Exército quer descolar sua imagem de Bolsonaro
Em um movimento discreto, o Comando do Exército blindou os 15 generais do Alto Comando da Força ao evitar que eles participassem da reunião ocorrida na terça-feira (6) com o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL-RJ).
Como o deputado federal terá o papel de escolher, logo no início do governo, o novo comandante a partir de uma lista de nomes a ser encaminhada pelo Ministério da Defesa, o Exército optou por não deixar que, num encontro institucional na sede da Força, assuntos de interesse do órgão fossem tratados previamente pelos “candidatos naturais” ao cargo, nem que eles ficassem expostos a questionamentos mais diretos do presidente eleito.
A decisão de não facilitar uma reunião oficial do Alto Comando com Bolsonaro é interpretada também como mais um sinal da preocupação que o Exército tem sobre uma politização de oficiais da ativa durante o futuro governo, um cenário hipotético considerado nefasto e que deve ser evitado em cada detalhe.
Para o Exército, a escolha do novo comandante deve obedecer critérios objetivos e ter o respaldo da instituição, amenizando a influência pessoal do presidente nos destinos da Força.
Ainda que exista um amplo apoio entre os militares para o sucesso do governo de Bolsonaro, o Comando quer restringir ao máximo eventuais interferências políticas na tropa, potenciais ameaças à disciplina e à hierarquia, pilares das organizações militares. Nesse contexto, evitar que Bolsonaro dialogasse diretamente com um futuro comandante da tropa foi uma medida profilática apoiada pelos próprios generais.
O Alto Comando é formado pelos generais da patente mais alta na hierarquia no Exército, os generais-de-exército, conhecidos como “quatro estrelas”. Sairá desse grupo a lista de potenciais ocupantes do comando da Força, hoje ocupado pelo general Eduardo Villas Bôas.
Bolsonaro estudou na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em Resende (RJ), e tem relações de amizade com pelo menos quatro integrantes desse grupo, os generais Edson Leal Pujol, Paulo Humberto Cesar de Oliveira, Mauro Cesar Lourena Cid e Carlos Alberto Neiva Barcellos. Os dois primeiros são, por ordem, os mais antigos, e candidatos naturais ao cargo de comandante.
Bolsonaro esteve no Comando do Exército nesta terça-feira em Brasília ao lado de três generais da reserva: seu vice, Antonio Mourão, Augusto Heleno, que deverá chefiar o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no Palácio do Planalto, e Oswaldo Ferreira, cotado para atuar no setor de infraestrutura do governo.
O encontro teve dois momentos distintos, registrados em fotografias divulgadas depois pelo comandante Villas Bôas em seu perfil em rede social. Na primeira etapa, Bolsonaro conversou rapidamente e posou para fotografia ao lado de cinco generais “quatro estrelas”, entre os quais, os quatro antigos colegas da Aman.
A conversa oficial com o Comando da Força, porém, só feita com o comandante da Força, os oficiais do seu gabinete e a comitiva do presidente eleito. Na conversa, Villas Bôas tratou de recursos para projetos estratégicos da Força. A reunião foi fechada à imprensa e tanto o Exército quando a assessoria de Bolsonaro não deram maiores detalhes.
Entre terça-feira e quarta-feira (7), Bolsonaro se reuniu com os comandados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O vice-presidente eleito, Antônio Mourão, disse à Folha, por mensagem ao telefone, que as reuniões não passaram de “visitas de cortesia, apenas isso”.
Nos últimos anos, a duração do comandante do Exército tem coincidido com o da Presidência da República. Villas Bôas foi nomeado pela então presidente Dilma Rousseff (PT), mantido pelo presidente Michel Temer (MDB) e deverá deixar o cargo em janeiro.
Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a prática de nomear, a partir da indicação do Ministério da Defesa, o mais antigo “quatro estrelas” para o cargo —isso não existia antes porque o Ministério da Defesa só foi criado em 1999.
Dilma quebrou a recente tradição ao fazer sua escolha a partir de uma lista tríplice, ao nomear Villas Bôas, que era o segundo mais antigo. A indicação, porém, foi bem recebida pela Força. Se for retomada a tradição, o escolhido deverá ser o “quatro estrelas” mais antigo, o general Edson Pujol.
Dois dias antes da decisão de segundo turno das eleições, Mourão disse em entrevista ser favorável ao critério da antiguidade na escolha do novo comandante e pontuou que “Pujol é o mais antigo”.
A substituição do comandante da Aeronáutica, hoje o tenente-brigadeiro do ar Nivaldo Luiz Rossato, foi também um dos temas do café da manhã que Bolsonaro teve com a Força nesta quarta-feira (7). O oficial também deverá deixar o cargo no início do governo.
Pelo critério de antiguidade, o “quatro estrelas” substituto natural do comandante seria o tenente-brigadeiro do ar Antonio Carlos Moretti Bermudez, hoje responsável pela área de Pessoal da Força. O segundo oficial mais antigo é o tenente-brigadeiro do ar Raul Botelho, atual chefe do Estado-Maior da Aeronáutica.
Segundo a assessoria da FAB, no café da manhã também foram tratadas “questões envolvendo os projetos estratégicos da instituição”.
“A respeito das aeronaves [cargueiras] KC-390 e [caças] Gripen, destacou-se a importância dos dois projetos para a renovação da frota das aviações de transporte e de caça. Em relação ao Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), foram destacadas as iniciativas para implantar sistemas espaciais para atender as necessidades do Estado brasileiro em prol da sociedade”, informou a FAB.
Na Marinha, Bolsonaro reuniu-se na terça-feira (6) com o comandante, o almirante-de-esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, e com o chefe de gabinete, o vice-almirante Flávio Rocha.
O comando da Força também deverá ser substituído em janeiro. O oficial mais graduado e mais antigo é o atual chefe do Estador-Maior da Armada, o almirante-de-esquadra Ilques Barbosa Junior, considerado o atual “número dois” do órgão.
Na sequência vêm os almirantes-de-esquadra Liseo Zampronio, secretário-geral da Marinha, e Paulo Cezar de Quadro Küster, atual comandante de Operações Navais. Assim como no caso do Exército, detalhes sobre a reunião na Marinha não foram divulgados pelo órgão ou pela equipe de Bolsonaro.
Da FSP