitores dos estados do Nordeste, contra 20% de Bolsonaro.
A estratégia de afastamento de Bolsonaro ganha corpo a despeito de os principais pré-candidatos da centro-direita serem apoiados por nomes próximos ao presidente que detêm o controle de cargos federais em seus respectivos estados.
Entre os parceiros ou potenciais aliados de candidatos “isentões” estão alguns dos principais mandachuvas do centrão, caso do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e o do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Ciro Nogueira vai apoiar no Piauí a candidatura do ex-prefeito de Teresina Sílvio Mendes, tucano histórico que havia migrado para o PP e nesta janela partidária encontrou abrigo na União Brasil.
Mendes já deu declarações públicas duras na qual se classifica como um opositor de Bolsonaro e diz não querer o chefe do Executivo federal em seu palanque. Em conversa com a Folha, adotou um tom mais ameno e disse que não dará apoio incondicional a nenhum candidato a presidente.
“Quando fui prefeito de Teresina, Lula era presidente e não tive nenhum problema com ele. Bolsonaro eu sou distante, não o conheço. Mas acho que, como todo gestor, ele tem acertos e erros”, afirma Mendes.
Ele argumenta que seu desejo era que surgisse um candidato que unisse o país, mas admite que os demais nomes na disputa não se mostraram viáveis. Por isso, diz que vai se manter distante da disputa nacional: “O cenário está confuso, prefiro manter meu foco no Piauí.”
Na Bahia, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto deixou de lado o histórico de conflitos com o ex-presidente Lula, a quem fez dura oposição no período em que foi deputado federal entre 2003 e 2012.
Cercou-se de antigos aliados do PT da Bahia e tem estimulado aliados no interior da Bahia que defendem o voto “LulaNeto”. Em discursos e entrevistas na pré-campanha, evita qualquer tipo de enfrentamento ao ex-presidente.
Em visita à Bahia na semana passada, Lula também não quis fustigar o ex-prefeito de Salvador: “Eu vou evitar falar mal dos outros. Eu vou falar bem de nós”, disse o ex-presidente em ato com o pré-candidato do PT ao governo, Jerônimo Rodrigues.
No fim de semana seguinte, ACM Neto e Jerônimo se encontraram em um evento social e posaram juntos para foto. Em uma delas, o ex-prefeito de Salvador sorri enquanto o adversário faz um “L de Lula” com uma das mãos.
Em 2018, ACM Neto declarou voto em Bolsonaro no segundo turno e aproximou-se do presidente. O afastamento veio ao longo da pandemia e ganhou ares de rompimento após a nomeação de seu então aliado João Roma (PL) como ministro da Cidadania sob protestos do ex-prefeito.
Também pré-candidato ao Governo da Bahia, Roma ironiza a postura dúbia de ACM Neto: “O que fica aparentando é que o ex-prefeito fica querendo utilizar o presidente Bolsonaro como amante. Ele quer os votos de Bolsonaro, mas não quer passear de mão dada no shopping com Bolsonaro”, disse em entrevista à rádio Piatã FM.
Em Pernambuco, o pré-candidato a governador Miguel Coelho (União Brasil), filho do ex-líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), foi ainda mais longe e chamou Lula de “patrimônio do povo brasileiro”.
Apesar do vínculo recente com Bolsonaro, Miguel Coelho tem procurado desviar da disputa nacional, explorada com frequência pelos dois pré-candidatos lulistas: Danilo Cabral (PSB), que tem o apoio oficial do PT, e Marília Arraes (Solidariedade).
Antes de renunciar ao cargo de prefeito de Petrolina no final de março, Miguel disse, em entrevista à imprensa, que vai discutir os problemas e soluções para Pernambuco e não focar em Bolsonaro, Lula ou outro nome da disputa pelo Planalto.
“Lula é um patrimônio do povo brasileiro, mas não é candidato a governador. […] Tem candidatos que se escondem atrás de seu candidato a presidente. Acho que eles não têm o que mostrar deles próprios”, afirmou.
A aliados Miguel tem reafirmado que é de centro-direita e que deve apoiar o nome que surgir da possível unidade entre a União Brasil, o MDB e o PSDB na disputa presidencial. Mas a palavra de ordem é desviar do ringue presidencial.
O pai de Miguel, senador Fernando Bezerra Coelho, já foi aliado de governos petistas e chegou a ser ministro da Integração Nacional entre 2011 e 2013 no governo Dilma Rousseff (PT). Votou a favor do impeachment da presidente e logo alinhou-se aos governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro.
Em Alagoas, o senador Rodrigo Cunha trocou o PSDB pela União Brasil para concorrer ao governo com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira. A aproximação com um aliado do presidente, contudo, não significa que ele abrirá o seu palanque para Bolsonaro.
“Não gosto de fazer linha destrutiva, busco meu caminho. Minha ligação vai ser com o povo de Alagoas. Meu perfil é de construção”, disse Cunha, indicando que vai apoiar o candidato da possível aliança entre União Brasil, MDB e PSDB.
Na eleição local, Cunha enfrentará o deputado estadual Paulo Dantas (MDB), que recebeu apoio formal do PT, declarou voto em Lula e tem o apoio do ex-governador Renan Filho, que renunciou para concorrer ao Senado. Nesta terça (5), Dantas e Renan Filho tiveram um encontro com Lula em São Paulo.
O vínculo do MDB com Lula em Alagoas foi um dos motivos para a saída de Rodrigo Cunha do PSDB para a União Brasil. O senador procurou um partido mais robusto em tempo de propaganda e fundo eleitoral para a disputa.
Além do apoio de Lira, Cunha terá em sua coligação o PSB, que indicou Geraldo Alckmin para vice na chapa de Lula. A ideia é passar a mensagem de neutralidade e de discussão prioritária sobre Alagoas.
“Não vou fazer uma campanha nem a favor nem contra [Lula]. Já é muito difícil fazer uma campanha para o governo do estado”, afirma Rodrigo Cunha.
A tendência é que os bolsonaristas tenham palanques próprios nesses estados em que a centro-direita tem postura dúbia.
Além de João Roma na Bahia, o PL lançou Anderson Ferreira em Pernambuco e Major Diego Melo no Piauí. Em Alagoas, há chance do ex-presidente Fernando Collor (PTB) concorrer ao governo tanto na eleição indireta de abril quanto na direta em outubro.
Folha de SP