Manobra pode dar R$ 16 bi para Bolsonaro gastar
Foto: Caio Coronel/Valor
A instalação de um estado de emergência até dezembro pela proposta de emenda constitucional (PEC) das bondades pode liberar o governo federal a pagar emendas parlamentares durante a campanha e desequilibrar as eleições a favor de seus aliados no Congresso, afirmou ao Valor o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco.
“Essa PEC tira todas as amarras fiscais ligadas a União, ignora a Lei Eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que fortalece essa ideia de que você pode fazer de tudo”, afirmou. Com isso, o governo poderia fortalecer seus aliados com a liberação de quase R$ 16 bilhões do “orçamento secreto”, dos quais R$ 8,9 bilhões ainda nem estão empenhados.
A Lei Eleitoral determina que as transferências voluntárias (como as emendas parlamentares ao Orçamento) para Estados e municípios serão proibidas nos três meses antes da eleição, ressalvados os recursos para cumprir cronograma já existente de obras e serviços ou “os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública”.
Sob pretexto de criar novos benefícios apesar da vedação da lei eleitoral, a PEC das bondades determina que “fica reconhecido, no ano de 2022, o estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e dos impactos sociais deles decorrentes”. O texto já foi aprovado pelo Senado e está em votação acelerada na Câmara.
Secretário-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Volgane Carvalho afirmou acreditar que não há como utilizar esse instrumento da PEC para liberar o pagamento das emendas parlamentares, exceto aquelas ligadas diretamente aos motivos da emergência (o preço dos combustíveis). “A primeira coisa a anotar é que não existe um estado de emergência. Foi criado artificialmente e é uma questão super problemática”, disse. Para ele, o estado de emergência previsto na lei eleitoral seria para situações críticas, como o toque de recolher decretado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo em 2006, quando não se conseguia cumprir a lei.
Já Castello Branco argumenta que, durante a pandemia, o estado de calamidade pública foi utilizado para ampliar gastos em áreas não relacionadas com o combate à covid-19, como em esportes, turismo e nas Forças Armadas, e que a fiscalização sobre essas despesas é complicada e demorada. “Numa ótica política em que o governo está fazendo de tudo para se reeleger, não sei se isso será analisado com tanto rigor assim [na hora de liberar o pagamento das verbas]”, disse.
O secretário-geral da ONG Contas Abertas afirma ainda que a criação do “orçamento secreto”, ou emendas de relator, mudou o jogo durante a eleição. Essas emendas, no valor total de R$ 16,5 bilhões, são controladas pelo Congresso, que determina a ordem de pagamento e prioridade, sem que o Executivo possa remanejar essas verbas. Quem recebe são os aliados políticos do Executivo e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A Advocacia-Geral da União (AGU) baixou cartilha para dizer aos ministérios que de 4 de agosto a 3 de outubro o pagamento de transferências voluntárias está proibido, mas que o empenho de recursos (reserva do dinheiro) será permitido. Com isso, os parlamentares poderão destinar recursos para suas bases eleitorais em meio a campanha. Para Castello Branco, isso desbalanceará as eleições. “É aquela analogia da compra de voto. O candidato dava um pé do sapato e, se ganhasse a eleição, dava o segundo pé. Antes da eleição, mostra o empenho. E se ganhar a eleição, manda a ordem bancária”, disse.
Para Volgane Carvalho, “isso é do jogo” eleitoral. “Não há essa vedação aos empenhos na lei, inclusive porque podem ser cancelados depois. Mas, nesse caso, pode ser analisado em outra seara do direito eleitoral, como abuso de poder político, dependendo de como for utilizado pelo parlamentar e pelo governo.”