Em cumprimento à lei, Uruguai prende militares que emitiram opinião política
No último mês, no Uruguai, o governo de Tabaré Vázquez, de esquerda, puniu o comandante do Exército e o número dois da corporação com base em um artigo da Constituição que proíbe militares de expressar publicamente opiniões políticas.
O castigo ao comandante Guido Manini Ríos, figura máxima na organização militar do país, e ao número dois do exército se dá em meio ao debate sobre a reforma da previdência dos militares uruguaios.
Manini Ríos terminou de cumprir na última semana a pena de um mês de prisão nas dependências do Exército. Durante o período, continuou trabalhando, mas não pôde voltar para casa para dormir, por exemplo.
O comandante foi acusado de violar a Constituição ao criticar, em uma entrevista no rádio, o projeto de reforma da previdência antes de ser votado na câmara de deputados. Foi determinada prisão administrativa de 30 dias – uma medida jamais dada, nessa extensão, ao comandante do Exército do país.
A decisão de Vázquez desagradou diversos lados: a oposição considerou a sanção muito dura, e alguns setores do governo defendiam a exoneração do militar.
Pouco mais de uma semana depois da prisão de Ríos, o chefe do Estado Maior do Exército, Marcelo Montaner, foi condenado a três dias de prisão administrativa.
Ele foi responsabilizado pela banda da Escola Militar executar uma marcha associada ao Partido Nacional, de oposição, durante cerimônia de encerramento de evento no qual participavam e iriam discursar, logo depois da apresentação, ministros de governo. O episódio foi interpretado como uma crítica do Exército à punição a Manini Ríos.
Embora a punição aos dois principais homens do Exército uruguaio tenha gerado intenso debate no país, trata-se de casos isolados na avaliação de Gerardo Caetano, historiador, cientista político e professor da Universidade da República.
“Não deve surpreender a sanção; o que deve surpreender é por que demorou tanto”, disse Caetano ao UOL, que explicou que.não foi a primeira vez que Ríos criticou publicamente o governo.
“Temos um comandante do Exército que, de forma persistente, tem feito declarações políticas, sobretudo pelas redes sociais, que deixam um certo tom golpista”, analisa.
Apesar disso, Ceatano afirma que o Uruguai não está “em uma situação de crise institucional”. “Não acredito que exista o perigo de quebra institucional, de golpe militar, mas há indícios preocupantes, como uma política militar concessiva por parte do governo e uma presença de discurso político do Exército, muito associado com a oposição”.
Segundo o professor, essa politização das Forças Armadas é observada em toda a América Latina, inclusive no Brasil. “Em vários países da região, os militares têm recuperado o poder político. No Brasil, por exemplo, os comandantes falam e fazem pressão política”, avalia.
No Brasil, os militares também são proibidos de emitir publicamente opinião política ou partidária, conforme os regulamentos internos das Forças Armadas.
No Exército, desde 2002, é vetado “discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado”. O regulamento disciplinar da Aeronáutica, de 1975, proíbe “externar-se publicamente a respeito de assuntos políticos”, e o da Marinha, de 1986, proíbe “manifestar-se publicamente a respeito de assuntos políticos ou tomar parte fardado em manifestações de caráter político-partidário”.
“Não é considerado um crime militar, mas uma transgressão disciplinar passível de punição. O militar pode sofrer advertência, prisão administrativa ou, dependendo do caso, até ser excluído ou licenciado da força militar”, explica Ivan Filho, advogado especialista em direito militar.
Segundo ele, tanto a investigação quanto a punição são internas. “O próprio comando abre uma sindicância que apura a conduta do militar. É tudo feito internamente”.
Apesar da proibição, são recorrentes os casos de militares que falam de política abertamente. O comandante do Exército brasileiro, general Eduardo Villas Bôas, usa com frequência as redes sociais para expressar suas opiniões.
“Como ele está em um alto grau, o maior das Forças Armadas, e subordinado diretamente ao presidente, caberia ao presidente aplicar uma advertência ou punição”, explica. É de responsabilidade do presidente da República indicar os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Villas Boas foi nomeado em 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff.
Da UOL