Alckmin decretou sigilos, mas revogou

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Foto: André Porto – 20.ago.22/UOL

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem concentrado artilharia nos sigilos da gestão de Jair Bolsonaro (PL). O petista prometeu um “revogaço” dos decretos de segredo de informações, uma prática recorrente no atual governo —do cartão corporativo e de vacinação do presidente ao processo que acabou com a não punição do general Eduardo Pazuello por subir em palanque político.

Hoje vice na chapa de Lula, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB) teve sua gestão como pioneira no uso do sigilo de dados públicos, como mostrou a Folha em 2015. Ele argumenta ter revogado as decisões, impostas pelas secretarias de seu governo, assim que soube das medidas pela imprensa.

O caso mais ruidoso foi o sigilo de 25 anos sobre documentos do transporte público, uma das vidraças do PSDB. O assunto gerou questionamentos de TCE (Tribunal de Contas do Estado), Ministério Público e rivais políticos.

À época, o PT publicou texto dizendo que a decisão era “tirana” e que o então tucano “decidiu esconder da população as falhas do transporte”, além de uma ilustração do “cofre do Alckmin”.

Agora, Lula tem feito críticas recorrentes aos sigilos impostos por Bolsonaro, seu principal adversário no pleito presidencial. “Eu poderia fazer decreto de cem anos. Sabe decreto de sigilo que está na moda agora? Poderia não apurar nada e colocar decreto de cem anos de sigilo para o Pazuello, para os meus filhos, para os meus assessores. Ou poderia não investigar”, afirmou em entrevista ao Jornal Nacional.

Durante o debate organizado em consórcio por Folha, UOL e TVs Bandeirantes e Cultura, Lula voltou a usar o assunto para se defender do tema da corrupção. “Hoje qualquer coisinha é sigilo de cem anos.”

Diferentes órgãos federais já decretaram sigilo a informações de interesse de Bolsonaro e de sua família.

No caso do governo Alckmin, os sigilos não envolviam pessoas ligadas ao ex-governador. No entanto, grandes conjuntos de documentos foram vetados à população de maneira indiscriminada e sem análise caso a caso, afetando a transparência e abrangendo pontos fracos das gestões tucanas no estado.

A decisão de impor segredo por 25 anos a centenas de documentos do transporte público metropolitano de São Paulo, às portas da eleição de 2014, quando Alckmin se reelegeria governador paulista e ainda era adversário político do PT, deu-se em meio a atrasos em construções do setor e às investigações sobre um cartel para realizar obras e fornecer equipamentos ao Metrô e à CPTM em gestões tucanas.

PT em 2015 classificou decisão de sigilos de Alckmin como tirana

O carimbo de ultrassecreto impossibilitava, na ocasião, acesso a documentos como estudos de viabilidade, relatórios de acompanhamento de obras, projetos, boletins de ocorrência da polícia e até a vídeos do programa “Arte no Metrô” –que expõe obras de arte nas estações.

Na época, o governo alegou que o veto aconteceu para impedir que os dados fossem acessados por pessoas “mal-intencionadas” ou “inabilitadas”. O então governador, por sua vez, afirmou na ocasião que havia “muitas coisas sem sentido” na determinação de sigilo pela pasta e que mandaria revogar a decisão.

A onda de sigilos também atingiu documentos de outros órgãos, como a Sabesp, que tornou secretos por 15 anos procedimentos e projetos técnicos e operacionais do abastecimento hídrico paulista.

Após a repercussão negativa das reportagens, o governo recuou e retirou o sigilo dos materiais.

A prática também se deu na Secretaria da Segurança Pública, que havia determinado, por exemplo, segredo de 50 anos em dados de boletins de ocorrência. Após nova repercussão negativa, o governo afirmou que não divulgaria mais tabelas de documentos restritos e que faria a análise caso a caso.

Na época, o governo realizou ainda mudanças que enfraqueceram o poder da sociedade civil no conselho estadual de transparência. Em um decreto, houve aumento no número de membros do governo no órgão para oito —enquanto representantes de entidades seguiram com seis, desequilibrando as votações.

Outra mudança se referia à cadeira da presidência, que, pelo regimento do órgão, tem o voto de desempate e organiza a pauta das reuniões. A princípio, a sociedade civil tinha a preferência para ocupar o cargo, mas, depois, a prioridade passou a ser de um integrante da Secretaria de Governo.

Questionada, a assessoria de Alckmin afirmou que ele nunca decretou sigilo sobre documentos oficiais. “Tão logo tomou conhecimento dos casos de sigilo do Metrô e da Sabesp, determinou a revogação dessas medidas. O ex-governador regulamentou a lei estabelecendo limites rígidos para a imposição de sigilo.”

No ano seguinte à publicação das reportagens, o governador publicou decreto sobre o tema que, entre outros pontos, estabelecia que o acesso aos dados deveria observar “os princípios da publicidade e da transparência com preceito geral e do sigilo como exceção”.

A campanha do ex-presidente Lula não quis comentar o assunto.

O ex-presidente tem prometido revogar os sigilos relacionados ao governo Bolsonaro caso seja eleito.

Entre outros episódios, a Receita Federal impôs segredo de cem anos ao processo que descreve a ação do órgão federal para tentar confirmar uma tese da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) visando anular a origem do caso das “rachadinhas” do filho do presidente da República.

Em 2021, o Exército apontou risco à segurança dele e da filha Laura, 11, para impor sigilo aos documentos que embasaram a autorização para matrícula excepcional dela no Colégio Militar de Brasília.

Uma comissão formada por servidores de alto escalão de sete ministérios do governo também negou pedido da Folha e manteve secreto por cem anos o processo interno do Exército que decidiu não aplicar nenhuma punição ao general Eduardo Pazuello pela participação em um ato político ao lado de Bolsonaro.

O GSI (Gabinete de Segurança Institucional) também colocou sob segredo as informações de visitas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto e chegou a decretar sigilo sobre reuniões de Bolsonaro com pastores suspeitos em esquema no Ministério da Educação. Depois, porém, recuou.

Folha