Proposta do PT de contrarreforma trabalhista mostra que Alckmin aderiu
Foto: ISAAC FONTANA/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Não é coincidência que o PT tenha indicado que irá propor a revogação da Reforma Trabalhista na mesma reunião em que aprovou o nome de Geraldo Alckmin para vice na chapa de Lula nesta quarta (13). Isso é uma sinalização para a sua base sindical e as alas mais à esquerda de que o partido não irá abandonar suas pautas com a nova aliança. O que não significa que a proposta seja factível – e Lula o PT sabem disso.
A legislação trabalhista foi a primeira grande pauta eleitoral a surgir este ano após Lula ressaltar, no dia 4 de janeiro, a importância da contrarreforma que vem sendo tocada pelo governo espanhol para reverter a precarização das regras trabalhistas ocorrida por lá, em 2012, e o PT colocar o tema como um dos desafios de um possível terceiro mandato do ex-presidente.
Logo depois, ainda candidato a candidato a vice, Alckmin manifestou preocupação com o assunto, pois isso geraria apreensão ao mercado. Ele estava em seu papel até porque o ex-governador vem sendo tratado como uma nova “Carta ao Povo Brasileiro”, documento que Lula apresentou na campanha de 2002 para acamar os ânimos de quem achava que ele iria implementar uma ditadura do proletariado.
Mas também é papel da base do partido e dos sindicatos continuarem a pautar o tema como um norte de ação dentro de uma agremiação de perfil trabalhista. Apesar de petistas terem vindo a público para colocar panos quentes sobre o tema junto a jornalistas, a questão nunca arrefeceu internamente. No dia 10 de janeiro, por exemplo, os presidentes da CUT, da Força Sindical, da UGT, da CTB, da NCST, da CSB e da Pública, Central do Servidor e o secretário-geral da Intersindical assinaram uma carta na esteira do debate lembrando que a reforma retirou direitos e gerou desemprego.
Há uma linha no PT que defende que a pauta é relevante, mas precisa ser amenizada diante da necessidade de criar uma frente ampla de partidos para derrotar Jair Bolsonaro. Outra linha, contudo, afirma que se abrir mão de pontos como esse, que estão ligados diretamente com geração de emprego e renda, Lula não conseguirá mostrar ao povão a diferença programática com o atual presidente. E que isso é diferente de polêmicas sobre pautas comportamentais e de costumes.
Essa segunda linha acredita que os arquitetos da reforma vão agir para tachar de radicalismo qualquer tentativa de cancelar o que eles venderam como avanços e que representantes de trabalhadores avaliam como retrocessos. Em sua avaliação, parte da imprensa, alinhada com esse pensamento, vai defender esse ponto como se fosse loucura discutir leis trabalhistas na eleição.
Apesar do pânico gerado entre aqueles que acreditam que a pauta da revogação é mais uma prova de que a nova gestão do PT será “vingativa”, a execução da proposta é difícil porque depende da correlação de forças no Congresso Nacional que sair das urnas. E, por enquanto, nada indica que teremos um parlamento de maioria trabalhista.
Quem participou de qualquer uma das dezenas de conferências populares realizadas durante os governos Lula e Dilma sabe que aprovar uma proposta para “buscar a aprovação” de algo tem a força, não raro, de “criar uma comissão”. Ou seja, há grandes chances de ficar como meta a ser alcançada, dando lugar a tentativas de reformar o texto.
Durante o trâmite da Reforma Trabalhista, o governo Michel Temer, sua base no Congresso Nacional e associações empresariais prometeram que ela removeria os “entraves” para que rios de leite e mel corressem pelas ruas das cidades brasileiras. E que brilhantes unicórnios vomitariam arco-íris perfumados sobre as contas bancárias dos mais pobres. Apesar de algumas melhorias para determinadas categorias, o milagre anunciado não ocorreu.
Um grão-petista que estava acompanhando a reunião do diretório nacional, desta quarta, lembrou à coluna que o assunto não é algo do passado, uma vez que, na sua avaliação, a Reforma Trabalhista iniciada no governo Michel Temer continuou pelo de Jair Bolsonaro. Citou, como exemplo, o pacote de mudanças escondido na forma de “jabuti” dentro da Medida Provisória 1045, aprovado pela Câmara e rejeitado pelo Senado em setembro do ano passado. E também outras MPs publicadas pelo governo que estão pendentes de avaliação pelo Congresso.
Durante meses, um rolo-compressor de interesses econômicos atropelou a necessária discussão sobre a atualização na legislação trabalhista em nome de um projeto que facilitou a precarização da proteção aos trabalhadores. Não havia espaço para o diálogo, apenas a pressa. Tanto que o Senado abriu mão de seu papel de casa revisora, aceitando aprovar o texto que veio da Câmara sem modificações. Engoliu a mentira de que o governo se empenharia para retirar pontos com os quais os senadores não concordavam.
Claro que toda legislação trabalhista precisa de revisão para se adaptar aos novos tempos. A própria CLT passou por várias desde que foi instituída – aquela história de que é o mesmo texto desde Getúlio Vargas é cascata. Mas o que aconteceu no Brasil não foi um diálogo tripartite, entre patrões, empregados e governo, buscando a atualização e a simplificação das regras.
Tanto não foi uma atualização que os legisladores de 2017 se furtaram a aprovar medidas eficazes para garantir proteções à saúde e segurança de entregadores e motoristas por aplicativos, uma das mais vulneráveis categorias. Hoje, políticos dizem que não era possível prever que esse novo proletariado urbano explodiria em número. Outra mentira.
Propostas para realizar uma Reforma Sindical, que fortalecesse os bons representantes e desidratasse os picaretas, por exemplo, eram vistas com desdém. Por outro lado, o projeto para enfraquecer as representações de trabalhadores passou com distinção e louvor.
A Reforma Trabalhista nasceu baseada em demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas junto com posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. A esse pacote inicial, somaram-se dezenas de propostas de parlamentares e de seus patrocinadores.
No final, houve algumas boas alterações, outras inócuas e um pacotão de maldades.
Lula tem, por enquanto, maioria folgada entre os 53% da população que recebem até dois salários mínimos e é por isso que está na frente. Esse público pode não ser fisgado por temas comportamentais e culturais, como direito aborto, mas está de olho nos seus direitos como trabalhadores e em sua qualidade de vida.
Durante anos, a imprensa cobrou, com razão, o estelionato eleitoral do governo Dilma Rousseff ao colocar em prática, no início de seu segundo governo, políticas econômicas que ela não havia prometido em campanha. Agora, há aqueles que querem que o PT faça um novo estelionato eleitoral, calando-se sobre um tema que ele vai ter que enfrentar no governo. Ou, pior, ignorando a natureza do partido.