Chapa Lula Alckmin nasceu no começo de 2021

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Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

No dia em que a oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PL) foi às ruas pelo terceiro mês seguido para pedir seu impeachment, o ex-deputado federal Gabriel Chalita (sem partido) ligou para o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) para avisar que a articulação da chapa Lula-Alckmin estava madura o suficiente para um encontro entre os dois políticos.

Era 3 de julho de 2021, e os protestos se repetiam com maior pressão sobre o presidente, alvo de um superpedido de impeachment e tragado pelas acusações da CPI da Covid.

O desafio da esquerda era ampliar as manifestações rumo ao centro —movimento que seria frustrado nas ruas, mas em construção nas urnas.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB, na época no PSDB) jantaram juntos pela primeira vez em 14 de julho, com Haddad e o anfitrião Chalita, no bairro de Higienópolis, em São Paulo.

Os dois já tinham sido consultados sobre a formação da chapa e haviam decidido prosseguir, mas o tema não foi mencionado, segundo Chalita contou à GloboNews.

A costura política avançava rápido e discretamente.

A primeira vez que Haddad havia ouvido o palpite sobre Alckmin concorrer como candidato a vice-presidente de Lula foi no dia em que o ex-prefeito Bruno Covas (PSDB) morreu, em 16 de maio de 2021 —uma das coincidências na história de união dos adversários.

É uma saga não só de acasos e datas simbólicas, mas de jantares, gestos públicos e, sobretudo, desprendimento dos envolvidos, de acordo com personagens envolvidos.

Quase um ano depois, a chapa Lula-Alckmin será lançada neste sábado (7), em ato com expectativa de reunir 4.000 convidados em São Paulo.

Em 16 de maio, quem soprou a então inconcebível ideia para Haddad foi o marqueteiro Felipe Soutello, responsável pela campanha vitoriosa de Covas em 2020 e atualmente na pré-campanha de Simone Tebet (MDB).

Os dois jantaram na casa do empresário Márcio Toledo, marido da ex-prefeita Marta Suplicy (sem partido) —ela não participou.

No mundo político, as eleições de 2022 já estavam em curso. Haddad se encontrava com marqueteiros em busca de nomes para sua campanha ao governo estadual. Toledo articulava uma reaproximação de Marta com o PT e fomentava uma frente ampla contra Bolsonaro.

A lógica era expressar a defesa da democracia unindo os rivais PT e PSDB. A percepção de que Lula e Alckmin eram complementares logo se espraiou. As críticas à chapa também.

Entre maio e junho, Haddad acionou Chalita, que funcionava como ponte entre o ex-prefeito e Alckmin, por ter sido secretário de ambos. Chalita levou a ideia ao então tucano, que não a recusou de pronto.

Diante da abertura, Haddad conversou com Lula. Tampouco houve veto do petista —Alckmin seria sua nova versão da Carta aos Brasileiros.

Além de Chalita, Alckmin ouviu a sugestão de se aliar a Lula do próprio Soutello, em junho, e do ex-governador Márcio França (PSB), de quem é um aliado próximo, em agosto.

França e Alckmin discutiam o cenário eleitoral —ambos almejavam o Palácio dos Bandeirantes. Soutello ainda compartilhou a ideia com tucanos do entorno de Alckmin, que torceram o nariz.

Mas o acordo já ganhava forma —e novos entusiastas. Em julho, ainda na busca por marqueteiros, Haddad almoçou com Luiz Gonzalez, responsável por campanhas tucanas durante anos, no escritório de Toledo, no bairro dos Jardins.

O assunto só surgiu depois que Gonzalez e Haddad já haviam descido sete andares de elevador e chegavam à garagem. Haddad falou sobre o posto de vice de Lula, ao que Gonzalez rebateu: “E Alckmin?”.

Embora não tenha esboçado reação, Haddad ficou intrigado. No início deste ano, chegou a perguntar a Gonzalez, por curiosidade, se ele e Soutello, que são próximos, haviam conversado antes sobre a união ou se fora uma coincidência. Gonzalez não se lembrava.

