Bolsonaro quer nomear hordas de aliados para embaixadas
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
A tramitação de uma PEC que permite a nomeação de parlamentares para o cargo de embaixador sem perda de mandato está causando preocupação e mal-estar no Itamaraty. A proposta é de autoria do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), mas pelo menos uma dezena de senadores têm interesse em sua aprovação, pois imaginam poder pleitear postos no exterior para depois voltar às suas atividades no Congresso.
A PEC 34/2021 altera o inciso I do artigo 56 da Constituição, para prever que “a investidura de parlamentar no cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente não dá ensejo à perda de seu mandato”. Ela atualmente tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, presidida por Alcolumbre.
Diplomatas temem a aprovação relâmpago de um texto que, segundo alguns que conversaram com o Valor na condição de anonimato, pode ter graves consequências para política externa brasileira, sob o risco de submetê-la algumas vezes a motivações políticas e paroquiais conflitantes com os interesses nacionais.
Para algumas dessas fontes, o principal perigo da PEC há um risco concreto de tornar as embaixadas insubordinadas ao Itamaraty. Alegam que, se um senador forte for nomeado para um posto em Washington, Buenos Aires ou Caracas, por exemplo, a tendência é seguir as ordens de seu partido em detrimento das orientações da área correspondente do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
“É o fim da política externa, tal como nós a concebemos”, diz uma fonte diplomática.
Por se tratar de uma PEC, o texto não precisa passar por comissões temáticas, podendo ser encaminhada diretamente da CCJ ao plenário do Senado. Na Câmara, o rito é mais complexo e exige a instalação de uma Comissão Especial. Emendas constitucionais não são passíveis de veto presidencial.
Após uma mobilização de diplomatas, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) conseguiu a aprovação na quarta-feira de requerimento de um audiência para discutir o tema no colegiado. A audiência ainda não tem data para ocorrer.
Foram convidados a participar o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, o ex-chanceler Celso Lafer e a presidente da Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB), embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues.
Além deles, também receberam convite Júlia Dias Leite, diretora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), e o cientista político Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais e Política Comparada da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ao Valor, a embaixadora Maria Celina afirma que a PEC, se aprovada, trará um grave conflito relacionado à separação dos poderes Executivo e Legislativo. Ela diz acreditar que “a preservação do interesse nacional ficará absolutamente instável” quando a regra for aplicada.
“Há um problema sério que se refere a conflito com relação à separação constitucional dos Poderes Legislativo e Executivo”, diz a embaixadora. “A preservação do interesse nacional é ‘absolutamente instável’ nessa hora. “A visão do diplomata não é uma visão estadual. É uma visão nacional. Muitas vezes, o que ele defende não coincide com a visão estadual.”
Maria Celina, assim como outros diplomatas com quem o Valor conversou, afirma ainda que a PEC pode desmotivar os jovens diplomatas a seguir carreira no Itamaraty. Isso porque esses profissionais são submetidos a anos de estudo árduo, avaliações funcionais e passam por diversos postos diplomáticos antes de comandar uma embaixada.
Ela diz que ainda está preparando o seu depoimento, mas adianta parte do que deve ser a linha de sua fala na CCJ.
“Eu vou provar por que os nossos cursos valem a pena, por que as nossas avaliações valem a pena e por que existe um conflito constitucional de interesses”, afirmou.
Embora tenha a autoria de Alcolumbre, a PEC contou com as assinaturas de 27 senadores tanto governistas como da oposição para começar a tramitar.
Segundo fontes no Congresso, o fato de vários senadores terem interesse em assumir embaixadas sem abrir mão dos próprios mandatos contribui para um ambiente favorável à PEC na Casa.
Nos bastidores, a mudança é vista como uma possível saída para acomodar parlamentares aliados de maior relevo no Congresso, mas que enfrentam dificuldades eleitorais em seus Estados.
Na justificativa, Alcolumbre alega que a restrição, prevista na Constituição de 1988, consiste em “discriminação odiosa aos parlamentares, visto que, por lei, o cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente não era exclusivo dos membros da carreira de diplomata”.
Ele completa: “Se, em tese, qualquer cidadão poderia ser chefe de missão diplomática permanente, preenchidos os critérios fixados em lei, por que não os deputados Federais e senadores, representantes do povo? Entendemos ter chegado a hora de revisitar esse debate político-constitucional”.