A confusão do delegado que nega uso de suástica para marcar mulher
O delegado gaúcho Paulo César Jardim, se apresentando como “um especialista”, provocou repúdio ao sugerir que a suástica marcada na barriga de uma jovem de Porto Alegre com canivete não era o símbolo do nazismo e sim o sinal “budista de paz, amor e fraternidade”.
Sem entrar no mérito de quem fez a marca e com qual intenção, é seguro dizer que a associação tencionada foi com o nazismo.
Até segunda ordem, não há relatos de grupos fundamentalistas budistas no Brasil marcando seus adversários com o sinal, ou algum antifascista imitador do personagem de Brad Pitt em “Bastardos Inglórios” (Quentin Tarantino, 2009). E Jardim foi além, dizendo que o símbolo não seria uma suástica.
Ele deve ter se confundido, ao considerar como suástica apenas o símbolo que apareceu pela primeira vez na bandeira do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães em 20 de maio de 1920 (e não por “neonazistas” nos anos 1930, como ele disse).
Isso porque a marca feita na moça em questão está virada para a esquerda, indicando um movimento em sentido horário, considerando a posição das “pernas” da cruz. No nazismo, a suástica escolhida gira em sentido anti-horário.
A suástica, termo que vem do sânscrito e pode ser traduzido como algo que traz bem-estar e boa fortuna, existe em inúmeras culturas do mundo. Foi encontrada em artefatos búlgaros num sítio arqueológico de 6.000 a.C., em joias na Mesopotâmia de 3.200 a.C., vasos chineses, mosaicos romanos, ornamentos gregos, igrejas cristãs renascentistas e em várias nações indígenas norte-americanas —tanto que a 45ª Divisão de Infantaria do Exército dos EUA ostentava o símbolo, à moda nazista, em forma de homenagem aos índios até a ascensão do regime de Adolf Hitler.
Na Europa, o norte do continente tem diversas manifestações do uso da suástica, particularmente no Báltico. A Finlândia a tem em algumas bandeiras militares até hoje, e foi obrigada a disfarçar o símbolo em sua principal comenda nacional, para não constranger estrangeiros.
O símbolo tem grande prevalência nas religiões orientais, daí talvez a citação reducionista do delegado. Está presente no hinduísmo e no jainismo, grandes denominações do subcontinente indiano. No primeiro caso, há uma diferenciação que já foi especulada como a razão da escolha da rotação anti-horária da suástica nazista.
Os hindus associam o símbolo girando em sentido horário ao ciclo solar, em oposição ao contrário, a noite, domínio da tenebrosa deusa da morte Kali. Mas na Índia não há a conotação negativa: trata-se apenas do dualismo básico do cosmo e da vida humana, luz e sombra.
No budismo, a presença é ainda mais forte, como qualquer turista que for à Tailândia, Nepal, Butão ou outro país daquele canto do mundo perceberá. A versão “nazista” é particularmente notável entre os aderentes do ramo theravada, forte no Sudeste Asiático, e em algumas subdivisões do budismo tibetano.
De maneira geral, em todos os casos a suástica é associada a bons sentimentos. Sua perversão no Ocidente começou no fim do século 19, no Império Austro-Húngaro em decadência. Diversos grupos pan-germanistas, especialmente influenciados pelo místico austríaco Guido von List (1848-1919), surgiram amparados por uma amálgama de nacionalismo racial, esoterismo e pseudo-historicismo.
Vivendo num domínio multiétnico, foram buscar nos não-germânicos a culpa pela crise política e econômica —judeus e eslavos eram os alvos principais.
Von List e outros mais benignos, como a Sociedade Teosófica, adotaram suásticas como símbolos. No caso do austríaco, porque ela evocava a suposta origem dos povos germânicos: os grupos arianos da Índia e Ásia Central.
Os grupos pangermanistas se proliferaram no sul da Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial (1914-18). Com o caos instalado pela derrota, eles ganharam influência em círculos mais conservadores que temiam a sovietização da sociedade.
A aproximação entre esses grupos, notadamente a Sociedade Thule, com o embrionário Partido dos Trabalhadores Alemães (DAP), fermentou a emergência ideológica do nazismo.
Veterano de guerra desiludido, o austríaco Hitler encontrou-se em 1919 com membros de ambas as entidades, inicialmente como um espião a serviço de setores de direita do Exército.
Não foi um casamento perfeito, tanto que o futuro ditador viria a atacar algumas figuras daqueles movimentos em seu livro “Minha Luta”, mas vários nomes da Thule, da Germanenorden e outras sociedades secretas acabaram com papel proeminente no nazismo. Em 1920, o DAP viraria NSDAP, o Partido Nazista, com um símbolo sugerido por Friedrich Krohn, especialista em pangermanismo.
Krohn queria a suástica no sentido horário e sugeriu o esquema de cores e desenho da bandeira, mas Hitler, já naquele ponto o centro do movimento, decidiu pela versão final.
Quando os nazistas chegaram ao poder pela via legal, em 1933, durante dois anos o estandarte foi pendurado ao lado da bandeira nacional alemã.
Depois, virou o símbolo único do país, gerando a associação entre suástica e a ditadura homicida de Hitler que perdura até hoje no Ocidente.
Da FSP.