A epifania também atingiu França, que notava o tom nacional nos discursos de Alckmin. Ele ventilou a ideia em almoço com João Paulo Rodrigues, do MST, e o advogado Marco Aurélio de Carvalho, em 11 de agosto, no restaurante Badauê, nos Jardins.

O ex-governador comentou ainda com Haddad sobre o tema. Diante da aproximação entre PSB e PT a nível nacional, França e o ex-prefeito, pré-candidatos ao governo, tentavam aparar suas arestas.

Depois de concluir que havia adesão do PT, França tomou coragem para abordar Alckmin em uma de muitas reuniões no escritório do advogado Anderson Pomini, nos Jardins.

Mas foi só em 25 de setembro, num encontro da juventude do PSB e do PSD, em Cajamar (SP), que França teve a clareza de que, sim, Alckmin toparia ser vice de Lula.

O evento marcava o nascimento de uma frente eleitoral contra João Doria (PSDB), com Alckmin, França, Paulo Skaf (Republicanos, à época no MDB) e Gilberto Kassab (PSD).

França teve ainda uma sinalização positiva de Lula ao tratar do assunto em uma visita a sua casa, em outubro, quando lhe presenteou com uma garrafa de vinho. O petista logo lhe pediu o telefone de Alckmin.

O óleo da engrenagem foram as boas relações que os personagens mantinham entre si, apesar de politicamente distantes.

Alckmin e Haddad, por exemplo, viveram juntos a crise de junho de 2013 e se aproximaram. Ainda nos primeiros meses de 2021, como Haddad contou à Veja, eles vinham conversando, sempre na casa de Chalita, sobre a possibilidade de Alckmin, como candidato em São Paulo, apoiar Lula.

“Por que o senhor quer ser governador pela quinta vez?”, questionou um dos filhos de Skaf a Alckmin em um jantar com França e Kassab na casa do ex-presidente da Fiesp. O evento em Cajamar seria dali a alguns dias.

Essa pergunta ecoava na cabeça de Alckmin, segundo seus aliados.

Alckmin viveu o momento mais agudo da carreira depois de colher o pior resultado do PSDB (4,76%) em 2018. Uma nova candidatura no plano nacional era o que lhe dava mais empolgação, mas ele nem sequer era lembrado em pesquisas presidenciais.

Em 14 de maio, com a filiação de Rodrigo Garcia ao PSDB, o ex-governador passou a buscar outras siglas, como o PSD —ele não sabia que seu destino final na eleição começaria a ser construído dali a dois dias.

Tucanos do entorno de Alckmin viam na proposta uma estratégia para que PT e PSB se livrassem do seu principal concorrente na corrida paulista.

A saída do ex-tucano do páreo, no entanto, não resolveu a questão entre Haddad e França, que devem manter suas candidaturas.

No centro da discórdia está o encontro deles no escritório do publicitário Cláudio Simas, em 26 de agosto. Ali, depois de sugerir a Haddad a união Lula-Alckmin, França foi questionado pelo petista sobre a eleição paulista.

O ex-governador respondeu que São Paulo estaria “resolvido”. Haddad entendeu que o pessebista retiraria seu nome. França diz que não falou nesse sentido.

Naquele dia, como mostrou a Folha, Haddad ligou para Lula, que estava em caravana pelo Nordeste, para dar duas notícias —que o ex-governador cederia e que havia encontrado um partido para abrigar a candidatura de Alckmin a vice, o PSB.

Em setembro, quando Bolsonaro inflou atos de raiz golpista, Lula e Alckmin jantaram pela segunda vez no apartamento de Chalita, na presença de Haddad.

O ex-secretário declarou à GloboNews que Lula condicionou a concretização da chapa aos partidos e que as ameaças à democracia dominaram o assunto.

A construção da chapa se tornaria pública em 3 de novembro em reportagem exclusiva da Folha.

“Uma costura delicada entre lideranças do PT e do PSB tenta viabilizar uma chapa que una Lula como candidato a presidente da República e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin como vice”, publicou a colunista Mônica Bergamo.

Um evento anual de confraternização do grupo jurídico Prerrogativas se tornaria cenário para a primeira aparição pública de Lula e Alckmin que, desde setembro, se falavam com certa frequência ao telefone.

