Temer tem nova versão para traição a Dilma
Foto: Léo Pinheiro/Valor
Aliado de primeira hora de Michel Temer, o ex-governador do Rio Wellington Moreira Franco (MDB) tem se movimentado como interlocutor do grupo político do ex-presidente numa tentativa de promover o que chama de pacificação do país, diante da polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro. Moreira, em entrevista ao Valor, confirma que existem tratativas para aproximar Lula e Temer, mas considera que os esforços esbarram num comportamento menos dócil do petista nesta eleição.
“Já achei que, com o presidente Lula, a pacificação do país seria mais fácil e se desse com mais naturalidade do que está sendo. Porque ele já fez no passado. Mas compara a atitude do Lula em que ele saiu vitorioso, em 2002, e na campanha atual. É muito diferente”, diz.
Ex-ministro de Temer e de Dilma Rousseff (PT), Moreira Franco afirma que há 20 anos a marca da campanha do petista era a do “Lulinha paz e amor”. “Ele não está paz e amor. Ele precisa entender que precisa constituir maioria para pacificar o país. Não há hipótese de você sair dessa crise econômica, que é gravíssima, se não houver pacificação”, diz Moreira, ex-governador do Rio (1987-1991) e presidente do conselho curador da Fundação Ulysses Guimarães, do MDB.
Indagado se não é Temer que estaria adiando uma conversa com Lula, o ex-ministro defende um curso natural para a aproximação. “ Evidentemente é muito difícil você conversar debaixo de chicote, sendo chamado de golpista, a Dilma batendo nele o tempo todo. Há medidas postas de maneira sectária, como a [revogação da] reforma trabalhista, do teto de gastos, ou seja, não é fácil”, diz. Para Moreira, a possibilidade de a pré-candidata à Presidência pelo MDB, senadora Simone Tebet (MS), quebrar a polarização é muito difícil. “É compreensível, porque se dá entre dois ex-presidentes, todos dois com muita história, muita penetração na alma do país. Não é fácil quebrar isso”, diz.
A reaproximação do grupo de Temer e de Moreira Franco com Lula encontra resistência devido ao passado recente em que o líder do MDB, então vice de Dilma, trabalhou pela queda da petista. O ex-ministro afirma que a República brasileira foi fundada em 1889 sob a cultura do golpe mas nega que o impeachment tenha sido um “golpe frio” – conceito caro à ciência política. Diz que houve um revide.
“Não houve golpe. Se quer usar a terminologia, houve um contragolpe. O golpe quem deu foi ela”, diz. Moreira argumenta que Dilma tinha aceito um acordo de ficar por quatro anos no mandato e não concorrer à reeleição.
“Toda a prática dela foi de descumprir esse compromisso, Dilma foi eleita com o compromisso de ficar quatro anos e o Lula voltaria. Todo mundo sabia disso. Eu fiz parte [do grupo] de pessoas que coordenavam a campanha dela. Eram cinco representando partidos. Eu representava o PMDB na coordenação. E era absolutamente acertado, ponto pacífico [o compromisso]”, diz.
Para Moreira, a pacificação do país é fundamental para a retomada da segurança jurídica e para estancar um visível processo de decadência que, em sua opinião, já dura quatro décadas e faz os indicadores socioeconômicos retroagirem aos tempos do governo FHC.
“Como pode o Executivo pedir CPI para fiscalizar a Petrobras? Isso é esculhambação, escárnio. O país não tem mais segurança jurídica, perdeu. O orçamento comandado pelo Congresso triplicou, isso dá uma insegurança brutal para as instituições, para os investidores, para quem tem responsabilidade de gerar emprego”, afirma.
O ex-ministro diz não fazer sentido o debate eleitoral sobre o fim do teto de gastos: “O [presidente da Câmara Arthur] Lira acabou com o teto, não precisou ter uma eleição. A medida do teto é a execução orçamentária, para saber se furou ou não. Se o orçamento é secreto, como vai ter essa medida?”
Apesar das críticas a “declarações e posturas” de Lula, Moreira reconhece que Bolsonaro não é a figura que favorece a pacificação nacional. “Infelizmente não, ao contrário. Ele gosta de trabalhar dobrando parada”, afirma o emedebista, que, no entanto, diz não acreditar numa intervenção militar, caso o presidente perca a eleição, conteste o resultado e busque um golpe com o apoio das Forças Armadas. “Não sou cartomante, trabalho com fatos, e temos que combater os que não são democratas”, afirma, evitando qualificar Bolsonaro como um democrata. “A mim não cabe julgar. Quero que ele, se liderar um grupo, seja democrata, que respeite as regras, que é isso que define. Veja na Colômbia agora. O cara [Rodolfo Hernández, candidato da direita] perdeu e reconheceu”, diz.
O receio, no entanto, paira sobre o horizonte. No MDB há 50 anos, com passagem de seis anos pelo PDS entre 1979 e 1985, Moreira diz que, apesar de abalado pela ascensão do bolsonarismo em 2018, o centro político “vai sempre existir”. Mas vê “com tristeza que nós temos hoje a democracia novamente como a grande luta”.
“Lamentavelmente, toda uma luta de décadas, ela retoma. É extremamente prejudicial, institucionalmente, as lideranças políticas forçarem a entrada de militares no jogo político. Não são pessoas físicas. É a instituição, e uma instituição do Estado, que tem uma atribuição específica, e não de governo”, afirma Moreira, que, em fevereiro, foi absolvido, junto com Temer, na ação que levou ambos à prisão em 2019.