Com a previsão de receber 500 convidados, pelo preço de R$ 500 reais o convite, e uma lista de espera com o dobro de pessoas, o jantar ocorreu no restaurante A Figueira Rubaiyat, na capital paulista, na noite do dia 19 de dezembro.

A pedido de Lula, o evento teve uma contrapartida social: mais de R$ 500 mil em doações foram revertidos para uma campanha de arrecadação de alimentos.

Responsável por organizar a disposição dos convidados a pedido de Lula, Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas, elaborou um critério que juntaria necessariamente Lula e Alckmin na mesma mesa, dedicada ao petista e a ex-governadores e ex-prefeitos.

Os políticos, no entanto, ficaram em espaço reservado e com entrada controlada. Cerca de 200 pessoas entraram e saíram da área para cumprimentar Lula, que não jantou, apenas bebeu água.

Já Alckmin experimentou o menu, com uma opção vegetariana, risoto à primavera, e uma picanha servida com batata suflê, um clássico da casa.

O jantar cumpriu o objetivo de proporcionar a tão esperada foto da dupla, usada como um recado ao país sobre a necessidade de ampliar alianças para derrotar Bolsonaro.

Passado o evento, era preciso entender como as pessoas iriam reagir. Segundo os entusiastas, o mérito do evento foi possibilitar a aprovação da opinião pública e a decantação das críticas que vinham de parte do PT e também de tucanos.

“Daqui pra frente, você não pode mais ser tratado de ex-governador e eu não posso ser tratado de ex-presidente. Você me chama de companheiro Lula e eu chamo você de companheiro Alckmin.”

Foi com esse pedido que Lula discursou no dia 8 de abril, em reunião que oficializou a indicação de Alckmin para a vice —uma de ao menos seis vezes em que os dois estiveram juntos em 2022.

Outra foi em 11 de fevereiro, na casa de Haddad, em Moema, num jantar com Lula, Alckmin e Chalita. Selaram ali o acordo da chapa, mesmo sabendo que teriam dificuldades para viabilizá-la em razão das resistências de apoiadores de ambos.

França não foi convidado, mas soube do jantar por um dos donos do restaurante Alyah, que lhe contou sobre o cordeiro que seria servido ao ex-presidente. O ex-governador, por coincidência, fora almoçar no local, próximo da casa de Haddad.

Estrategistas que acompanham a articulação da chapa já têm dúvidas, no entanto, se ela cumprirá o papel de representar uma frente ampla.

Isso porque a escolha de Alckmin como um aceno a setores mais conservadores e na tentativa de ampliar alianças para além da esquerda não estaria trazendo resultado. Sem um grupo político representativo, o ex-tucano não atraiu mais deputados, partidos ou eleitores.

Ironicamente, na avaliação de alguns políticos, o desfecho se distancia do planejado há um ano. Filiado ao PSB em 23 de março, Alckmin não teria reposicionado Lula ao centro, mas, sim, sido levado pelo petista ao campo da esquerda.

Duas cenas exemplificam esse movimento. Em evento com sindicalistas, no último dia 14, Alckmin chamou a atenção ao exaltar o petista aos gritos.

Ele aumentou o tom de voz para dizer que a “luta sindical deu ao Brasil o maior líder popular deste país”. Em seguida, já rouco, repetiu: “Lula, Lula, viva Lula, viva os trabalhadores do Brasil.”

No dia 28, no congresso do PSB, Alckmin afirmou ter ficado à vontade ao ouvir o hino da Internacional Socialista, coligação de partidos socialistas e social-democratas de vários países existente desde 1951, que é associada a siglas de esquerda.

Após o lançamento da chapa no sábado, a dupla seguirá em viagem pelo país. A quem interpelar Alckmin sobre sua mudança de posição, o ex-governador deu pista de sua resposta em discurso no ato de filiação.

“Temos que ter os olhos abertos para enxergar, a humildade para entender que ele [Lula] é hoje o que melhor reflete e interpreta o sentimento de esperança do povo brasileiro. Aliás, ele representa a própria democracia porque ele é fruto da democracia.”

Folha